Teotônio Brandão Vilela, o boiadeiro menestrel
Teotônio Brandão Vilela nasceu em Viçosa no dia 28 de maio de 1917, filho de Elias Brandão Vilela (um dos sete filhos de José Aprígio Vilela) e Isabel Brandão Vilela.
Entre os dez filhos do casal — foram cinco homens e cinco mulheres —, também cumpriu papel importante na história do país dom Avelar Brandão Vilela, que foi cardeal primaz do Brasil.
Os primeiros contatos de Teotônio com as letras foram mediados por sua mãe no Engenho Mata Verde. Ainda menino, foi para a casa de um tio em Viçosa para concluir o primário na escola do professor João Domingues.
Teotônio dizia que este professor “muitas vezes trocava o giz do quadro por um charuto e tentava acender o giz. Ele tomava uma cana violenta, mas era um velho adorável”.
Com 13 anos de idade, já em Maceió, foi aprovado nos exames de admissão para o Liceu Alagoano, mas não teve condições de ficar na capital. A solução que seu pai encontrou foi interná-lo no Colégio Nóbrega em Recife, que era dirigido por padres jesuítas e onde Teotônio passou cinco anos.
Como tinha a pretensão de ser aviador, convenceu seu pai a enviá-lo para o Rio de Janeiro com o intuito de prestar exames para a Escola Militar, o primeiro passo para chegar à Aeronáutica.
No dia do exame, os alunos ficaram enfileirados num pátio embaixo de muito sol. Teotônio teve a infeliz ideia de improvisar com jornais um “chapéu de almirante”. A cobertura de papel foi mal-entendida, houve um bate-boca e ali mesmo a Aeronáutica perdeu um aviador. Pouco tempo depois, foi reprovado em exame para a Escola Politécnica, onde pretendia cursar engenharia.
Nesta época, se aproximou de José Lins do Rego e Aurélio Buarque de Holanda, a quem começa a auxiliar na edição do seu dicionário, principalmente na escolha das expressões típicas do Nordeste. Esse ambiente de intelectuais foi o passaporte para a sua entrada de corpo inteiro na boemia carioca.
Conheceu o Rio de Janeiro de ponta a ponta, chegando a ser diretor da Gafieira Aliança, nas Laranjeiras. “Era o clube da turma do morro que ficava atrás da pensão em que eu morava. A turma do morro descia e nós convivíamos ali, tranquilamente em boa paz”. Essa era a sua vida no final dos anos 30.
De repente, resolveu voltar para Alagoas. Não estava satisfeito e não achava que continuar recebendo mesada da família estivesse correto, mesmo trabalhando para a Prefeitura do Rio de Janeiro.
A sua volta sem ter terminado os estudos frustrou seu pai, que não queria que ele trabalhasse na agropecuária. Teotônio insistiu e como era bom boiadeiro, resolveu investir na profissão.
“Comprava gado na beira do Rio São Francisco, gado novo, garrote, e trazia para a minha região, que era muito rica em pastagens, e normalmente vendia aos fazendeiros”. Trabalhou por quatro anos nesse negócio, chegando a tanger gado até Feira de Santana, na Bahia.
Em 1945, já com 28 anos de idade, juntou os ganhos com o gado e entrou de sócio na montagem de uma usina. Os outros sócios foram seu pai, seu irmão mais velho e alguns tios. “Passei um ano e meio com medo de perder o que tinha numa aventura, uma indústria que nós não conhecíamos”.
Coordenando o empreendimento, Teotônio teve que tomar empréstimos hipotecando seus bens e dos sócios. Trabalhou muito, mas quatro anos depois a Usina Boa Sorte estava moendo e prosperando, ampliando suas terras. Em 1951, o setor foi atingido por uma crise e o açúcar caiu de preço.
Com todas as propriedades hipotecadas, a família pressionou Teotônio a vender a usina. Ele pediu o direito de preferência de compra, levantou mais dinheiro emprestado, hipotecando outros bens, e assumiu integralmente o controle sobre a Boa Sorte, que funcionou até 1970, quando seu proprietário transferiu os investimentos para a Usina Seresta, implantada nos tabuleiros de Junqueiro.
Em 10 de julho de 1948, Teotônio casou-se com Helena Quintela Brandão Vilela, Lenita, com quem teve sete filhos: José Aprígio Vilela, Teotônio Vilela Filho, Rosana Vilela, Maria Helena Vilela, Janice Vilela, Fernanda Vilela e Elias Vilela.
