Riacho Reginaldo, o Salgadinho de Maceió

Ponte do Reginaldo em 1924

Não se tem registro de quando esse pequeno curso d’água recebeu sua denominação, mas oficialmente seu primeiro nome foi Riacho Maceió, provavelmente por tangenciar a vila assim também designada.

Sua nascente era conhecida como Poço Azul e ficava onde hoje está implantado o bairro Jardim Petrópolis. Desembocava na Praia do Sobral e mesmo sendo um riacho, tinha afluentes como o Riacho do Sapo e o Gulandim.

Planta de Maceió de 1859

Quando Maceió iniciou sua expansão urbana acompanhando a Estrada do Norte, a partir do bairro do Poço, surgiram os primeiros registros de um local conhecido como Reginaldo.

Eram as terras pertencentes a Reginaldo Correia de Melo. Suas propriedades se estendiam pelo Poço e chegavam ao Alto do Jacutinga, hoje bairro do Farol.

As informações sobre este cidadão são limitadas. Foi o primeiro Juiz de Órfãos da então Vila de Maceió. Eleito em dezembro de 1816, tomou posse em 1º de janeiro de 1817. Além disso, sabe-se ainda que também foi o primeiro escrivão da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Maceió.

Por atravessar as terras do Reginaldo, o riacho ficou assim também conhecido, pelo menos no seu trecho mais próximo à foz. Da mesma forma, também ficou conhecido como Rego do Pitanga em outro trecho do seu percurso, próximo onde hoje está o bairro da Pitanguinha.

Suas águas em 1886 eram limpas o suficiente para o banho dos moradores do seu entorno, como registrou o Gutenberg de 3 de fevereiro ao denunciar um atentado ao decoro público, “o inqualificável abuso de banharem-se alguns moços no Riacho Maceió ao lado da ponte da empresa da navegação das lagoas. Anteontem, pelas 5 horas da tarde, três rapagões, completamente despidos, faziam exercícios de natação naquele riacho, causando o maior escândalo às famílias que por ali passeavam”.

Uma informação de abril do ano seguinte revela que a quantidade de água no Riacho, em períodos de seca, era tão pouca que sua barra chegava a fechar. Quando as primeiras chuvas caíam, tinha-se inundações até que a Intendência mandasse abrir o acesso ao mar, na Praia do Sobral.

Salgadinho

Depois da mudança do seu curso em 1948, seu trajeto final passou a ser conhecido como Salgadinho, provavelmente por receber água do mar na maré cheia. Essa derivação do riacho foi proposta a primeira vez pelo governador Gabino Besouro em 1893.

Considerado como o desaguador da principal bacia urbana da cidade de Maceió, o riacho percorre 17 bairros e passou a receber destes não mais somente as águas das chuvas, mas principalmente as águas provenientes dos vasos sanitários, chuveiros, lavatórios de banheiro, banheiras, tanques, máquinas de lavar roupas, pias de cozinha e lavagem de automóveis.

Lavadeiras de roupa no Riacho Reginaldo na altura do Poço

O seu vale, abandonado pelo poder público, foi aos poucos sendo ocupada por habitações predominantemente da população de baixa renda.

O processo de extinção do Riacho do Reginaldo, entretanto, começou muito antes, como registrou Octávio Brandão no seu livro Canais e Lagoas, escrito entre 1916 e 1917.

Ele se referia ao Riacho Reginaldo como “um rio infante com as graves mazelas dos rios velhos”, denunciando como causa dos seus males o corte das matas. Também já informava que “a mata de sucupiras da margem esquerda” havia sido substituída por casebres.

Mesmo assim, anos depois das suas primeiras degradações, Moreno Brandão descreve o vale do Reginaldo como um lugar aprazível. O testemunho está na Monografia do Município de Maceió publicada no Boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 1929.

“Prolongamento do Poço é o Reginaldo, assim denominado por ter sido outrora sítio de Reginaldo Correia de Mello, que também deu nome ao modesto riacho.

O vale por onde deflui este riozinho insignificante, serpeando turvo e barrento, formando curvas, ziguezagueando, é obscurecido por verdejantes outeiros, donde se insurge crespa vegetação, que parece ir caindo das alturas das ladeiras sobre o terreno avermelhado.

Depois das ravinas aclives e circunjacentes é que a lhanura do solo fendido pelo rio, filete escassíssimo d’água, se desdobra.

Detalhes das escadarias do Riacho Reginaldo na Praça Sinimbu

Apresenta ele nesse trecho um panorama faustoso em que pompeiam triunfalmente, na penumbra continua, as folhas vilosas e agressivas e as flores agrestes, bizarras, odorantes e policromas.

Reinam dentro das lindes dessa nesga singular de terra contrastes frisantes: aqui mostra longos renques de palmeiras alterosas; acolá exibe a purpura das bromélias sangrentas; mais além patenteia o estendal velutineo dos capinzais ou entrançado de árvores donde pendem festões de lianas e cipós.

Ao nascente, ao norte, ao sul, ao ocaso, mares de verdura oscilam aos sopros dos ventos, que vergam frondes, agitam palmas e fazem oscilar cladódios espinescentes. Ao frêmito voluptuoso desses ventos se enruga, tremulando, a caudal mesquinha do rio, a cujas margens lavadeiras tagarelam ruidosamente.

Trepadeiras se enlaçam, em constrições violentas, nas cercas, velando-as quase de todo, esmaltando-as de flores.

E no subúrbio tranquilo vagos murmúrios, gorjeios, vozes brandas e confusas, zumbidos morrem dentro do círculo esmeraldino de coles, que projetam silhuetas desconformes no tabuleiro do terreno. Neste reina a sombra, aquietando, miraculosa, a vibratilidade dos nervos.

