Um grêmio de jovens que se chamou Guimarães Passos
Moldou-se o Grêmio no estilo da Academia, com patrono nas cadeiras, com recepção, enfim tudo de acordo com os figurinos clássicos
Manuel Diégues Júnior
Foi numa noite de 1927 — 9 de agosto, exatamente —que um grupo de então secundaristas, jovens estudantes que se iniciavam em atividades literárias, trabalhando ou colaborando em jornais de Maceió, se reuniu na casa de um deles, justamente o que assina este artigo, para fundar uma associação literária. A iniciativa fora do dono da casa, e dele partiu também a sugestão para o nome da associação: Grêmio Literário Guimarães Passos.
Só depois, talvez muito depois, é que chegamos a apurar ter existido anteriormente uma associação também patrocinada pelo poeta de “O Lenço“. Tratava-se, sem dúvida, da figura de maior projeção, como expressão literária, das Alagoas. Outros grandes nomes Alagoas poderia apresentar no campo da cultura ou puramente da intelectualidade: um Tavares Bastos, por exemplo, ou um Ladislau Neto, cientista, um Barão de Penedo, diplomata, um Sinimbu, político. No campo das letras, porém, a projeção de Guimarães Passos continuava a maior: poeta, boêmio, autor de um Tratado que ensinava a fazer versos, enfim, para os moços com pretensões literárias, era o patrono ideal.
Talvez estas tenham sido, se bem me lembro, as razões que justificaram a escolha do nome de Guimarães Passos para o Grêmio de jovens. Eram eles o que poderíamos chamar primitivos, alguns dos quais se tornaram de projeção nacional: Raul Lima, Valdemar Cavalcanti, Carlos José Duarte, Abelard França, Paulo Malta Filho, Felino Mascarenhas, Salustiano Eusébio de Araujo Barros (este não tão jovem assim). Mais tarde, outros foram incorporados, com o mesmo mérito na seleção, pois se tornaram conhecidos no campo das letras: Arnon de Mello, Aurélio Buarque de Holanda, hoje Acadêmico, José Jota Maia, jurista, Adauto de Pereira, economista.
O Grêmio Literário Guimarães Passos se reunia na casa do seu criador, que igualmente lhe redigiu os Estatutos. Se não me falha a memória, eram semanais as reuniões. Reuniões agradáveis, sem dúvida, não apenas pelo contato entre aqueles jovens, na improvisação de uma atividade literária, que, por sinal, haveria de marcar os anos finais da década nas Alagoas, também pelos sequilhos, broas de goma, refrescos, café, que eram servidos aos jovens intelectuais pela dona da casa, mãe do fundador.
As reuniões chamadas solenes, a princípio se realizavam em sala de aula do Grupo Escolar Diégues Júnior, onde estudara seu primário o filho do patrono e primeiro diretor do estabelecimento, conhecido assim das professoras e do próprio diretor de então, o eminente historiador Craveiro Costa. Mais tarde, com o prestígio da instituição, a simpatia que angariou nos meios propriamente intelectuais, o Grêmio passou a reunir-se solenemente no salão do Instituto Histórico ou no da Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio, posteriormente, e ainda hoje, Sindicato dos Empregados no Comércio. Seu salão de festas, amplo, agradável, era requisitado por tudo quanto era encontro intelectual ou artístico em Maceió.
Desse prestígio conquistado pelo Grêmio dos moços poderia testemunhar o apoio que logo recebeu, não apenas do Instituto Histórico como também da Academia de Letras, presidida por uma das inteligências mais brilhantes de então, mestre daqueles moços no Liceu Alagoano ou no Ginásio de Maceió: Guedes de Miranda. Grande animador da vida intelectual maceioense, orador brilhante, estimulava a mocidade em suas atividades e proporcionava facilidades com as quais o Grêmio incipiente ia crescendo em realizações.
Moldou-se o Grêmio no estilo da Academia, com patrono nas cadeiras, com recepção, enfim tudo de acordo com os figurinos clássicos. Se não me falha a memória o primeiro a ser recebido, eleito pelos fundadores, foi Aurélio Buarque de Holanda, saudado por Valdemar Cavalcanti, este já com suas tendências modernistas, o seu tanto rebelde aos modelos acadêmicos. Sessão realizada em sala de aula do “Diégues Júnior” com a presença não apenas dos membros do Grêmio como ainda de convidados, em geral parentes ou amigos próximos dos seus integrantes.
Claro que o Grêmio, sendo de moços animados por um ideal e pelo desejo de movimentar, não se restringiu a fazer elogios e receber acadêmicos, nem também a dar o título de sócio honorário a intelectuais eminentes — Jorge de Lima, Guedes de Miranda, Lima Júnior, Costa Rêgo, Aurino Maciel, por exemplo — em festas lítero-artísticas.
