Quem foi o Cabo Reis que deu nome a uma rua de Maceió?
No início do século XX, essa rua era citada como a Estrada do Félix Bandeira, tendo início à margem da Lagoa Mundaú, após a Rua 15 de Março (atual Cícero Torres), com acesso ao antigo Sítio Félix Bandeira, já então denominado de Sítio Vergel do Lago.
Depois passou a ser a Rua da Palha e no início dos anos 30 foi denominada como Rua Cabo Reis. Duas décadas depois o professor Lavenère escreveu no Jornal de Alagoas, em 18 de novembro de 1953, que uma senhora lhe declarara ter sido amiga do Cabo Reis e que ele era do 20º Batalhão de Caçadores e morrera afogado no Sobral.
A pesquisa que ora apresentamos aponta em outra direção.
Os 18 do Forte de Copacabana
No início da década de 1920, surgiu um amplo movimento político com base na classe média urbana, principalmente entre seus representantes distribuídos na baixa e média patente do Exército Brasileiro. Era o início do Tenentismo.
Suas principais reivindicações se conflitavam com poder oligárquico tradicional, que se sustentava principalmente a partir de São Paulo e Minas Gerais. Cobravam a instituição do voto secreto — fim do voto de cabresto — e a reforma na educação brasileira.
O centro irradiador destas insatisfações era o Clube Militar no Rio de Janeiro.
Com a eleição de Arthur Bernardes em 1º de março de 1922, surgiram as reações à sua posse — que ocorreu em novembro — com uma campanha exigindo a investigação de possíveis fraudes eleitorais. Os tenentes tinham apoiado Nilo Peçanha, candidato da Reação Republicana.
Foi nesse clima de turbulência política que ocorreu o episódio envolvendo o marechal Hermes da Fonseca nas eleições pernambucanas e a sua consequente prisão e afastamento da presidência do Clube Militar.
Essa detenção foi o estopim da revolta que mobilizou os efetivos da Vila Militar a partir da noite de 4 de julho de 1922.
O levante se espalhou para a Escola Militar do Realengo, no Forte do Vigia, situado no bairro do Leme, e para o Forte de Copacabana, onde teve a participação do capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do marechal Hermes da Fonseca, dos tenentes Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Newton Prado e Mário Carpenter.
Os rebeldes do forte, que contavam com 301 militares, passaram a bombardear vários objetivos militares, entre eles o Quartel General e o Arsenal de Marinha, forçando a transferência do comando militar e do Ministério da Guerra.
Após alguns combates, as forças governistas conseguiram conter os focos da rebelião, com exceção do Forte de Copacabana.
Ainda no dia 5 de julho, percebendo que o movimento estava sendo derrotado, o capitão Euclides Hermes da Fonseca permitiu aos combatentes, que assim desejassem, que abandonassem o forte. Saíram cerca de 270 homens.
Pouco depois das 11h do dia 6, tentando negociar o fim da crise, Euclides deixou o forte e procurou o ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, para estabelecer conversações. Foi preso por ordem do presidente da República Epitácio Pessoa.
Como sabia que existia essa possibilidade, antes de partir para o encontro, Euclides deixou instruções para o seu substituto no comando, tenente Siqueira Campos. Orientou que se ele não voltasse em duas horas, que bombardeassem a cidade. Já detido, Euclides, voltou atrás e solicitou a Siqueira Campos que não executasse o bombardeio.
O presidente Epitácio Pessoa exigia a rendição incondicional. Siqueira Campos, que também tentava negociar, não gostou e rompeu as conversações. Foi então ordenado o cerco do Forte por terra, mar e ar. Siqueira Campos quis reagir e apresentou para os colegas a proposta de explodir o paiol de pólvora.
Eduardo Gomes não concordou e propôs a saída para a rua e travar o combate corpo a corpo com as forças do governo. A proposta foi aceita. Siqueira Campos dividiu em 18 pedaços a bandeira nacional e entregou um a cada combatente, guardando consigo um dos pedaços com a intenção de entregá-lo a Euclides Hermes da Fonseca. Com uma tesoura, Siqueira Campos cortou as passadeiras, onde se fixam nas fardas as identificações das graduações dos oficiais, e diz:
— Aqui não há oficiais nem praças! São todos homens! São todos iguais e tem palavra. Somos todos soldados rasos!
