Quando o técnico Felipão encarou o usineiro João Lyra no CSA
Luiz Felipe Scolari iniciou sua carreira como treinador de futebol em janeiro de 1982 no CSA
Edberto Ticianeli
Quando o gaúcho de Passo Fundo Luiz Felipe Scolari chegou a Maceió para se incorporar ao time do CSA, no final de julho de 1981, já era um profissional que se preparava para pendurar as chuteiras. Aos 33 anos idade — nasceu em 9 de novembro de 1948 —, tinha vínculo com o Juventude, em Caxias, mas estava proibido de treinar por desentendimento com o treinador, situação que o tinha levado a pensar em encerrar sua carreira.
Como atleta de futebol, começou nas categorias de base do Aimoré em 1966, depois no Caxias, entre 1973 e 1979. Transferiu-se para Juventude e em 1981 foi cedido ao Novo Hamburgo por pouco tempo.
Quem conseguiu incentivá-lo a continuar jogando foi o amigo Walmir Louruz, também gaúcho e de vitoriosa passagem pelo Juventude. A outra motivação foi a oferta do clube alagoano, irrecusável para ele: até o fim do ano de 1981 ele faturaria Cr$ 700 mil entre aluguel do passe, luvas e salários (na época, um Volkswagen Fusca custava Cr$ 12 mil).
Campeão alagoano
Comandado pelo mesmo Walmir Louruz, Luiz Felipe Scolari estreou no domingo, 2 de agosto de 1981, no Estádio Rei Pelé. A vitória do CSA sobre o Penedense por 2×1 já era parte do 2º Turno do Campeonato Alagoano.
O CSA atuou com Zé Luiz; Flávio, Luiz Felipe, Jerônimo e Zezinho; Veiga, Ney (Jorginho) e Rommel; Jacozinho (Dentinho), Freitas e Mug.
Nos meses seguintes Scolari ajudou o CSA a vencer mais 18 partidas. Empatou três vezes com o rival CRB e sofreu apenas uma derrota, para o ASA, quando já tinha conquistado o título por antecipação.
Surge o técnico Felipão
Três dias após erguer a taça em Maceió, Luiz Felipe já estava de volta à Caxias, no Rio Grande do Sul, onde revelou que tinha recebido boa proposta para continuar como jogador do CSA e disputar a Taça de Ouro, o Campeonato Brasileiro de Futebol da Primeira Divisão.
No dia 5 de dezembro, o jornalista gaúcho Guiomar Chies, que o entrevistou em Caxias, descreveu a sua participação no campeonato alagoano: “todos o definiam como vovô. Era velho e não servia. Felipe ouvia as críticas e nada dizia. Apenas trabalhava. Sozinho, às vezes. A partir do primeiro clássico, Felipe se firmou. Limpou a área. Chutava até a sombra. Ganhou respeito e se tornou um dos melhores jogadores do certame. Agora todos querem ele de volta no CSA para a temporada que vem”.
Dias depois (16), deixou vazar para outro jornalista, José Domingos Susin, que estava indeciso sobre aceitar voltar ao CSA. Preferia abandonar as chuteiras definitivamente “para se dedicar à carreira de treinador, coisa que ele gostaria de ser no futuro”. Nesse período, rejeitou vários convites para ser o preparador físico do Caxias.
No dia 5 de janeiro de 1982, os jornais do Rio Grande do Sul já anunciavam que Luiz Felipe Scolari tinha acertado sua volta a Alagoas como técnico, substituindo Walmir Louruz no CSA, que preferia ficar em Caxias acompanhando a esposa doente.
O clube alagoano era então dirigido pelo usineiro João Lyra — anunciou em dezembro de 1981 que era candidato a deputado federal pelo PDS mas aceitou ser suplente do senador Guilherme Palmeira — e por Augusto Farias. Foram eles que consultaram Walmir Louruz sobre a possibilidade de Scolari comandar a equipe. “Os dois me perguntaram o que eu achava do Luiz Felipe como técnico. Eu disse que seria uma boa. E foi assim que ele começou na profissão”.
Em entrevista à Folha, José Miguel dos Santos, o lateral-esquerdo Zezinho do CSA de 1982, confirma que foi o próprio João Lyra que convidou o Luiz Felipe, que “aceitou na hora. Naquela época, os jogadores eram muito inexperientes e ele teve trabalho para começar a orientar o time”.
