Vinicius Maia Nobre e o Mirante da Sereia
O engenheiro civil Vinicius Maia Nobre, que iniciou seus estudos superiores em Recife a partir do ano de 1949, participou ativamente das melhorias das rodovias alagoanas que tiveram início na década de 1950.
Em depoimento escrito, Maia Nobre recorda que foi durante o governo de Silvestre Péricles (de 29 de março de 1947 a 31 de janeiro de 1951) que foi criado o Fundo Rodoviário Nacional por meio da Lei Maurício Jopert, cujos recursos organizaram o programa rodoviário, permitindo que Alagoas criasse seu órgão vinculado ao setor, a CER (Comissão de Estradas de Rodagem) atual DER.
Durante a administração de Silvestre Péricles foram construídas as pontes de Jacarecica, Guaxuma, Pratagy, Meirim (Saúde), Sauaçuhy, Sapucai e Jitituba, “todas com plataforma para passagem de veículos nas duas direções e em concreto armado dando dessa forma apoio a pavimentação da Estrada do Norte”, explica Maia Nobre.
Foi no governo seguinte, de Arnon de Melo, que se iniciaram as pavimentações de rodovias alagoanas. Silvestre havia revestido somente 2 km, no trecho de acesso à Ladeira do Catolé.
Com a CER bem estruturado e com recursos do Fundo Rodoviário, Arnon pavimentou a estrada de Maceió a Palmeira dos Índios e duas dezenas de quilômetros na iniciada BR-11, atualmente a BR-101. “Alagoas em principio de 1956 era o terceiro estado em rodovias pavimentadas no país!”, comemora Vinicius Maia Nobre.
Muniz Falcão, que governou a partir de 31 de janeiro de 1956, deu sequência ao programa rodoviário e atingiu à divisa de Alagoas com Pernambuco com a BR-11/Norte asfaltada e à cidade de Rio Largo com a primeira rodovia estadual pavimentada.
Mirante e Sereia
A antiga Estrada do Norte somente recebeu pavimentação no governo de Luiz Cavalcante (31 de janeiro de 1961/1966), um quarto de século após as primeiras grandes intervenções realizadas sob a administração de Fernandes Lima.
O primeiro trecho da pavimentação, em paralelepípedos, ficou sob a responsabilidade do município de Maceió e se estendia até à Legião Brasileira de Assistência (LBA) no bairro de Mangabeiras.
Ainda em 1961, a equipe de Luiz Cavalcante iniciou, com a própria estrutura do CER, a execução da AL-11/Norte, futura AL 101. O começo da obra era ao lado do Posto Fiscal situado no atual Shopping Parque.
Segundo o reconhecido engenheiro e professor, isso forçou o prefeito Sandoval Caju a executar mais 50 metros de pavimentação para atingir o asfalto do Estado. Eram adversários políticos, sem nenhuma sombra de dúvidas.
Considerando que a pavimentação só era possível nos sete meses de verão, em 1962 os serviços estavam nas imediações de Riacho Doce. Foi em outubro deste ano que Vinicius Maia Nobre assumiu a direção geral da CER, onde permaneceu até maio de 1963.
Durante a obra da Estrada do Norte, nos diversos encontros entre o governado e o diretor da CER eram analisados os problemas e sugeridas as alterações ao projeto inicial. Maia Nobre lembra que uma destas mudanças proposta por Luiz Cavalcante era a construção de um mirante.
“Conversávamos trocando ideias e opiniões sobre a estrada e ele achava bonito, assim como todos nós, o trecho que passava sobre duna logo após a ponte sobre o rio Pratagy. De quando em vez me pedia para mandar fazer ali um mirante”, revela o professor.
Como os recursos eram escassos, o diretor geral avaliou que essa obra seria um desperdício e foi protelando a sua execução.
Após maio de 1963, Maia Nobre deixou a direção geral e assumiu a Chefia do Laboratório Central, com a atribuição de controlar a qualidade das obras rodoviárias.
Em uma dessas viagens de fiscalização, encontrou o governador no referido trecho de Riacho Doce. Ele estava em companhia do pernambucano Abelardo Rodrigues, um reconhecido colecionador de objetos de artes.
Ao receber Vinicius Maia Nobre, o governador lhe disse: “O senhor não quis fazer o mirante, mas agora vou fazê-lo. Apresento-lhe o Abelardo Rodrigues que vai projetá-lo”.
