Rholine Sonde, o último preso político da Ditadura Militar
Filho de Antônio Augusto da Silva e Maria Cavalcante Silva, Rholine Sonde Cavalcante Silva nasceu em Maceió no dia 4 de janeiro de 1945. Tinha sete irmãos e irmãs: Luzdeter, Copernico, Chryzogono, Kepler, Norlia, Orlia e Miluzes.
Iniciou sua militância política no movimento estudantil no antigo Colégio Estadual de Alagoas, vindo a participar do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Sua primeira prisão ocorreu no dia 16 de maio de 1963 durante uma panfletagem noturna no Parque Industrial de Saúde, em Maceió. Foi processado e recolhido à Penitenciária no dia seguinte, onde permaneceu por poucos dias.
Segundo consta em sua ficha do DOPSE/AL, “fazia um movimento subversivo, incitando as massas operárias contra os empregadores“. Fazia circular no local livros, folhetos e um relatório da convenção nacional do PCB e dizia-se a serviço do Sindicato Rural Meeiro e Rendeiro.
Também participou ativamente da convocação do famoso Comício da Fome, que aconteceu no dia 7 de agosto de 1963 no Parque Rodolfo Lins (Praça do Pirulito). Tomou parte ainda da Greve dos Combustíveis e manifestou-se publicamente contra a decisão do governador Luiz Cavalcante em proibir o ato de 29 de março de 1964.
Foi preso durante o Golpe Militar de 1964 e indiciado em Inquérito Policial Militar. Posto em liberdade, foi morar em Recife, onde rompeu com o PCB e filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR.
No início de dezembro de 1969, deixou o PCBR e aderiu à Aliança Libertadora Nacional (ALN), também organizadora de várias ações armadas em Pernambuco. Com ele foram Luciano Almeida, Teresa Vilaça, Grivaldo Tenório e Maurício Anísio.
No dia 31 de março de 1970 foi detido novamente. Seu codinome era “Sérgio“. Contra ele existiam as acusações de ser assaltante de banco e de empresas para financiar o movimento armado de resistência à Ditadura Militar.
Foi acusado de ser um dos responsáveis (os outros foram Carlos Alberto Soares e Luciano de Almeida) por atirar uma bomba no palanque (23h de sábado, 6 de setembro de 1969) onde estariam as autoridades no dia seguinte, durante o desfile de 7 de setembro e de estar envolvido no assalto à Empresa Souza Cruz em Olinda, quando morreu o gerente do depósito Nilson José de Oliveira.
No primeiro julgamento, foi condenado à pena de morte, sendo um dos poucos brasileiros a receber esse tipo de condenação. Durante o processo, sua pena foi comutada para prisão perpétua e depois conseguiu reduções que encurtaram sua pena para 19 anos de prisão.
Cumpriu 9 anos, dez meses e quinze dias de cadeia em Pernambuco, na Ilha de Itamaracá. Conseguiu liberdade provisória sem ser anistiado, benefício somente alcançado oficialmente em 2008. Foi o último preso político a deixar a prisão no Brasil após a ditadura militar.
Ele e Luciano Almeida iniciaram uma greve de fome em 20 de dezembro de 1979. Denunciavam a morosidade da Justiça no cumprimento da decisão que os colocava em liberdade. Tinha conseguido liberdade condicional com o juiz Theódulo Miranda, da Justiça Militar de Recife, mas o promotor público José Nunes Silva entrou com recurso de estrito senso contra a deste juiz-auditor. Aguardava-se o retorno das atividades do Supremo Tribunal Federal, em 2 de fevereiro de 1980, para o julgamento do recurso.
Nesse episódio, o presidente em exercício da OAB, José Paulo Pertence, chegou a se reunir com o ministro da Justiça, Ibraim Abi-Ackel, que prometeu seu envolvimento na solução do caso.
Conquistou a liberdade em 13 de fevereiro de 1980. Voltou a Maceió no dia seguinte e foi recebido com festa na casa de sua família, na antiga Rua do Sopapo, nº 328, atual Rua Miguel Omena, no Prado.
Era casado com a engenheira civil Fátima Torres, com quem teve três filhos.
Faleceu em 25 de novembro de 1995, vítima de acidente automobilístico na esquina da Av. Comendador Leão. Um motorista embriagado avançou o sinal vermelho e atingiu o automóvel onde estava Rholine Sonde. Nessa época trabalhava na área administrativa de uma imobiliária.
Entrevista
Em entrevista ao Jornal da República, que foi publicada no dia 30 de agosto de 1979, Rholine estava preso na Penitenciária Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, no litoral de Pernambuco e cumpria a pena que terminaria em 20 de maio de 2003.
A seguir a entrevista concedida ao repórter Ricardo Ribeiro de Carvalho:
Jornal – Aceitaria o indulto que o governo pretende conceder?