Cláudio Farias, que foi diretor de futebol do CSA, destacou para o jornal paulista que “o espírito de liderança foi fundamental para a escolha dele”. Essa característica também foi realçada por outros jogadores de 1981, que lembram do Scolari em campo sempre conversando com os mais novos e orientando sobre as melhores posições e jogadas.
Lauthenay Perdigão, que acompanhou de perto a vida esportiva em Alagoas, também foi ouvido pela Folha: “Como técnico, o Luiz Felipe manteve a postura que tinha como jogador. Ele não mudou. Sempre foi esse mesmo personagem, durão e valente“. Foi assim que ganhou, ainda no CSA, o apelido de Felipão.
Desentendimentos com João Lyra
Após desembarcar em Maceió nos primeiros dias de janeiro de 1982, o novo técnico do CSA comandou, no campo do Mutange, seu primeiro treino na tarde da segunda-feira, dia 11 daquele mês, preparando o time para a primeira partida da Taça de Ouro, que aconteceu no dia 17, quando o Sport de Recife venceu o CSA por 2×1 no Estádio Rei Pelé, em Maceió.
O time base de 1982 tinha Joceli; Flávio (Jacozinho), Gerônimo, Ademir Gaúcho e Zezinho; Zé Carlos, Carlos Roberto e Ademir Mineiro (Félix); Mug, Américo e Dentinho.
Na sequência, o campeão alagoano de 1981 venceu o Itabaiana de Sergipe por 2×0 (24/01), foi derrotado pelo Fluminense do Rio de Janeiro por 2×0, empatou com a Inter de Limeira de São Paulo em 2×2 (31/01), com o Itabaiana de Sergipe em 0x0 (04/02) e com o Fluminense do Rio em 3×3 (07/02).
O primeiro desentendimento de Felipão com a direção do clube ocorreu no vestiário, em São Paulo, após o empate com a Inter de Limeira no dia 31 de janeiro. João Lyra entrou no local e começou a desacatar o ponteiro direito Mug. Na mesma hora, Felipão intercedeu e disse que não concordava com aquele tratamento a um atleta. Argumentou que o assunto era para ser abordado entre o jogador e o departamento técnico.
Dias depois, 7 de fevereiro, antes do jogo contra o Fluminense em Maceió, a direção do CSA tentou afastar três jogadores. Felipão não concordou com a imposição. João Lyra disse então que em caso de derrota a responsabilidade era dele. O treinador disse que respondia por seus atos. A partida terminou em 3×3, considerado um mau resultado pelos dirigentes.
O problema se agravou dias depois quando João Lyra disse que ele é quem iria escalar o time para a partida contra a Inter de Limeira, no dia 10 de fevereiro em Maceió, tirando todos os jogadores gaúchos. Felipão reagiu à altura, não aceitou e foi definitivamente afastado.
Voltou para Caxias e lá assumiu o comando do Juventude por duas vezes, do Brasil de Pelotas e do Pelotas. Seu reconhecimento como um bom treinador de futebol ocorreu quando foi para o Grêmio em 3 de junho de 1987, conquistando o campeonato gaúcho daquele ano.
Mesmo sem esquecer os entreveros que teve com a direção do CSA em 1982, Felipão faz questão de ressaltar os fortes vínculos que estabeleceu com o clube alagoano. Em 2018, quando o CSA caminhava para o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, Scolari mandou recado para o clube:
— Vocês continuam no meu coração. Nunca esqueço o título conquistado, o início da minha carreira como treinador e tudo que eu vivi aí em Maceió. Grande abraço, estamos sempre à disposição. Vou torcer mais ainda por vocês.
Encerrou a carreira de treinador de futebol no dia 13 de novembro de 2022. Sua última atuação foi dirigindo o Athletico paranaense contra o Botafogo pela 38ª rodada do Brasileirão. Permanece no clube como diretor técnico.
Muito grato, Ticianeli. Fraternal abraço, com votos de feliz semana. Claudio Ribeiro
Muito bom a história. Desconhecia a briga do Felipão com J. Lyra. Alegrou-me também ver o José Luís o maior goleiro que vi jogar em Alagoas. O sertanejo pegava tudo. Infelizmente se transferiu para o Vasco que tinha como titular, nada menos do que o goleiro argentino Andrade, e por isso teve poucas chances, até se machucar.