Professor Agnelo Barbosa e o histórico Colégio Quinze de Março
Agnelo Marques Barbosa nasceu no Pilar em 14 de dezembro de 1862 e faleceu em 3 de junho de 1936, na capital alagoana.
Pouco se sabe sobre a sua origem e a dos seus pais, mas o historiador Augusto Vaz Filho (Alagoanos Ilustres Vol. I) cita parte de um texto biográfico sobre Agnelo Barbosa publicado pelo prof. Odorico Maciel, onde revela informações importantes:
“Agnelo teve origem humilde, e a mocidade decorreu-se-lhe em caminhos sempre perturbados pelas trepidações e incertezas da vida cheia de agitações angustiantes para sua família. Ainda na idade infantil, sentira os efeitos trágicos da crueldade do destino, destroçando a felicidade do lar paterno. Em plena adolescência, com o pai subtraído ao convívio social, sofreu desgraça imensa de perdê-lo para sempre.”
Mesmo com sutilezas, o prof. Odorico Maciel revela que houve uma tragédia, que o pai foi preso e que faleceu quando privado da liberdade.
Mas quem era o seu pai e que crime cometeu?
Em uma relação de jovens habilitados para o serviço militar, publicada no jornal O Orbe de 17 de agosto de 1883, Agnelo Marques Barbosa é relacionado como tendo 20 anos e “filho de José Luiz Jorge, residente em Maceió, natural desta província, — solteiro”.
Uma pesquisa em jornais pernambucanos revelou que José Luiz Jorge, seu pai, no dia 21 de janeiro de 1864 matou sua mãe e sua irmã recém-nascida quando moravam no Pilar, em Alagoas. Foi condenado a “galés perpétua” [prisão perpétua com trabalhos forçados] pelo júri daquela vila em 27 de dezembro do mesmo ano.
Na sessão do Tribunal da Relação de Pernambuco de 23 de junho de 1865, o nome de José Luiz Jorge surge como apelado no capítulo das diligências sobre crimes. Na sessão de 5 de agosto do mesmo ano, seu nome está entre as apelações por crimes.
Sua última tentativa de conquistar a liberdade foi em 1875, quando implorou pelo perdão real e “não foi agraciado”, como informou o Diário de Pernambuco de 18 de novembro do mesmo ano.
Essas mesmas informações estão nos comentários do governador Silvestre Péricles, que, em 1947, foi acusado de mandar espancar o neto de Agnelo Barbosa, o jornalista e também professor Donizetti Calheiros.
Para desqualificar a vítima, Silvestre se referia a Donizetti Calheiros como um “tarado”, que “por suas bebedeiras” entrou em conflitos com apaniguados. “Ao que fui informado, esse cidadão vem de uma origem de criminosos: seu bisavô matou a esposa e o próprio filho e parece que morreu na cadeia cumprindo sentença e o pai do referido Donizetti [João Agnelo Marques Barbosa] era bêbado habitual”, agrediu Silvestre Péricles.
Em outras publicações, Silvestre detalhou que o pai de Agnelo Barbosa teria cometido os crimes por suspeitar de adultério e que Agnelo teria sido criado na cadeia pelo pai até a morte deste.
O professor
Não se sabe onde Agnelo estudou suas primeiras letras, mas sabe-se que foi aluno do Liceu Alagoano por ter, em 1882, participado o Club Literário José de Alencar, entidade daquela instituição de ensino. Foi indicado para ser o seu primeiro Diretor de Tesouraria.
Independente da sua formação, desenvolveu amplo domínio de várias línguas, principalmente o latim e o grego. Isso não era pouco considerando que as condições de ensino não eram as melhores, principalmente para quem enfrentava dificuldades financeiras.
Não se sabe se recebeu formação específica para o magistério, lembrando que o Curso Normal de Maceió, que funcionava anexo ao Liceu Alagoano, foi criado em 1869, mas somente recebeu status de Escola Normal pelo Decreto nº 601, de 11 de novembro de 1912.
O relatório da Instrução Pública e Particular da Província de Alagoas de 1876 (p.280), revela como era a preparação dos professores neste período: “A maneira que se preparam atualmente alunos mestres para a instrução pública primária é a mais irregular e inconveniente que se pode dar. Como sabeis, existe um só professor da escola normal para o sexo masculino, anexa ao Liceu, sendo o ensino de quase todas as matérias que constituem a instrução primária dado no mesmo Liceu pelos respectivos lentes”.