Ponte do Salgadinho destruída pela tromba d’água de 1949

O Reginaldo é o domínio da penumbra em retesia com a luz, que tenta revestir o seu arvoredo agressivo, insinuar-se nas lapas traiçoeiras, dando relevo a corpos apagados e indistintos e aclarando os outros verde-negros, onde se acoitam lezardos sonolentos.

Daí o patentear um aspecto imutável de serenidade e um feitiço que ainda poderia fazer vibrar a musa virginiana enlevada com os ancenúbios do firmamento, que se recurva sobre o vale sinuoso, ou com as formas revestidas por este em manhãs de verão, em meios-dias nostálgico, em horas melancólicas de tardes saudosas.

Tudo naqueles sítios obedece a um ritmo que lentamente hipnotiza. Entre deslumbramentos passa o visitante fascinado, que nessa galeria caprichosa penetra, ou pelos pórticos em declive que flanqueiam voragem ou pelos caminhos que se tapizam de areias pedregosas.

Mas, ao chegar à nave dessa construção ciclópica e em ruínas, onde a natureza nos apresenta em combinações fortuitas todos os encantos de suas opulentas decorações estampadas aos recortes da folhagem, nas curvas mulheris do solo, parece que nos vemos transportados a um segmento ebusino da Arcadia, com os seus velhos cultos e com a sua vida pastoril, que a música das lendas torna encantadora”.

O riacho também fez história por canalizar grandes quantidades de água das chuvas nos períodos invernosos, provocando cheias e destruições por onde passava.

Na famosa Cheia de 1924, uma verdadeira “tromba d’água” desceu o Reginaldo destruindo pontes, entre elas a dos Fonsecas na Praça Sinimbu.

Em 1949, em fenômeno semelhante, mas já com o novo curso, foi a vez da Ponte da Avenida vir abaixo.

Atualmente existem estudos e projetos com o objetivo de recuperar o famoso riacho de Maceió. Já há, inclusive, investimentos realizados, principalmente em pontes e moradias, mas as dificuldades são imensas quando se pensa em tirá-lo da função de “canal de saneamento” de vários bairros da capital, com o agravante de despejar seus resíduos na bela e sofrida Praia da Avenida.

7 Comments on Riacho Reginaldo, o Salgadinho de Maceió

  1. Joaquim Santana // 31 de julho de 2018 em 11:30 //

    è um absurdo o que fizeram neste tempo com Salgadinho, mais também tem falta de vontade de resolver o problema pelos nossos prefeitos e ou governadores que passaram nos últimos anos, sua limpeza, é uma questão de querer fazer;

  2. Silvana Barros // 1 de agosto de 2018 em 07:50 //

    Faço minhas as palavras do Sr. Joaquim Santana e ainda destaco: Falta interesse dos Governantes para resolver isso! Solução existe falta querer!

  3. Pela falta de estrutura na rede de esgotos de Maceió que é uma das mais precárias do Brasil, deve-se levar décadas até conseguirem revitalizar o velho riacho. Sou alagoano e sempre acreditei que o Salgadinho não passava de um grandes esgotão. Nunca imaginei que aquilo um dia havia tido água salubre.

  4. Manoel Maia Nobre // 8 de maio de 2021 em 10:51 //

    Pescávamos pequenos peixes no Reginaldo ainda no final década de 60 há trezentos metros à montante da atual ponte/viaduto da avenida Leste/Oeste (rodoviária “nova”). A degradação acentuada se deu a partir de meados da década de 70. A forte migração rural da zona da Mata para Maceió e crescimento urbano foram muito mais intensos que a capacidade de planejamento e ordenamento urbanos. Até hoje, lidamos com péssimas consequências e muito pouco tem sido feito a não ser “tomada de consciência” e “planejamentos inócuos”. Só se pensa no transporte individual e no “salve-se quem puder”. Muita politicagem e pouco senso de responsabilidades.

  5. O Riacho Salgadinho tem jeito! É tudo uma questão de vontade! Atravessando uma área nobre da cidade deveria ter uma atenção maior do poder público! Quere-lo com suas águas límpidas e transparentes como as em que D.Pedro II e a Imperatriz se banharam quando de sua visita a cidade é quase impossível. Um trabalho de mitigação no entanto pode ser feito! Para essa providência mitigatoria seria necessário necessário fazer: colocar uma grade de retenção para segurar os resíduos maiores que passassem pela antiga Rodoviária; na sequência seria feita uma pequena estação de tratamento de modo que suas águas ao desaguar no mar da Avenida da Paz estivessem relativamente limpas; um serviço de dragagem de seu leito a partir daí; uma ou duas pequenas barragens, eclusas para manter a lâmina d’água constante; um ajardinamento de suas duas margens com plantação de papoulas, espirradeiras , buganvilles, lhe dariam um aspecto e colorido especial; recuperação de suas duas pistas de rolamento, da iluminação, o somatório de tudo isso não teria um custo inacessível para Prefeitura. O que falta é cidadania da população e vontade política da Administração municipal!

  6. O rio Senna corta ao meio à bela Paris, em Maceió, o Riacho Salgadinho.

  7. Marlete Patriota de Carvalho // 13 de fevereiro de 2022 em 18:19 //

    Eu sou oitentona e tomara, ainda possa ver a lindeza do Salgadinho, como eu a via na minha infância. Uns belos marcos para se colocar na Praia da Avenida serão uma “Grande Jangada” e uma “Grande Carroça” símbolos tão alagoanos.
    Ahh… se isto puder ver visto pelo nosso querido prefeito….

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