Zabumba, o Esquenta Mulher das Alagoas
Texto de Luiz Alípio de Barros e fotos de José Medeiros, publicado em O Cruzeiro de 8 de fevereiro de 1947 com o título Zabumba
Com esta reportagem “O Cruzeiro” inicia uma série de trabalhos sobre Alagoas, um dos Estados componentes de uma das regiões mais pitorescas do Brasil: o Nordeste. O jornalista alagoano Luiz Alípio de Barros e o repórter-fotógrafo José Medeiros do corpo efetivo desta revista, são os autores da citada série de reportagens, que começaremos a publicar a partir deste número, de espaços em espaços.
Esta primeira reportagem, sobre um motivo tipicamente regional, tem, para Alagoas e para a Nordeste em geral, um interesse efeito para o resto do Brasil, entretanto tem o sabor de novidade. Esta reportagem e para todo o Brasil.
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“Meu “zabumba” gemedor
Barriga de macaíba
Quem trouxe foi Sá Cicia
Olé, da Barra da Paraíba”.
Esta quadrinha define bem o zabumba”. Porque, em verdade, o significado exato do termo “zabumba” é um bombo bem grande e gemedor, feito em geral do couro de gato do mato ou de couro de bode, com barriga ou aro de macaíba, uma palmeira muito comum em todo o Nordeste.
Entretanto, em Alagoas e Pernambuco costuma-se designar com o termo “zabumba” não somente o bombo avantajado, mas sim toda uma banda musical de cinco figurantes, típica da região, que tem o bombo como instrumento base. A banda compõe-se, além do bombo, de dois pífaros ou “pífanos” ou mesmo “pifes”, uma “caixa” e “pratos”. Instrumentos simples, de confecção primitiva.
No pífaro, a mais rudimentar das flautas, os buraquinhos são feitos pacientemente com um pedaço de ferro pontiagudo e em brasa. A “caixa” tem preparo quase idêntico ao do bombo. Quanto aos “pratos” a história muda um pouco. De confecção mais difícil ou quase impossível ainda para a região, os pratos podem ser adquiridos, no entanto, nas melhores casas comerciais de qualquer cidadezinha mais ou menos progressista. Quando há falta, manda se buscar na Capital. Esta é a parte instrumental. Cinco instrumentos simples.
Na sua parte puramente musical, pode-se dizer que a “zabumba” possui sua música própria. É uma música elementar, por vezes monótona. Raramente a “zabumba” é capaz de executar uma música que exija muitos bemóis e sustenidos. Talvez por causa do primarismo dos instrumentos; mais certo pela falta de educação musical dos “músicos”, que não conhecem uma nota sequer e que tocam de “oitiva”.
Qualquer pessoa que tenha um ouvido mais aguçado é capaz de se tornar um bom “músico” de “zabumba” em quatro ou cinco dias. Depende somente de um pouco de boa vontade e atenção. O mais difícil é o pífaro. Não é lá muito simples tapar com os dedos os buraquinhos exatos. De qualquer maneira o neófito pode tocar ainda no primeiro dia a tradicional marcha a mais elementar música da “zabumba”.
Na marcha, primeiro vêm os pífaros e a “caixa”, e depois as três “batidas” violentas dos pratos e do bombo. Música monótona, evidentemente, mas, pitoresca para o forasteiro, indispensável como o pão de cada dia para o residente. Aquele que visita sua terra natal depois de longa ausência ela é linda, tristemente linda porque traz recordações de um tempo perdido.
A zabumba tem o seu verdadeiro campo de ação nas localidades menos progressistas. Ela é a banda de música das pequenas povoações, das vilas, dos engenhos, das fazendas. As próprias sedes dos municípios com foros de cidade, desprezam a zabumba. Têm a sua filarmônica, seu maestro, às vezes seu jazz.
Das cidades as zabumbas chegam apenas às vizinhanças, as ruas mais afastadas. Ficam por fora, como batida de bombo. Somente em casos especiais ela é convidada a visitar o centro da cidade. Para puxar uma cavalhada, por exemplo, porque a tradição exige, ou quando um santo milagroso não pode prescindir de uma zabumba na sua festa.
A Capital, então, não admite a zabumba. Em Maceió, um homem, o famoso Major Bonifácio, conseguiu organizar uma zabumba. Nunca ela teve entretanto pretensões a se destacar no cenário musical da cidade. Existiu sempre a título de curiosidade. Viveu simples, retraída e morreu com seu criador e protetor, o Major.
Bonifácio Silveira, O Major Bonifácio, homem famoso, foi sem dúvida o maior folião que existiu em todos os tempos em Alagoas. Em vida foi organizador de todos os carnavais de Maceió, e suas festas natalinas de Bebedouro, arrabalde da capital alagoana, marcaram época. Bebedouro exultava com as festas do Major, e todas as famílias mais afortunadas da cidade possuíam casas ali para os dias festivos do fim do ano. O Major não descansava, animando suas pastoras, animando sua marujada.
Natal passava e o velho entrava em preparativos para o Carnaval. Mandava adornar a cidade, e no sábado gordo o seu Zé-Pereira saía em cena. O Zé-Pereira era seu? Pois tinha que sair do seu Bebedouro. “Olha o Zé-Pereira, olha o Carnaval”. As trombetas anunciavam a entrada de Momo, e o cortejo ganhava a cidade. Passava pelo Mutange, e na Cambona parava para os últimos retoques. A um sinal do velho, o Zé-Pereira passava ainda meio frio em frente ao Palácio do Governo, na Praça dos Martírios, mas entrava quente, violento, triunfante, na rua do Comércio, Bonifácio abrindo caminho com o chapéu de palinha espetado na ponta da bengala, as ‘pastorinhas’ do ‘major’ adornando os carros alegóricos, acenando com as mãos para o povo comprimido nas calçadas. O Zé-Pereira do major fazia a rua do Comércio. O Carnaval tomava conta da cidade.
