Rodriguez de Melo, negro triunfante num mundo de hegemonia branca
Manoel Rodrigues de Melo nasceu em Maceió no dia 27 de junho de 1876. Era filho de Manoel Rodrigues, um fogueteiro, e de Florinda Joaquina Rodrigues de Melo, que vendia tapiocas nas calçadas das ruas da capital para garantir o sustento dos oito filhos. Em algum momento de sua vida, seu nome passou a ser grafado Rodriguez e pronunciando com o “guêz” do espanhol, como era do seu gosto.
Há registro de que teve pelo menos uma irmã, Jucelina Costa Pires, que faleceu em fevereiro de 1924 (Diário de Pernambuco de 1º de março de 1924). Arthur Rodrigues de Melo, um dos seus filhos, em 1953 era diretor de jornalismo da Rádio Difusora de Alagoas.
Com sacrifícios, conseguiu fazer o curso de Humanidades no Liceu Alagoano. O seu bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais foi na Faculdade de Direito de Recife (iniciou em 1900), onde estudou graças a ajuda de uma família abastada.
Esse patrocínio foi encerrado quando resolveu casar-se, em outubro de 1906, com Cecília Pires Rodrigues de Melo. Tiveram os seguintes filhos: Hermano, Aderbal, Hercília e Guiomar, que faleceram cedo, e Gilberto, Cordélia, Hemengarda e Desdêmona.
Abandonou o curso em 1904 e voltou à Maceió, onde começou a trabalhar na imprensa e no Tribunal do Júri. Indicado pelo governador de Euclides Malta, que admirava sua inteligência, foi curador geral de órfãos, delegado geral da Polícia da Capital e secretário do governador.
Com a ajuda de Euclides Malta, conseguiu terminar o curso de Direito em 1909, sendo diplomado em 16 de março. Foi recebido com festa na estação ferroviária. Sua residência, na Rua da Alegria, centro de Maceió, foi literalmente invadida pelos amigos.
Uma nota no jornal pernambucano A Província comemorou o seu bacharelato e o tratou como “uma das figuras mais salientes e mais amadas da nova geração intelectual de Alagoas. Espírito culto e de largo descortino, a sua atividade mental se tem desdobrado com vantagem no jornalismo político, na crítica literária e na oratória, que lhe há proporcionado triunfos. De condição humilde, em luta com elementos adversos, o dr. Rodrigues de Melo constitui um desses raros exemplos de quanto pode uma forte inteligência à serviço de um carácter diamantino”.
A assumiu o 3º Comissariado de Polícia da Capital (entre 3 de março e 20 de junho de 1910) e esteve na 2ª Promotoria da Capital (nomeado em 30 de novembro de 1910) e na 1ª Promotoria. No Aprendizado Agrícola de Satuba, foi vice-diretor até outubro de 1915. Ocupou ainda a Promotoria Pública de Santa Luzia do Norte e Penedo. Passou 34 anos de sua vida em promotorias públicas de Alagoas.
Como 1º Promotor da Capital, provocou intensa celeuma a sua decisão de colocar em liberdade os detentos que estavam presos ilegalmente. Argumentou que a Constituição Federal definia que ninguém seria preso, senão nos casos expressos em lei.
“Homens deformados pela miséria física, ali se acham há 5, 6, e 8 meses, sem processo e sem culpa formada e, consequentemente, sem um motivo legal que justifique sua prisão. Muitos já teriam cumprido a pena se fossem condenados, pois são ladrões de galinha uns, outros furtaram uma lata de banha, um pedaço de carne ou um objeto sem valor“, justificou Rodrigues de Melo.
Foi eleito deputado estadual durante o governo de Baptista Acioli, na legislatura de 1917-18. Seu mandato foi marcado pela defesa dos direitos dos trabalhadores e dos mais humildes.
O historiador Douglas Apratto lembra que neste período, “a questão social ainda era considerada simples caso de polícia“.