Às 13h, munidos de fuzis e revólveres, o pelotão heroico iniciou sua marcha pela Avenida Atlântica na praia de Copacabana. No trajeto, o civil Otávio Correia juntou-se aos rebeldes e recebeu deles armamento e o pedaço da bandeira separado para Euclides.
Sob a liderança dos tenentes Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Mário Carpenter e Newton Prado, o grupo com 18 combatentes enfrentou cinco companhias do 3° Regimento de Infantaria e uma do 1º Batalhão de Caçadores durante aproximadamente uma hora e 15 minutos.
Morreram em combate ou logo após no hospital Mário Carpenter, Newton Prado, José Pinto de Oliveira, Pedro Ferreira de Melo e o civil Otávio Correia. Foram feridos, Siqueira Campos, Eduardo Gomes e o Cabo Reis, entre outros.
O episódio entrou para a história como “Os 18 do Forte”.
O Cabo Reis
Sabe-se muito pouco sobre a história do alagoano Manoel Antônio dos Reis. O que se conhece deve-se principalmente à pesquisa de Isabel Lopez Aragão para sua dissertação de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em “Da caserna ao cárcere – uma identidade militar-rebelde construída na adversidade, nas prisões (1922-1930)”, ela revela que suas principais fontes sobre o Cabo Reis foram o jornal A Esquerda, edição de 11 de julho de 1927, e o texto de uma conferência realizada na Sociedade dos Homens de Letras do Brasil, em 28 de abril de 1954, pelo general de divisão Henrique Cunha, que conviveu com aquele militar.
O jornal carioca A Esquerda foi um diário fundado em 6 de julho de 1927 pelo alagoano, de Viçosa, Pedro Mota Lima, e extinto em agosto de 1933. Embora não fosse um porta-voz oficial do Partido Comunista do Brasil (PCB), expressava seus princípios.
Até 1921, Manoel Antônio dos Reis era o soldado corneteiro da Fortaleza de São João, no Rio de Janeiro. Tinha sido designado para a função de Cabo de Compras (assim ficou conhecido como Cabo Reis), mas não estava satisfeito em ali destacar. Falou então com o tenente Henrique Cunha, com quem havia servido, e pediu ajuda para ser transferido. Henrique Cunha transmitiu a solicitação ao também tenente Siqueira Campos e este ao capitão Euclides Hermes da Fonseca, que comandava o Forte de Copacabana. Sabendo que em breve teria algumas baixas e precisaria de um corneteiro na 1ª Bateria de Artilharia Isolada, o capitão conseguiu a transferência do soldado no fim de maio de 1922, oito dias antes da revolta.
Ferido por fogo amigo
No meio da tarde de 6 de julho de 1922, com a revolta já sufocada, o presidente Epitácio Pessoa percorreu os locais do conflito e também visitou os feridos no Hospital São João Batista da Lagoa. Segundo o Diário de Pernambuco de 19 de julho de 1922, o presidente lá encontrou o Cabo Reis, que havia sido ferido no braço. Conversaram rapidamente e assim soube que ele tinha sido atingido por seu comandante, o paulista de 24 anos 1º tenente Siqueira Campos:
“Não pertencia a guarnição de Copacabana há muito tempo. Para ali, fui transferido em dias da semana passada. E o ‘seu tenente’ não me dispensava a sua confiança. Na noite de terça-feira, ao perceber que se passava alguma coisa anormal, procurei fugir, porém fui impedido à porta pelo sargento comandante da guarda. Esse fato, naturalmente, reforçou as suas suspeitas contra a minha pessoa. Não me prenderam, mas, à distância passaram a vigiar-me. Hoje à tarde, ao travar o tiroteio à esquina da rua Barroso, o chefe, desconfiado com um gesto meu, feriu-me com sua “Parabellum”. Abandonaram-me à retirada e fui recolhido pela ambulância que me conduziu para aqui”.
Perguntado se estava arrependido, respondeu:
“Estou e não estou. Estou, porque não desejava tomar parte no movimento, e não estou porque eles combateram como heróis…”.