Na política
Como sua família era adversária histórica dos Góes Monteiro, que controlavam o Partido Social Democrático (PSD), Teotônio não tinha outro caminho a não ser entrar para a União Democrática Nacional (UDN).
Iniciou sua carreira política em 1954, quando foi eleito deputado estadual para a legislatura seguinte (1955-58). Em 1958, disputou novamente o mandato de deputado estadual, mas ficou na suplência. Assumiu o mandato após o afastamento de um titular.
Foi durante seu primeiro mandato que aconteceu o fatídico tiroteio na Assembleia Legislativa de Alagoas (dia 13 de setembro de 1957), quando tentava-se votar o impeachment do governador Muniz Falcão.
Teotônio, que era da bancada oposicionista, tentou impedir a crise procurado o presidente Juscelino Kubitschek. Não conseguiu impedir o choque violento entre a oposição e as forças governistas.
Em 1960, Teotônio Vilela era o vice da chapa do Major Luiz Cavalcante. Com a votação em separado, teve mais votos que o candidato ao governo, saindo muito fortalecido destas eleições.
Nos revolucionários anos 60
Com a renúncia do presidente da República Jânio Quadros, no dia 25 de agosto de 1961, instalou-se uma séria crise política no país. O vice, João Goulart, estava em viagem na China e a UDN não queria aceitar que ele voltasse e assumisse o governo.
Na famosa reunião da UDN no Palácio Guanabara sobre a posse ou não de Jango, Teotônio não concordou com a posição adotada pelo líder do partido, Carlos Lacerda, e contrariando a maioria da UDN defendeu a posse do vice. Argumentou que era isso que determinava a Constituição.
Teotônio recordou em depoimento, que depois que todos falaram contra a posse de Jango, “eu levantei o meu dedinho e pedi licença para falar. E disse humildemente que era a favor e ia para a rua defender a posse de João Goulart na Presidência da República”. Falou e se retirou.
Após 1964, quando João Goulart foi derrubado por um golpe militar, Teotônio migrou para a Arena, partido de apoio aos militares. Na sua avaliação, a “Revolução” não foi ideológica, mas um movimento político que pregava o “propósito de revitalizar a democracia, que estaria ameaçada por Jango e suas hostes esquerdistas, e caiu imediatamente na vala comum do autoritarismo, da violência, etc, etc”.
Em 1966, Alagoas foi governada durante alguns meses pelo interventor general João José Batista Tubino. Nesse período Teotônio foi Secretário da Educação (12/02/1966 – 17/09/66), de onde saiu para ser eleito senador em 15 de novembro, derrotando Silvestre Péricles de Góis Monteiro (MDB) (73.737 votos contra 58.624).
Nas eleições de 1974, foi um dos poucos senadores arenistas a reconquistar o mandato. Derrotou Pedro Marinho Muniz Falcão (MDB). Teve 140.989 votos contra 95.213 do seu concorrente.
O Projeto Brasil dos anos 70
O segundo mandato no Senado, quando rompeu com os militares, levou Teotônio a ser conhecido como o Senador do Brasil. Segundo o testemunho do jornalista Márcio Moreira Alves em seu livro Teotônio Guerreiro da Paz, essa mudança de posição teve início após o dia 28 de março de 1975.
Naquela data, Teotônio foi recebido pelo presidente Ernesto Geisel e a ele apresentou a proposta de fortalecimento do setor álcool-químico como forma de substituir em grande parte o modelo petroquímico. Argumentou que esse investimento beneficiaria um setor econômico puramente nacional que utilizava matéria-prima renovável, gerando divisas e ampliando a oferta de emprego para a mão-de-obra de baixa qualificação.
Teotônio foi um dos pioneiros defensores do projeto que dois anos depois seria o Programa Pro-Álcool.
A audiência, que estava programada para durar 20 minutos, se estendeu por duas horas após Geisel ter revelado que pretendia iniciar um processo de “distensão” institucional para devolver à nação seus direitos democráticos.
Teotônio se prontificou imediatamente a contribuir para este processo de restauração democrática. Geisel pediu, então, que ele não se aproximasse de Paulo Brossard, líder do MDB, e que não se atritasse com Petrônio Portela, o líder da Arena escolhido para negociar com a oposição a reabertura política. “À saída eu disse ao Geisel que seria fiel ao pensamento que ele me revelara e que só voltaria ao Palácio do Planalto se fosse expressamente chamado por ele. Ele não me chamou e eu nunca mais voltei“, disse Teotônio.
