Viagem de Euclides Malta à Cachoeira de Paulo Afonso em 1907

Cachoeira de Paulo Afonso. Stahl & Ca., Photographos de S. M. o Imperador do Brasil, em 1869

Euclides Malta e sua esposa Maria Gomes Ribeiro. Foto do acervo do IHGA

A viagem do imperador Dom Pedro II pelo Rio São Francisco, em 1859, tornou-se famosa por ter sido registrada detalhadamente pelo próprio governante em seu diário da expedição e pelos fotógrafos da corte.

Quase meio século depois, outro governante voltou a percorrer o velho Chico. O governador de Alagoas Euclides Malta e sua comitiva também percorreram o Rio São Francisco de Penedo até a cachoeira de Paulo Afonso, visitando várias cidades ribeirinhas.

O registro da viagem foi realizado por um jornalista do Gutemberg, de Maceió, e outro do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. O representante do jornal alagoano enviava diariamente suas anotações dos acontecimentos por telegrama e o texto era publicado como tal, sem nenhum trabalho da redação.

A partir destas duas fontes é possível conhecer os detalhes da viagem que aconteceu entre 25 de julho e 6 de agosto de 1907.

A primeira nota sobre a excursão foi publicada no Gutenberg de 25 de julho de 1907. Informava que naquela data entraria no porto de Maceió, comandado pelo capitão-tenente Fábio Rino, o paquete Marahú, “que conduzirá s. exc. o sr. dr. Governador do Estado e sua exma. família, em viagem de recreio, às cidades e vilas ribeirinhas do S. Francisco”.

Na verdade, o Marahú, da empresa “Navegação Bahiana”, não transportaria o governador e comitiva pelo Rio São Francisco, mas somente até Penedo. Ele fazia a linha regular entre Maceió e Salvador, com escalas em Penedo, Vila Nova, Aracajú e Salvador. O trajeto pelo Rio São Francisco foi realizado a bordo do vapor “Moxotó”.

Segundo o jornal, a comitiva seria formada pelas seguintes personalidades: Eusébio de Andrade, deputado federal; Guedes Nogueira, intendente de Maceió; Protasio Trigueiros, artista plástico; Antônio Brasileiro; comerciante; Arsênio Fortes, comerciante em Maceió e Penedo; Alfredo Maia, secretário particular do governador; coronel S. Sarmento, comandante da Força Pública; Mello Machado, juiz substituto da 1ª vara da capital; Gomes Ribeiro, diretor do Diário Oficial; J. P. Pinto, inspetor do Tesouro Estadual; um ajudante de ordem do governador; um representante do jornal Gutenberg e outro do Diário de Notícias do Rio de Janeiro.

Havia ainda a possibilidade de ser incorporado à comitiva Sarjob Barcellos, que iria fiscalizar a ferrovia de Paulo Afonso.

O roteiro estabelecido para a excursão previa visitas a Penedo, Colégio, São Braz, Entremontes, Traipu, Pão de Açúcar e Piranhas, quando se tomaria o trem até o povoado Sinimbu, de onde se seguiria a cavalo até Pedra e depois para a Cachoeira de Paulo Afonso.

Embarque do governador Euclides Malta em Penedo

O paquete deixou o porto de Maceió na manhã de 26 de julho, sexta-feira, e entrou na barra do Rio São Francisco às 3 horas da tarde daquele mesmo dia. Quando estava nas “Porteiras”, além da Ponta Aracaré, foi recebido por inúmeras embarcações, incluindo o vapor “Sinimbu” que acompanhou a expedição até Penedo.

Segundo o jornalista do Gutemberg, a recepção naquela cidade foi “feérica”, com mais de três mil pessoas no cais. As ruas embandeiradas e milhares de girandolas davam o clima de festa. Os quatro jornais locais publicaram edições especiais naquele dia.

Cercado de autoridades, Euclides Malta desembarcou sob aplausos e rumou para o palacete de Sizino Barreiros da Costa, onde a comitiva ficou hospedada “com fidalga e generosa acolhida”.

À noite, ainda no palacete Barreiros, houve um banquete oferecido ao governador. Moreno Brandão, jornalista e professor do Liceu Penedense, deu as boas-vindas à comitiva.

Alfredo Maia elogiou às manifestações recebidas pelos viajantes e Euclides Malta agradeceu e em “arroubos de eloquência, saudou Penedo onde dera os primeiros passos vida pública”.

No dia seguinte, sábado, “fizeram os excursionistas um soberbo pic-nic na Ilha do Jardim, sendo enorme o concurso de famílias da cidade”.