Denunciou a exploração estrangeira dos nossos recursos naturais. Posicionou-se contra o Governo Federal por ter feito concessão à Itabira Iron, em Minas Gerais, para a exploração estrangeira do nosso ferro. Da mesma forma externou sua discordância às concessões de terras na Amazônia ao grupo norte-americano de Henry Ford.
A transferência da Fábrica de Linha de Pedra pelos herdeiros de Delmiro Gouveia para um grupo estrangeiro, da mesma forma foi denunciada por ele.
Teve ainda atuação destacada como presidente da Comissão Permanente Pró-Petróleo em Alagoas. Argumentava que era falta de patriotismo a retirada das sondas de petróleo de Riacho Doce, um atentado à nossa soberania.
Em 1934, voltou à Assembleia Legislativa, como constituinte. Foi eleito pelo Partido Republicano e cumpriu a legislatura 1935-38. Participou, em 1936, juntamente com Freitas Cavalcanti e Lima Júnior, da elaboração do projeto do Estatuto dos Funcionários Públicos.
Quando foi fundada a Faculdade de Direito de Alagoas, assumiu como professor a Cadeira de Filosofia do Direito. Foi também fundador e primeiro ocupante da cadeira 25 da Academia Alagoana de Letras. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e do Centro Cultural Emílio de Maia. Fundador da Associação Alagoana de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil.
O intelectual
Falava Francês, Espanhol e Inglês e possuía uma das maiores bibliotecas de Alagoas. Segundo Douglas Apratto, Rodrigues de Melo era um intelectual da práxis que atuava em várias vertentes do universo cultural. “Parecia que precisava pagar com regularidade um elevado tributo à sua origem humilde, ao preconceito, à inveja ao seu talento. É notável que, numa sociedade elitista, racista como a de Alagoas nas primeiras décadas do século XX, um negro, filho de escravos, se equiparasse aos medalhões do seu tempo”.
Era reconhecido como um grande tribuno. Distinguia-se ainda como poeta, tenor, polemista, conferencista, jornalista, dramaturgo e prosador. Uma de suas peças, A Tormenta, foi apresentada com sucesso extraordinário no Teatro Deodoro no dia 7 de outubro de 1917 pela Companhia Maria de Castro. No dia 6 de novembro de 1919 foi a vez da peça Uma Página da Vida, que foi levada à cena pela famosa Companhia de Itália Fausta.
Conviveu com Jorge de Lima, Pontes de Miranda, Mateus de Lima, Monteiro Lobato e Edson Carvalho. Sua casa era frequentada por vários intelectuais da época. Segundo Douglas Apratto, entre seus admiradores estavam Ezequias da Rocha, Lily Lages, Lafaiete Belo, Júlio Auto e o governador Euclides Malta.
Sobre suas habilidades como cantor lírico, o padre Júlio de Albuquerque deixou o seguinte depoimento: “Gostava de ouvir o bom tenor que era, cantando à meia voz trechos de grandes mestres como Schubert, Verdi, Carlos Gomes. Discutíamos filosofia e discordávamos, pois era adepto de Spencer, Freud, Biné-Sanglé, Comte, Renan, Rousseau. Eu lhe admirava a eloquência, gabava-lhe a cultura, exaltava-lhe a fecúndia, temeroso por nossas discordâncias filosóficas, que nada viesse a toldar o céu de nossa larga amizade ou desatar o laço de nosso velho afeto“.
Rodrigues de Melo, após uma trajetória de vida marcada por conquistas e por deleites boêmios, retirou-se para Penedo, onde faleceu no dia 7 de julho de 1946.
Fonte principal: Pesquisa do professor Douglas Apratto para o fascículo nº 33 de Memórias Legislativas de 30 de agosto de 1998.
Não se supera o preconceito apenas com um tremendo esforço, mas o grande esforço não pode ser visto como MERITOCRACIA. É necessário que a pessoa tenha FOCO.
Escola Estadual Dr. Rodriguez de Melo, Conj. Jardim Esperança, no bairro de Ponta Grossa, a denominação refere-se ao documentário de Manoel Rodrigues de Melo? Se sim, porque Rodrigues está escrito com “z”.