Acolheu Coelho Neto em uma de suas passagens por Maceió, e dele recebeu carta estimuladora, escrita naquela letra maravilhosamente disciplinada que mais parecia obra de arte. Promoveu festividades de caráter regional, numa tendência de valorizar o que era alagoano, ou pelo menos nordestino. Foi assim que, na sede do Clube de Regatas Brasil, se fez uma animada festa de São João, com declamações, poesias de integrantes do Grêmio, crônicas, etc. Seguindo-se danças: quadrilhas, valsas, etc.
Outra festa, também esta de caráter regional, realizou o Grêmio no palco do Cinema Floriano, então a principal Casa Cinematográfica de Maceió. Numa tarde organizou a exibição de dois cantores populares, cabendo ao presidente do Grêmio apresentá-los e explicar o que ia ouvir-se. E também servir de animador do programa, anunciando cada número. Foi uma festa do maior sucesso em Maceió, com a casa cheia de público.
Como o espírito democrático do fundador e primeiro presidente do Grêmio era mais forte que seu desejo de ser permanentemente presidente da instituição, o fato é que na sua sucessão se abriu uma luta eleitoral. Assentada a candidatura de Raul Lima, então primeiro secretário, à presidência, no dia da eleição surgiu uma outra chapa, comandada por Arnon de Mello e que se tornou vitoriosa, elevando à presidência José Mota Maia. Com isto o Grêmio perdeu a sede, e também os sequilhos, os bolinhos, as broas, os refrescos, o café e ainda os saraus musicais. Pois transferiu-se para o Conselho Municipal de Maceió, em cujo salão de sessões passou a reunir-se.
Dos saraus não havia eu ainda falado. De fato, era outra característica da vivência do Grêmio: a realização de saraus musicais, ou lítero-musicais, na casa do fundador. Aparecia um poeta, a Zás, levava-se ao Grêmio, e lá se improvisava uma festa: declamação, números de canto, de piano, etc. Se aparecia um pianista ou um cantor, a mesma coisa: o Grêmio o atraia para uma visita e se fazia uma reunião artístico-literária. Na realidade, eram encontros alegres, não apenas festivos, porque agradáveis, numa convivência fraterna daqueles jovens, e tão fraternalmente que a amizade ainda hoje os une e os aproxima.
Com a nova orientação da Diretoria do Grêmio, ampliando seus quadros com o ingresso de elementos menos jovens, ao mesmo tempo que aqueles que o haviam fundado começavam a deixar Maceió para seus estudos superiores — no Rio, no Recife, na Bahia — a instituição sofreu evidentemente influências que lhe tiraram aquele caráter com que havia sido fundado: o de instituição puramente de jovens. Passou inclusive de Grêmio a Academia: Academia Guimarães Passos. A descaracterização de suas origens acentuou-lhe a fisionomia. E em consequência, pouco a pouco, começou a declinar, e desapareceu.
Hoje não existe mais o Grêmio Literário Guimarães Passos, nem a Academia Guimarães Passos. A iniciativa dos jovens primitivos de 1927 marcou, entretanto, um momento de grande atividade na vida intelectual das Alagoas. Não lhe faltou o prestígio do Governador de então, jornalista Álvaro Paes, assíduo frequentador de suas sessões solenes, e igualmente do ex-governador Costa Rêgo, do presidente do Instituto Histórico, Orlando Araujo, ou de Guedes de Miranda, presidente da Academia Alagoana de Letras, nem a de intelectuais de projeção no Estado.
Do Governador Álvaro Paes vale lembrar que, sempre pontual em seus compromissos, uma ocasião quando o presidente do Grêmio chegou à sede da Perseverança e Auxílio, para uma sessão solene que deveria começar às 8 horas da noite, já lá encontrou o Governador, deveriam ser umas 7 e 40 mais ou menos. Foi o primeiro convidado a chegar.
De qualquer maneira a existência do Grêmio Literário Guimarães Passos, na vida intelectual alagoana da década dos 20, é um sinal de que os moços de então sabiam consagrar os valores que os haviam antecedido na atividade literária. Outra não poderia ser a significação daquela homenagem ao poeta, membro da Academia Brasileira, figura de antologias poéticas e de presença inevitável em crônicas ou anedotas sobre a boemia de seu tempo, que esta: a sua permanência, que acreditamos ainda hoje exista entre os jovens, relembrado — e que é a melhor forma de permanecer — pelas novas gerações.
*Publicado originalmente na Revista da Academia Alagoana de Letras, nº 13, de 1987.
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