Professor Auryno Maciel e a Reforma Ortográfica de 1931
*Entrevista publicada originalmente no Semanário Ilustrado Novidade de 18 de abril de 1931.
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Novidade — Vamos às suas ideias gerais sobre a unificação da ortografia portuguesa.
Auryno Maciel — Não tenho ideias gerais sobre ortografia. Tenho esta ideia particular: a ortografia para ser direita mesmo, tem de ser simples.
As línguas nascem, crescem e morrem. Ainda mortas, bolem. Quando não bolem com a gente, a gente bole com elas. Por isso que têm vida, são objetos de ciência. A “lei do menor esforço” é em linguística, o que em zoologia é a “seleção natural”: a linguagem tende constantemente a realizar o seu fim da maneira mais simples. Por causa do menor esforço, palavras compridas ou locuções compostas se aglutinam ou se reduzem: metipsissimum — mesmo; Vossa Mercê — você; major gnatus — morgado; antenatus — enteado; caput bassum — cabisbaixo; az zohr (do árabe, dado de jogar) — azar; canis gallicus — galgo; cannis gothicus — gozo; murem coecum (rato cego) — morcego.
Conclusão: a simplificação ortográfica é uma fatalidade.
N — É então partidário da mutilação oficial de todos os ff e rr da língua portuguesa?
AM — A pergunta está, sem dúvida, engraçada. Mas, se se mutilarem em todos os ff e rr, não se poderá escrever ortografia onde há effe e erre.
Jornalista é uma raça danada.
É preciso ser bom entendedor para falar direito com essa nação.
Novidade quer que eu diga se sou ou não partidário da mutilação das letras germinadas inúteis.
Assim, sou.
N — E a seu ver, qual o melhor sistema de uniformização, o de Portugal ou o da Academia?
AM — Agrada-me mais o sistema português, porque é científico, não obstante as diferenciações da pronúncia normal brasileira que, num e noutro ponto, subverte as regras da fonética de Gonçalves Viana.
A Academia Brasileira, em assunto de ortografia, está desmoralizada. O acordo que ela acaba de firmar com a Academia de Sciencias de Lisboa, e que o Correio da Manhã não publicou em 10 de março último, é a quinta ou sexta opinião diferente que ela tem manifestado desde 1907.
O acordo tem as suas incongruências e deixa ainda muita coisa no ar: mas em síntese, é bem avisado e é grande parte do caminho andado para chegarmos, em ortografia, à desejada e lenta meta, como dizia o divino mondrongo.
N — E essa simplificação oficial virá mesmo remediar a nossa confusão ortográfica?
AM — A simplificação oficial, por decreto, viria terminar mais depressa a balbúrdia cacográfica. Mesmo que a ditadura decrete a “complicação” etimológica ou mista, o povo não escreverá mais phtisica, diphtongo, çapato, etc.
Novidade deve fazer logo nas suas colunas a simplificação por sua conta.
O Instituto Arqueológico está tratando do assunto. A Instrução Pública também.
Quem faz a língua é o povo. Dele é o uso. Lá vem a história de mestre Horácio: quem penes arbitrium est et jus et nomaloquendi. Foi o povo que inventou impeço e despeço, em vez de impido e despido, pensando que impedir, despedir, expedir, eram cognatos de pedir.
O governo deve decretar a simplificação da grafia, até por medida econômica. O dr. J. Gonzaga, advogado e escritor mineiro, fez uma estatística curiosíssima: contou o número de letras inúteis em cada página de um Diário Oficial da República, e verificou que a eliminação dessas letras traria uma diminuição anual de páginas no valor de mais de 1.000 contos de réis.
Será grande passo para a salvação do Brasil.
Para Alagoas é uma providência reclamada via western.
Foi aí que essas letras dobradas caíram ou foi só em 1943? Eu não sabia dessa reforma de 1931. Conhecia as de 1943 e 1971.
Billy, o Acordo Ortográfico de 1931 foi a base da Reforma Ortográfica de 1943. A culpa foi dos portugueses, que realizaram a primeira reforma ortográfica em 1911, só para eles. As ortografias de Portugal e Brasil ficaram diferentes. O acordo de 1931 foi o resultado dos trabalhos da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras. Passou a vigorar em 1940 em Portugal. Três anos depois, no Brasil. Na prática, “Acordo” passou a ser “Reforma” logo depois de 1931, sendo adotado por quase todos os escribas da época, antecipando o que determinaria sua oficialização em 1943. Abraços, amigo.
Parabéns, Ticianeli.
Que época linda onde os professores eram verdadeiros mestres. Hoje a classe não tem valor quase de nada.
Tempos de ouro e glória,o de outrora.