O engenheiro confessa que intimamente ficou revoltado, pois sempre fora contra a sua construção, avaliando que “a praia já era bem bonita sem àquele artificio”.
Diante da revelação, Maia Nobre repentinamente respondeu: “Porque o senhor em vez de um mirante não coloca uma sereia em cima daquelas pedras, ali?”, e apontou para o lugar onde hoje está a Sereia.
O Major Luiz aceitou a ideia: “Boa sugestão! O senhor teve essa ideia agora?”.
“Não. Na entrada do porto de Copenhague, existe uma sereia de bronze. É muito bonita!”. Na verdade, ele a conhecia de uma fotografia, mas em junho de 1985 visitou a maior cidade da Dinamarca e conheceu de perto a homenagem ao grande escritor Hans Christian Andersen.
Luiz Cavalcante rapidamente encomendou a obra a Abelardo Rodrigues: “Projete o mirante e vamos também fazer a sereia”.
Imediatamente começaram a discutir os detalhes da escultura que teria quatro metros de altura: “Deveria ser feita em partes, oca e seria presa às pedras com concreto, primeiro a sua cauda, em seguida encher-se-ia de concreto os vazios para após serem colocadas as outras partes, tudo durante o intervalo de maré vazante”, detalhou Maia Nobre.
Após voltar ao Recife, Abelardo Rodrigues enviou o projeto do mirante e contratou o escultor José Corbiniano Lins para dar forma à Sereia, que chegou desmontada a Maceió nos fins de 1963.
As partes do monumento desembarcaram na sede da CER, que funcionava na rua Cincinato Pinto, atrás do Palácio dos Martírios. “Era um dia de sol forte de verão quando fui chamado pelo motorista Miguel “Marta Rocha”: “Doutor, venha ver a sereia! Ela tem a bunda da fulana e os peitos da sicrana!” exclamava, referindo-se aos dotes de duas funcionárias, atualmente aposentadas pelo DER”, recorda Vinicius Maia Nobre.
E concluiu: “A admiração de todos que acorriam para olhar a sereia sobre a carroceria de um caminhão era para o que caracteriza o estilo de Corbiniano, conhecido por mim quando estudei em Recife, na Escola de Belas Artes: o exagero para determinadas partes da escultura a fim de se ter uma melhor percepção, quando de longe”.
José Corbiniano Lins faleceu no dia 10 de março de 2018 em Recife. Foi um artista popular de enorme sucesso, ganhador de vários prêmios, além de ser considerado como um dos pioneiros da Arte Moderna em Pernambuco.
No início de 1964, várias obras foram inauguradas pelo governador Luiz Cavalcante. Entre elas a pavimentação da AL-11 até Paripueira. O trecho foi entregue ao público no dia 15 de março. No dia 22 de março foi a vez da inauguração do Mirante com sua Sereia.
Iemanjá
A Sereia inspirada por Vinicius Maia Nobre na sua irmã dinamarquesa e esculpida por um artista popular pernambucano não demorou a ser apropriada pelos maceioenses como uma representação de Iemanjá e passou a ser referência para cultos religiosos nos anos seguintes, como registrou a revista Manchete de 8 de janeiro de 1966.
“Sua presença, numa beira de praia deserta, provocou imediatamente uma convergência permanente de terreiros de Umbanda e das filhas-de-santo do famoso orixá marítimo”, noticiou a revista de circulação nacional.
A reportagem fazia menção ao evento que ali aconteceu no final do ano anterior, quando “mais de 4.000 pessoas concentraram-se, no dia 8 de dezembro, nas imediações do Mirante da Sereia” para fazer suas homenagens, cantos e oferendas “à Janaína e à Sereia do Mar”.
“À noite, mais de quatro mil velas acesas iluminavam o grande mirante, onde a concentração continuava. […] Mais distante, a maré devolvia à praia deserta as flores molhadas, os restos das barquinhas naufragadas, ensopando as vestes da última ‘iaô’, que, ajoelhada, soltava o grito de Iemanjá na noite escura: ‘Hin-hiyemin’”, descreve a reportagem.
Na reportagem, Théo Brandão afirmava que existiam em Alagoas mais de 150 terreiros nas linhas de Ubanda e Quibanda, com uma média de 100 frequentadores por terreiro e mais de 1.500 devotos inscritos na Federação de Cultos Afro-Brasileiros.