Rholine – Não. Nossa atividade foi sempre uma atividade política e não temos porque aceitar instrumentos que não correspondem a esse caráter político da atividade. O recurso ocasional à violência nela compreendido — e alegado pelo governo como causa da nossa exclusão da anistia capenga que concedeu — foi o uso de um direito garantido a todo o cidadão na luta contra as tiranias. Na verdade, ao acenar com o indulto, o governo tenta esvaziar o movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita. Mas, se depender dos presos políticos brasileiros — que já se manifestaram expressamente em vários documentos — ele terá que arranjar outro mecanismo. Este do indulto, repelimos com energia, ainda que isso signifique alguns anos a mais de cárcere.
Jornal – Que tipo de crítica faria à ação do movimento desenvolvido à época de prisão?
Rholine – Criticaria seu caráter eminentemente pequeno-burguês — tanto nos métodos, quanto nas proporções — seu imediatismo, sua falta de embasamento teórico e consequentemente distanciamento da realidade brasileira. São fatores interligados. A grosso modo, podemos dizer que fomos uma reação ao acúmulo de erros que a esquerda brasileira vem carregando ao longo de sua história. Mas reação explosiva, incontida, que acabou se transformando também naquilo contra o que se estava reagindo. A despeito disso, não se pode subestimar a contribuição dada num momento em que refluíram todas as alternativas de atuação. A apresentação na prática de uma perspectiva de revolução popular — se bem que respaldada num erro básico de avaliação do nível real do movimento de massas — questionou a impunidade do poder e demonstrou ser possível achar formas de enfrentá-lo em qualquer situação.
Jornal – Solto, que tipo de atuação política pretende desenvolver?
Rholine – Meu futuro imediato ainda se encontra circunscritos pelas grades. Não tenho assim muita clareza quanto ao que possa fazer pessoalmente quando solto. Uma coisa porém é certa: estarei sempre ao lado dos que estejam batalhando por um aprofundamento das conquistas democráticas num sentido popular.
Jornal – Que tipo de luta política deve desenvolver a oposição para sensibilizar os segmentos mais representativos da sociedade brasileira?
Rholine – Fortalecer os mecanismos independentes da oposição popular. Trata-se de engrossar as fileiras dos movimentos surgidos naturalmente nos combates travados contra a ditadura, tais como os núcleos de anistia, os centros de defesa dos direitos humanos. O já citado Movimento contra o Custo de Vida, os sindicatos autênticos, etc. O que se tem que deixar claro é que o centro dessa luta não é o Parlamento — embora possamos admitir sua interligação como tribuna de denúncias.
Jornal – Como descreveria a experiência que teve nos cárceres? Foi torturado? O que aconteceu?
Rholine – A experiência com a tortura é antes de tudo uma experiência trágica. O torturador é o homem despojado de sua essência humana, reduzido a uma condição meramente animal. Quando um tipo assim passa a ser peça-chave na engrenagem política-militar destinada a defender a ordem estabelecida, é que o sistema todo está podre, corroído por uma mentalidade exclusivamente destrutiva.
Pessoalmente, estava despreparado ideologicamente para um enfrentamento desse tipo. Esperava muito mais a morte que a prisão. Resisti quando a polícia cercou a casa onde estava. Um companheiro que se encontrava comigo (Maurício Anízio de Araújo) rompeu o cerco sendo ferido no peito e na coxa algumas ruas mais adiante. Eu fiquei na casa, dando cobertura à fuga, ocasião em que saiu ferido um policial e fui violentamente espancado por outro. Lascaram-me a cabeça a coronhadas de revólver. Mas não fui torturado. Na época, aqui no Estado, as torturas dependiam de estrutura muito mais primária e artesanal que a montada posteriormente através do DOI-CODI no QG do IV Exército. As sequelas das torturas não se esgotam no momento em que se realizam. As concessões feitas vão atuar permanentemente no sentido de uma destruição não apenas física, mas moral. O combate que então se trava para vender caro a derrota é realmente dilacerador. Apesar disso, a tortura é um profundo teste de conhecimento de nossa força real. Ali estamos nus. E não podemos recorrer às capas com que procuramos, às vezes, embelezar a imagem que fazemos de nós mesmos.
Jornal – E o governo Figueiredo? Acredita no seu modelo político?
Rholine – Nossa preocupação é sempre a de destacar soluções globais para a sociedade brasileira. O que se coloca diante de todos nós é a sua transformação revolucionária. Não acreditamos que possa haver modelo satisfatório dentro de uma estrutura econômico-social a serviço do capital financeiro e da burguesia ligada aos monopólios internacionais no Brasil.
Figueiredo encaminha um governo de transição — ninguém sabe ainda bem para onde. Promove algumas aberturas. O de Médici foi o governo mais reacionário, obscurantista e ditatorial de nossa história recente. Mas Figueiredo era o chefe da Casa Militar desse governo, de toda repressão no governo Geisel. Isso vem comprovar a correção de uma noção elementar do marxismo: não são os homens individualmente que respondem pelos destinos das nações: são os interesses econômicos-sociais sobre os quais eles estejam atuando.
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