Um dia, o major resolveu que em Maceió faltava uma Zabumba. E organizou uma. Não se sabe por que a pobre banda de música perdeu em Maceió o nome com que toda Alagoas a conhecia. Passou de zabumba ao picante Esquenta mulher. Até hoje, depois da morte do major e da banda de música, o povo não esqueceu o apelido. Para o habitante de Maceió zabumba não é zabumba; e, sim, Esquenta mulher. O Esquenta mulher do Major Bonifácio.
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Intimamente ligada à Igreja, a zabumba não existe fora da religião. A sua atividade, pelo menos em Alagoas, é puramente religiosa. Onde tocar uma zabumba, a Igreja Católica está presente. Jamais a zabumba se divorciou da Igreja. Vive para a Igreja, a Igreja é a razão da sua existência. Por isso, a zabumba, como o foguete, nunca está ausente nas cerimônias nem nos festejos dos santos padroeiros e milagrosos. Tocando nas missas e nos batizados, angariando espórtulas para as festas mais pobres, puxando a cavalhadas, que é também folguedo de festa religiosa.
E no leilão. No leilão o papel do zabumba é importante. Não no leilão de Santa Maria Magdalena de União dos Palmares, cidade que possui filarmônica. Nem nos leilões de São Sebastião do Urucu e de São Sebastião de Colônia de Leopoldina, cidades que não possuem filarmônicas, mas que preferem pedir emprestado em outras cidades do que usar a zabumba das redondezas. Se um clarinete servisse, Toinho Fragoso podia arrepiar um chorinho e a gente do Urucu não precisava tomar nada emprestado.
Nos leilões de outras festas menores, aí sim, aí a zabumba mostra o que vale. A imagem do santo içada no mastro do meio da praça, a mesa do leilão cheia de coisa, melancia, queijos, compoteiras, vasos, bolos, latas de goiabada, copos e xícaras com flores desenhadas, tudo. Mais atrás, bacorinhos, marrãs de ovelha, uma penosa, ou melhor, com licença da palavra, uma perua, criações, garrotes, e outros animais, em currais, amarrados pelos postes ou em balaios. De lado, fica a zabumba, e um pouco afastado, os foguetes. Um Coronel pergunta um caboclo se ele não havia esquecido de trazer os presentes da fazenda.
— Não sinhô, seu Coroné. Veio tudo direitinho. Um garrote, duas marrãs de ovelha, e com licença da palavra, dez galinhas.
O caboclo não diz galinha, perua, ou égua. Para ele são nomes feios. Diz sim, criação, penosa, ou animá. Para se pronunciar palavra galinha, por exemplo, e necessário anteposição de um “Com licença da palavra”.
Mas o leilão começa. O leiloeiro sai com um queijo do Reino manda uma pessoa “botar preço”. E atravessa a multidão, aos gritos:
— “Vinte mil réis me dão
Por um queijo do Reino
Que ofereceram à imagem de São Sebastião.”
Adiante uma pessoa dá um lance e rápido o leiloeiro responde:
“Morr-e-e-este, vinte mil réis…
Trinta mil réis me dão
Por um queijo do Reino
Que ofereceram Imagem de São Sebastião”.
E os lances vão se sucedendo até que um desiste, e o leiloeiro, depois de três ou quatro voltas, resolve entregar o queijo ao dono do último lance.
— Cinquenta mil réis dou-lhe uma… (O homem do bombo dá uma marretada forte: BUM).
— Cinquenta mil réis, dou-lhe duas… (Outra marretada).
— Cinquenta mil réis, dou-lhe três. (Nova marretada). E leiloeiro termina:
— “Toca a música, solta foguete, que eu vou entregar, estou entregando, já entreguei…”
A zabumba ensaia uma música, os foguetes sobem, e o homem que arrematou o queijo manda entregá-lo à Comadre Sinhá, como presente.
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Mas, a grande cena do zabumba é a cena da coleta de espórtulas para as festas de santos. Está é de fato cena mais pitoresca, onde o zabumba enche-se de poesia, de garbo marcial, de orgulho pela beleza da música, a sua música.
A mulher na frente, de manto bem alvo, tendo nas mãos a imagem do santo envolta em flores. A zabumba vai atrás majestosa e satisfeita da vida. Em todas as portas a mulher para, e pede uma esmola para festa do santo. Às vezes não há dinheiro. Mas sempre existe alguma coisa, uma melancia, galinhas, patos bacorinhos, para o leilão. E em cada porta que dá alguma coisa a zabumba toca sua música: não como agradecimento pela espórtula oferecida, mas como uma homenagem a quem, apesar de pobre, não se nega em dividir o pouco que tem para que a festa possa se realizar com sucesso, festa que alegrará tantos corações humildes.
Excelente matéria. De nossas terras surgiu a mais importante “Banda Cabaçal”, Banda de Pife ou Zabumba: a Zabumba Caruaru dos irmãos Biano. Sim. A Banda de Pife de Caruaru é de Alagoas, de Mata Grande.
São especiais criaaaaaaações nordestinas.
Muito alegre e cheio de belezas.
Aqui em Coqueiro Seco temos a Associação Musical desde 1945, mais fazemos questão de trazer uma Banda de Pífano para o tradicional Mastro, marcando assim o início da Festa da Padroeira, Nossa Senhora Mãe dos Homens, no mês de janeiro.