— Heróis? —, foi contestado por alguém da comitiva do presidente.
“Heróis, sim. Antes de abandonarmos o forte, cortamos o pavilhão nacional em tantos pedaços quantos éramos. Éramos 28 e 28 com um retalho da bandeira ao peito, descemos para enfrentar as forças…
— As forças legais —, corrigiram.
— Mas, uma vez perdidos por um, perdido por muitos… — justificou o militar.
Prisão e Morte
Após um breve período de tratamento no Hospital Central do Exército, o Cabo Reis foi preso e condenado em 23 de dezembro de 1923. Como vários outros, foi enquadrado propositalmente no artigo 107 do Código Penal Civil, com pena superior a dois anos. A Constituição da República estabelecia que os militares de terra e mar perderiam as suas patentes quando condenados à pena de prisão por tempo superior a dois anos. Na cadeia ficavam impossibilitados de reintegração. Assim, a Justiça Militar, logo após a manifestação da Justiça Civil, antecipava a condenação por crime de deserção e eram expulsos.
Após padecer por vários anos em prisões infectas, em dezembro de 1926 — já no início do governo de Washington Luís — o Cabo Reis conquistou sua liberdade graças à interferência da senhora Jenny Gomes, mãe do tenente Eduardo Gomes, que também foi posto em liberdade nesse mesmo período.
Reis era um homem alquebrado e doente. Mesmo assim procurou trabalho para sustentar a esposa e dois filhos — casou quando ainda estava preso. Conseguiu um emprego no Correio da Manhã, permitindo-lhe viver modestamente, morando no subúrbio.
Uma das moléstias contraídas na prisão impediram-no de continuar a trabalhar. Muito doente, voltou a Alagoas, mas não conseguiu se estabelecer. Retornou então ao Rio de Janeiro.
Tuberculoso foi recolhido ao hospital da Gamboa e depois ao Hospital São Sebastião, onde faleceu no dia 27 de junho de 1927.
Foi enterrado no Cemitério de São Francisco Xavier (Cemitério do Caju). Sabe-se disso porque o Jornal do Commercio (RJ), edição de 3 de novembro de 1928, publicou a seguinte nota:
“O General Luiz Carlos Prestes, um dos implicados no movimento de rebelião, mandou renovar três sepulturas no [Cemitério de] São Francisco Xavier. São as sepulturas ns. 82.138, do ex-cabo Manoel Antônio Reis; 87.398 e 87.399 de dois soldados desconhecidos”.
Rua Cabo Reis
No dia 5 de julho de 1931, ao chegar ao poder com o apoio fundamental dos Tenentistas, Getúlio Vargas resolveu homenageá-los em todo o Brasil e mandou promover, no dia 5 de julho de 1931, atos de exaltação ao feito de 1922 e de 1924. O mais importante deles aconteceu no Rio de Janeiro, com várias cerimônias cívicas, incluindo romarias aos túmulos dos “heróis das duas rebeldias”.
Entre as homenagens, houve a alteração na denominação de várias ruas no Rio de Janeiro, por determinação do Decreto nº 3.564, de 4 de julho de 1931. Em Ramos, a Rua Limeira passou a ser a Rua Cabo Reis, o corneteiro do forte.
Essas homenagens se repetiram por vários anos. Em 1933, por exemplo, na visita ao Cemitério de São Francisco Xavier, as autoridades cobriram de flores os túmulos do general Xavier de Brito, onde falou o sr. Getúlio de Moura, e do Cabo Reis, que foi homenageado pelo dr. Norberto dos Santos.
Não se tem a data da mudança da Rua da Palha para Rua Cabo Reis em Maceió, mas é de se esperar que isso aconteceu nesse mesmo período, por ato de algum dos primeiros interventores. Em 5 de julho de 1931, Alagoas era governada por Hermilo de Freitas Melro. Outra homenagem ao revoltosos de 1922 foi a denominação da praça localizada nos fundos da Recebedoria Central em Jaraguá, atualmente o MISA, de Praça 18 do Forte de Copacabana., onde está a estátua da Liberdade.
Parabéns, prezado Ticianeli, pela publicação desta magnífica matéria.
interessante ler novamente.