Anos depois, o Mirante da Sereia viu nascer um bairro no seu entorno e o local que era um dos destinos turísticos de Maceió, perdeu importância para o setor. Nos últimos anos, até a Sereia foi atingida pelo abandono e durante marés fortes em 2014 perdeu parte da cauda.
Talvez seja o momento de olhar com mais zelo para uma obra, com 55 anos de idade, que tem a assinatura de um grande artista popular e a inspiração do doutor Vinicius Maia Nobre.
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A restauração da cauda foi realizada pela Prefeitura da Capital entre os dias 22 e 24 de dezembro de 2022. O gerente da Zeladoria Municipal, Fábio Palmeira, informou que esse trabalho foi realizado pelo artesão Robson Santos Figueiredo, de Marechal Deodoro, utilizando aproximadamente 50 kg de concreto.
BOAS RECORDAÇÕES NUMA ÉPOCA EM QUE SE MULTIPLICAVAM OBRAS CIVIS E RODOVIÁRIAS PRINCIPALMENTE NA REGIÃO NORTE. ESTAS PONTES CITADAS, JACARECICA GUAXUMA,ETC ESTÃO LÁ FIRMES E FORTES. A MOVIMENTAÇÃO A ÉPOCA ERA MAIS FORTE QUE NOS DIAS ATUAIS POIS HAVIAM ENGENHEIROS IDEALISTAS COMO DR. VINICIUS MAIA NOBRE, EVERALDO CASTRO E OUTROS HEROIS. BONS TEMPOS AQUELES.
Emocionei-me ao ler sua publicação Ticianeli ! Saudades dos tempos que já se foram e que marcaram de uma época mais tranquila !
Sereias! A gente pensa logo que elas vão nos levar para o mar! Mas essa nos leva a sonhar, a idealizar um mundo “marítimo” e cheio de arte aqui na terra! Um grande “engenheiro” de sonhos e realidades, o Professor Vinicius!
Que interessante termos esse momento de imersão na história da cidade e de Alagoas. Urge que a Prefeitura de Maceió e o Governo do Estado cuidem do local e do monumento histórico. A Associação de Moradores e a de Turismo do Estado poderiam, juntas, encampar essa causa.
Impressionante os aspectos vivos da cultura artística depois de tantos anos!
É um espetáculo a ser apreciada.
Há 53 anos que assim o faço moradora que sou deste local paradisíaco tão esquecido e maltratado.
Infelizmente !
Sinto muito.
Gostaria de vê-la com a sua cauda há muito sem.
Minha Sereia- Maceió
Porque não aproveitar este evento para se fazer uma restauração do monumento, Sereia, ? e talvez reinaugura-lo em homenagem ao seu idealizador, o Dr Vinicius Maia Nobre que infelizmente não o conheço pessoalmente , mas sim há muito tempo pelas referências de um grande engenheiro e professor universitário Alagoano.
Kepler Cavalcante Silva , alagoano e também engenheiro civil que formou-se pela Escola de Minas de Ouro Preto e que teve uma breve passagem pela Ufal em 1970!!
Abraços
Beleza. Espetacular registro histórico.
Parabéns pelo esclarecimento a respeito da história da Sereia de prata gi!!!
….Sereia de Pratagi…
O Dr. Vinicius é um ícone da engenharia alagoana, sem dúvida a sua maior expressão. É um arquivo vivo da história das realizações no campo da engenharia civil. Tiremos, para ele, o chapéu.
Parabéns ao idealizador Dr Vinícius Maia Nobre, e demais colaboradores, pelo deslumbramento dessa Sereia. Em especial ao meu Prof. Vinícius, o qual tive a honra de ser aluno. Enfim, esperamos que o governo trate aquela orla pelo seu valor histórico recente.
O Dr. Vinicius é um ícone da engenharia alagoana. É um maior arquivo sobre as realizações da engenharia civil no nosso Estado. Que, para ele, tiremos o chapéu.
Está na hora de cobrar das autoridades a restauração então conhecida como “Sereia do Major”
Relato histórico que engrandece a engenharia alagoana, tão bem representada pelo Engenheiro Vinícius Maia Nobre, com quem tive a satisfação de conviver no CREA-AL.