Santuário religioso sofre perseguição na Rua do Reguinho em Maceió de 1872
No dia 17 de julho de 1872, o “jornal político, comercial e literário” A Nação, de propriedade do bacharel João Juvêncio Ferreira de Aguiar, em sua edição da tarde, reproduziu matéria divulgada no Diário de Alagoas sobre um episódio que envolveu a Igreja Católica, a Polícia e um santuário dedicado a Santa Bárbara na Rua do Reguinho, atual Rua Dias Cabral, em Maceió.
A Igreja Católica foi representada, nessa fiscalização, pelo cônego Francisco Peixoto Duarte, vigário colado da freguesia de N. S. dos Prazeres (Maceió). Por ser colado — prestou concurso e recebeu a colação — esse tipo de sacerdote era um funcionário público, recebendo a côngrua, um salário que saía dos dízimos recolhidos pelo poder civil. Não podiam ser removidos.
Com a instalação da República, o sistema de padroado foi extinto e a igreja separada do Estado.
Mas vamos aos fatos:
“No domingo, 23 do corrente (junho) o Rev. cônego vigário da freguesia, acompanhado pelo Sr. subdelegado em exercício, tenente Lúcio José da Costa, visitaram a casa à rua do Reguinho, número 38, onde se dizia, que alguns pretos africanos praticavam atos de idolatria promiscuamente com exercícios religiosos do catolicismo.
Às 5 horas desse dia acharam-se essas autoridades, imprevistamente, à porta da mencionada casa, onde penetraram por consentimento de uma velha preta, que se dizia a proprietária, até ao quarto onde estava a Santa Bárbara, a padroeira dos ditos africanos. O quarto estava então escuro; mas exigindo o Rvm. vigário que a mandassem vir luz, examinou-o, com o Sr. subdelegado, escrupulosamente, resultando verem o seguinte:
O quarto estava guarnecido de cortinas, haviam pelas paredes diversas placas de iluminação com espermacete. Pendiam das paredes, duas ordens de quadros mais ou menos ricos, de diversos santos do calendário, algumas cruzes de pequena dimensão sobrepostas a esses quadros. Sobre uma mesa, um santuário de madeira em que estava encerrado um pequeno vulto de Santa Bárbara, feito com perfeição; alguns jarros com flores ornavam essa mesa, sobre a qual também estavam alguns castiçais com velas de espermacete.
Sobre um estreito estrado estavam arrumadas, em ordem, grande coleção de pedras, a que dão o nome de corisco (aerolito, meteorolito) e de em volta com elas, diversas bilhas com água natural. Sobre o mesmo estrado estavam alguns emblemas de martírio, como pequenas setas de ferro, varinha aguçadas, etc., que disseram simbolizar os martírios de São Sebastião.
A um lado e pendente da parede, estava uma perna de madeira, oleada de preto (milagre ou voto) de uma doente que, por intercessão de Santa Bárbara, ficará reestabelecida de uma chaga cancerosa, que lhe corroía a perna. A água das quartinhas é reputada água milagrosa. As pedras simbolizam os raios contra os quais é nossa advogada a mártir Santa Bárbara.
Concluindo o exame de tudo que ali estava, o Ver. Cônego vigário entendeu mandar remover daquele quarto, para qualquer outro lugar, as pedras e as quartinhas com água, fazendo sentir no grande concurso de pretos, e pretas, que então se haviam reunido, que aqueles objetos com quanto não ofendessem à santidade da nossa religião, porque era um resultado da fé que eles depositavam na interseção da mártir Santa Bárbara, contudo, não deviam fazer parte dos objetos sagrados por eles venerados, e que consentia, apenas, que ali ficassem os quadros, as cruzes e o santuário da mártir de sua devoção.
Das pesquisas que fizeram soube-se, que naquele quarto, que é independente de toda a casa, somente entram os que vão rezar a Santa Bárbara, e que nenhum modo de vida, lucrativo, disto fazem os pretos. Não tendo sido encontrado nenhum objeto que fizesse suspeitar atos de venefícios, feiticeiria, idolatria, etc., nenhuma razão de ser havia para que outro alvitre fosse tomado pelo Rvm. cônego vigário, senão o que prudentemente adotou, desde quando somos informados que esses pretos seguem, mui religiosamente, os preceitos da nossa religião”.
Muito grato, Ticianeli.
Seria o culto a Iansã/Óia?. Sincretismo, múltiplas pertenças?!