O almoço do domingo ocorreu na chácara do comendador Albino Peixoto. Na presença de muitas autoridades locais e da região, o dr. Helvécio, juiz de direito, brindou ao dr. Euclides Malta com uma “longa e substanciosa oração”, ressaltando que o seu governo engrandecia Alagoas.

Goulart de Andrade saudou a imprensa local ali representada pelos redatores dos jornais “Penedo”, “Luctador” e “Nacional”. Citou ainda o comerciante Manoel Souto. Dr. Amabílio saudou ao dr. Mello Machado, que por sua vez brindou o povo penedense na pessoa do Coronel Barreiros, intendente do município.

O coronel Constantino Cabral enalteceu a Eusebio Andrade e a Francisco Pontes, e Alfredo Maia teceu grandes elogios a Euclides Malta, que “bebeu em honra ao coronel Cabral”, a quem confiou a direção política de Penedo. Falou também o comendador Albino, que ofereceu a festa ao seu amigo de longas datas, Euclides Malta.

Ainda no domingo à noite, foi realizado um concorrido baile no Teatro 7 de Setembro. As autoridades visitantes forma recebidas com a execução do hino alagoano e após a saudação realizado pelo professor Moreno Brandão, tiveram início as danças.

Às dez horas da noite, duas alas pares iniciaram a quadrilha que se estendeu até às duas horas da manhã.

Na manhã seguinte, às dez horas, após uma missa “votiva” celebrada na igreja matriz pelo padre Vieira, que desejou boa viagem à comitiva, a excursão continuou “subindo o São Francisco”.

Após passar por Colégio, São Brás e Entremontes, a comitiva chegou a Traipu às oito horas da noite da segunda-feira. Em todos estes locais os viajantes foram recebidos com festas, mas a delegação não desembarcou em todos.

Em São Braz, uma rua recebeu o nome do governador.

Com iluminação festiva e muita gente no porto, a comitiva foi recebida em Traipu. Seguidos pelos apoiadores, foram todos para a casa do senador estadual Serapião Rodrigues de Albuquerque onde houve o pernoite, após a apresentação de um espetáculo em homenagem aos visitantes.

Desembarque do governador Euclides Malta em Pão de Açúcar

Às 7h da manhã o grupo seguiu para Pão de Açúcar. Quando navegava em frente a Belo Monte, uma numerosa comissão foi incorporada à comitiva. Entre os que vieram receber o governador estavam o deputado Freitas Melro e Hugo Botelho.

O desembarque em Pão de Açúcar se deu às 2h da tarde da terça-feira, 30, com muita gente na “praia” da cidade. Com fogos e banda de música, a comitiva visitou a casa do coronel Luiz José e depois a casa coronel João Vieira Lisboa, primo do governador, onde houve um banquete.

Segundo o historiador pão-de-açucarense Etevaldo Amorim, a mãe de Euclides, Maria Vieira Malta, e a mãe de João Lisboa, Anna Vieira da Conceição Lisboa, eram irmãs.

Durante a recepção, Euclides Malta esclareceu que um dos objetivos da viagem era conhecer mais de perto as necessidades das localidades ribeirinhas do São Francisco para poder levar benefícios para elas. Agradeceu também pela presença de “elementos políticos dissidentes”.

Ainda durante o almoço, Damasceno Ribeiro, que havia frequentado a Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, cobrou em forma de poema a construção de um hospital na cidade.

Os Pobres

Venho em nome da pobreza,
Que mora neste lugar,
Embora com tibieza,
Da luta o gênio saudar!

Sim! A camada esquecida
Ou falha de proteção
Sente também que há vida
Vibrando em seu coração!…

Por isso venho em seu nome
Brindar o Governador,
Que nas lutas fez renome
Sem nunca as armas depor!

A classe que represento,
Tida por muito infeliz;
Que tem o seu advento
Na própria dor que maldiz;

Que produz, fecunda a terra,
Em pleno reino da paz,
E corre a morrer na guerra,
Que o gênio do mal nos traz;

Essa classe que mais luta
Sem um fim… sem ambição
E se consola, se escuta
O eco de uma oração;

Não mandou-me tão somente
As boas-vindas vos dar!
Mas quer também um presente
De vossas mãos alcançar.

É sorte de quem padeço
Parecendo não sentir!
— O pobre quando aparece
É sempre para pedir!

Pedem os pobres da terra
(E é o meu ideal!)
O lenitivo que encerra
O teto de um hospital.