Dias depois, reuniu a imprensa, informou o teor da conversa com Geisel e se qualificou como alguém que estaria à frente desta campanha democrática. “A notícia ganhou as manchetes, o senador das Alagoas começou a transformar-se no Senador do Brasil“, recordou Márcio Moreira Alves.
Mesmo sem ter acreditado nas intenções de Geisel, Teotônio agiu com sagacidade política e aproveitou a “intenção revelada” para se embandeirar da luta pela democracia, ocupando um importante espaço politico e o habilitando a voar mais alto.
Assim, no dia 25 de abril de 1975, discursou no Senado defendendo a democracia e se colocando como porta-voz de Geisel. Concluiu seu pronunciamento com as seguintes palavras: “Todos queremos ordenar a liberdade, a começar pela impressionante clarividência do estadista que nos governa: general Ernesto Geisel”. A Arena, sem entender o que estava acontecendo, calou-se. O MDB, sem confiar no que acabara de ouvir, também não abriu a boca.
Teotônio continuou a surpreender ao propor uma Frente Nacional Pluripartidária com o compromisso de realizar “uma revisão do processo político brasileiro; considerar realisticamente a área de responsabilidade da segurança nacional; reconhecer e interpretar a violência dos contrários; contornar o arbítrio; buscar uma definição-limite das intenções do Governo; reaparelhar e fortalecer os partidos políticos para o seu novo destino, considerando a validade política do bipartidarismo”.
Como Geisel e seu governo continuavam a cometer atos arbitrários e Teotônio persistia na sua cruzada pela democracia, naturalmente ocorreu o afastamento entre o parlamentar alagoano e a Arena. Esse distanciamento foi levado ao extremo quando a liderança governista orientou seus senadores a deixarem o plenário quando Teotônio discursasse.
Os emedebistas, ao contrário, cada vez mais apoiavam-no e Paulo Brossard passou a conversar com o aguerrido senador alagoano.
Teotônio, quanto mais ganhava espaço na mídia nacional, mais se afastava da Arena, onde mantinha contato apenas com outro senador alagoano, Luís Cavalcante.
Nesse período, passou a ser convidado para realizar palestras em várias universidades, principalmente do centro-sul. Sua aproximação com os estudantes e operários foi fundamental para a construção do seu projeto político. Mas Teotônio também mantinha estreito contato com os diversos segmentos do poder econômico, angariando apoio e fortalecendo a oposição ao regime militar.
O fechamento do Congresso e a adoção de medidas antidemocráticas (Pacote de Abril) em 1º de abril de 1977 levou o grupo liderado por Teotônio e Severo Gomes ao rompimento definitivo com os militares.
Foi ainda em meados de 1977 que começou a ser esboçado o Projeto Brasil, com seu “capitalismo socialmente responsável“, que pretendia se colocar como alternativa ao processo sucessório iniciado em 1978, que levaria o general Figueiredo a assumir a presidência da República em 15 de março de 1979.
No dia 25 de abril de 1979, Teotônio filiou-se ao MDB após um longo período de maturação política, principalmente para tentar resolver os problemas eleitorais que essa decisão provocaria em Alagoas.
Nos auditórios e cadeias lutando pela Anistia
Quando o projeto da Lei da Anistia chegou ao Congresso, em junho de 1979, já encontrou o país mergulhado num amplo debate sobre o assunto.
Teotônio, que em 1968 já falava sobre a anistia, foi escolhido pelo MDB como presidente da Comissão Mista (11 senadores e 11 deputados) que daria celeridade à tramitação do projeto. A Arena indicou o relator, o deputado Ernani Sátiro, da Paraíba.
Ainda no recesso parlamentar, Teotônio resolveu ouvir a “sociedade civil” e iniciou a peregrinação por auditórios e cadeias, levando em pouco tempo a personificar a luta por anistia no país.
Em meio aos desencontros entre as entidades e grupos que pleiteavam a Anistia, conseguiu atrair as atenções para a Comissão que presidia. “A entidade unificadora da anistia foi o Teotônio — testemunha o então deputado Marcelo Cerqueira —, pela sua dedicação, pela sua coragem, por ser um liberal vindo do governo. Foi ele o ponto de desaguadouro de todos os movimentos, a federação das entidades que participaram da luta”.
Ulisses Guimarães entendeu que o senador alagoano “fez com que a sociedade se transformasse na Comissão. A sociedade e os presos, os perseguidos”.