Tem palácio o rico, o nobre,
Onde prolonga o viver!…
— Um hospital quer o pobre,
Onde descanse ao morrer!

Eis pois o que mais aspira
O pobre do meu torrão!…
Para quem geme ou suspira
Há mais nobre aspiração?

— Dai a todos, um a um,
Sem excluir a ninguém!…
Quem trabalha a bem comum
Aparelha o próprio bem!

Em Pão de Açúcar também foi visitada a Estação Telegráfica, que foi considerada bem cuidada e o telegrafista Julio Cavalcante recebeu elogios. Todos posaram para foto em frente a este prédio.

A partir das 20 horas, as famílias daquela cidade foram para a chácara de João Lisboa, convidadas para um sarau dançante. Em frente à residência foi instalado um “elegante” coreto, ocupado por uma banda de música.

Residencia do Coronel Manoel Porfírio em Piranhas, onde hospedou-se o governador Euclides Malta

No dia seguinte, quarta-feira, 31 de julho, a comitiva seguiu logo cedo com destino a Piranhas, onde chegou às 9 horas da manhã.

Em todos os lugares visitados, foram recebidos com banda de música, foguetório e muita gente nas ruas.

Após o desembarque, seguiram pela Rua do Átrio até a casa de Manoel Porphirio. Durante o percurso, em várias paradas, oradores homenagearam os visitantes, a exemplo do major Francisco José Costa e Sabino Romariz.

Já na residência do anfitrião, todos foram fotografados e em seguida foi servido o almoço.

Às 11 horas, a delegação tomou um trem especial da “Great Western” para a Pedra, onde chegou às 2 horas da tarde. Neste trecho a comitiva já contava com cerca de 40 pessoas e foi recebida “fidalgamente” na estação. O pernoite se deu na fazenda do industrial Delmiro Gouveia.

Na madrugada da quinta-feira, 1º de agosto, às 3 horas, a expedição partiu para conhecer a famosa cachoeira de Paulo Afonso. Quem ciceroneou o grupo foi o próprio governador, filho de Mata Grande e conhecedor da região.

Segundo o telegrama do Gutemberg, Euclides Malta gentilmente mostrou a todos os membros da sua comitiva os mais lindos trechos, os sítios pitorescos e as suntuosas quedas d’água.

No local, o almoço foi de comida sertaneja oferecida pelo gentil “coronel Delmiro”. A volta à Pedra se deu às 2h40 da tarde.

No dia seguinte, 2 de agosto, ainda de madrugada, a delegação governamental viajou a cavalo para Água Branca. A recepção e o almoço “opíparo” ocorreram na casa do senador Ulysses Luna. Antes o governador visitou a igreja matriz e algumas escolas. Durante o banquete, o coronel Luna foi saudado pelo jornalista Goulart de Andrade, que também agradeceu ao coronel Delmiro Gouveia pela recepção.

No final da tarde, todos estavam novamente em Piranhas, onde dormiram.

O início da viagem de volta a Penedo foi às 7h45 do sábado, dia 3. A viagem da chata Moxotó descendo o Rio São Francisco durou o dia inteiro. Somente às 19h30 é que o vapor ancorou em Penedo.

Durante aquele fim de semana, um temporal assolou o litoral alagoano. No domingo, 4 de agosto, encalhou na barra do rio a barca norueguesa Hara, que ia de Buenos Aires para Nova Yorque.

Somente na segunda-feira foi que o Comandatuba, também da “Companhia Bahiana de Navegação”, entrou até Penedo, vindo da Bahia. A volta a Maceió na terça-feira se deu neste vapor.

Ainda na segunda-feira foi servido um almoço na casa do vigário Manoel Ribeiro Vieira, que além da boa comida, ofereceu também a música da orquestra dirigida pelo maestro Manoel Tertuliano. Após o almoço, o coronel Barreiro foi ao piano para acompanhar as “senhoritas que cantaram modinhas de poetas brasileiros”.

Em todas as localidades visitadas, além das festas e reuniões políticas, Euclides Malta também conversou com funcionários da administração Estadual, principalmente os das Recebedorias, que ouviram do governador a cobrança por mais arrecadação de renda.

Às 10 horas da manhã da terça-feira, 6 de agosto, após uma missa de ação de graça desejando feliz regresso, o Comandatuba zarpou com a comitiva rumo a Maceió, onde chegou no início da noite e foi recebida por inúmeras pessoas na Ponte de Embarque. Bondes especiais foram colocados na Praça dos Martírios para levar o público até Jaraguá.

Assim findou a “viagem de recreio” do governador Euclides Malta, sua família e correligionários.

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