Roberto Freire assim analisou a fenomenal atuação de Teotônio na luta pela Anistia: “Objetivamente, ele era um usineiro. Mas, pela sua atuação a favor dos presos políticos, ele conseguiu ter um bom trânsito na esquerda. Apesar de sua origem, apesar de todo o seu passado recente de arenista, ele conseguiu adquirir uma credibilidade incrível, credibilidade que muitos dos nossos líderes, que têm um passado de lutas, não conseguem adquirir”.
E concluiu: “Não há grupo de esquerda no Brasil, por mais sectário que seja, mesmo as pequenas seitas, que tenha restrições a Teotônio. Ele conseguiu se impor e deu à causa uma projeção muito grande”.
Em sua jornada, visitou todas as cadeias do país onde estavam os 53 presos políticos. além disso, manteve contato com vários exilados. Contribuiu decisivamente para expor as limitadas propostas do governo militar, revelar o drama dos prisioneiros e exilados, e desfazer a imagem negativa que a ditadura construiu deles.
Defensor da “anistia ampla e irrestrita“, sem admitir negociação, Teotônio aos poucos foi sendo isolado e vitimado pelo jogo parlamentar. Mas resistiu até o final, quando as propostas da oposição foram derrotadas por 206 a 202 votos.
Entre abril e maio de 1980, Teotônio voltou a ganhar as manchetes dos jornais por sua atuação na greve dos operários de São Bernardo dos Campos, onde interferiu decisivamente para conter várias ações repressivas.
Perseguições
Com o seu afastamento político do governo, logo vieram as perseguições. Em 1981, o projeto de instalação da Destilaria Indiana no município de São Sebastião, que tinha a participação de Teotônio como acionista minoritário, foi vetado pelo BNDE à pedido do general e presidente João Figueiredo.
A decisão do BNDE foi entendida pelo PMDB alagoano como boicote. O então deputado estadual Renan Calheiros reagiu dizendo que “só os irresponsáveis do Planalto poderiam atentar contra Teotônio, contra o Pro-álcool, contra o Estado de Alagoas”. Até mesmo o senador Luiz Cavalcante, da base do governo militar, condenou a negativa de investimento no projeto.
Em maio de 1982 Teotônio descobriu que tinha nódulos cancerosos no pulmão e no cérebro. Doente, desistiu da sua reeleição ao Senado, mas iniciou uma das maiores cruzadas políticas da história do país. A doença também não o impediu de participar da campanha eleitoral dos seus correligionários.
Suas últimas forças foram utilizadas para divulgar o Projeto Emergência, que surgiu no início de 1983 e o levou a percorrer o Brasil pregando novos caminhos para o desenvolvimento da nação.
Em novembro de 1983, caiu em coma num hospital de São Paulo. Num momento de lucidez fez dois pedidos aos filhos: morrer em casa e ver a natureza. Morreu em casa, em Maceió, às 16h40 do dia 27 de novembro de 1983, com a janela do quarto aberta e ouvindo o canto de um canário que tinha sido de sua mulher Helena.
Fontes: Fazedor de História, um depoimento de Teotônio Vilela, Editora Três; Berra Teotônio, um grito de liberdade no Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul; e Teotônio, Guerreiro da Paz, de Márcio Moreira Alves.
Excelente matéria que muito contribuirá com a memória histórica de Alagoas. A trajetória de Teotônio emociona, pela coragem política, pela vivência com os livros e as ruas, pela oratória e pela inteligência cívica.
Esse cidadão contribuiu muito para Alagoas e para o Brasil. Homem honesto! Trabalhava para todos, e não para os grupos mais abastados, como a maioria dos nossos políticos que trocam sua ideologia pro propinas. Me sinto orgulhoso de tê-lo como conterrâneo. Grande homem e grande cidadão de alagoas do Brasil e do mundo!
Parabéns Ticianelli, guardião da história…boas lembranças do “Menestrel”.
Caro amigo, não tem outra palavra que não seja, parabéns! Uma maneira simples e inteligente de contar a história das Alagoas. E com maestria a história do menestrel das Alagoas, que tivemos a honra de lê-lo com paraninfo de nossa formatura, na primeira turma de direito do Cesmac, 1979. Ressalto, que a história de Alagoas não seria tão bem divulgada, se não fossem por suas mãos e inteligência a serviço de Alagoas. Abç fraterno Floriano Alves