O quadro da Educação, como se percebe, não era dos melhores em meados do século XIX, o que enaltece Agnelo Barbosa por ter conseguido elevar seus conhecimentos em meio a tantas adversidades.
Considerando que em julho de 1884 assinou, ainda como estudante, uma nota de solidariedade ao professor Adriano Jorge, pode-se estimar que se submeteu às provas que o habilitaram para o magistério, na Delegacia Especial de Instrução Pública, no final daquele ano ou no início do próximo.
Antes de ingressar no magistério, já se destacava nos meios literários de Maceió, sendo um ativo organizador de associações voltadas para a cultura das letras.
Além do Club Literário José de Alencar, foi também fundador e primeiro presidente do Club Literário Casemiro de Abreu, que se instalou em 27 de abril de 1884.
Em 24 de agosto de 1884 esse clube realizou “a discussão da tese júri-histórica sobre o personagem francês Carlos XII. É promotor o estudante Virgílio Antonino de Carvalho e advogado o distinto professor Agnelo Marques Barbosa”, noticiou O Orbe daquele mesmo dia.
Há registros ainda de sua atuação nos palcos em uma comédia.
Externato Três de Fevereiro
O seu primeiro empreendimento educacional foi divulgado assim no jornal O Orbe de 26 de outubro de 1884: “Atenção. O abaixo assinado declara, que, de janeiro próximo em diante, tem aberto em sua residência à rua Pedro Paulino (antiga d’Alegria) um externato, onde se lecionarão as seguintes matérias — primeiras letras, português, francês, latim e aritmética. Maceió, 25 de outubro de 1884. — Agnelo Marques Barbosa”.
Como anunciado, no início do ano seguinte o Gutenberg de 5 de fevereiro de 1885 informava que havia entrado em funcionamento em Maceió o Externato Três de Fevereiro, “um pequeno estabelecimento de instrução primária e secundária para o sexo masculino” situado à Rua Pedro Paulino (Rua da Alegria).
Eram seus diretores: José Rozendo de Oliveira, Inocêncio Celso da Silva e Agnelo Marques Barbosa, avaliados como “moços inteligentes e habilitados por exames públicos ao desempenho de tão árdua missão”.
Em março deste mesmo ano, um anúncio indicava que o Externato estava funcionando na Rua São José, n°36 (em setembro este número era o 2), e, em outubro, José Rozendo não era mais diretor. Em dezembro o endereço da instituição era Rua Conselheiro Sinimbu (Rua do Comércio), n° 142.
No dia 18 de janeiro de 1887, Inocêncio Celso divulgou um comunicado informando que Agnelo Barbosa deixava a direção do Externato Três de Fevereiro.
Tipógrafo e professor, Inocêncio Celso da Silva faleceu em setembro de 1887. Ensinava primeiras letras, português, aritmética e geografia. Foi quando os jornais registraram pela última vez a existência do Externato Três de Fevereiro.
Colégio Quinze de Março
Fundado em 15 de março de um dos últimos anos da década de 1880 ou nos primeiros da década de 1890, o Quinze de Março se transformou rapidamente em uma das mais respeitadas instituições de ensino de Alagoas
Não se tem a informação sobre a sua primeira sede, mas em outubro de 1896 o Colégio anunciava que estava de mudança para a Rua 15 de Novembro (Rua do Sol) n°1 e em março de 1900 estava na Rua Nova, atual Rua Barão de Penedo.
Depois se estabeleceu no seu endereço mais conhecido, em um prédio na esquina da Rua do Açougue (Av. Moreira Lima) com a Rua da Alegria.
Defensor da mais rígida disciplina no ensino e movido pelo patriotismo, Agnelo Barbosa chegou a organizar entre os alunos do Quinze de Março um batalhão militar, que se destacava nos desfiles cívicos e militares em Maceió.
Considerado como um bom professor, sua dedicação ao ensino era reconhecida por todos. Quem circulasse pela Rua do Açougue após uma hora da madrugada, ainda o via pela janela corrigindo trabalhos à luz de velas. A energia elétrica era desligada em Maceió após determinada hora.
Segundo Félix de Lima Júnior, era um educador competente e severo disciplinador. “Não dava folga aos que fugiam das aulas para remar em jangadas de bananeira e tomar banho no Salgadinho, do oitão da Enfermaria Militar [atual CSM] até a praia do Sobral”.
Em um período da sua vida, foi trabalhar na Alagoas Railway, empresa que explorava os serviços de transportes ferroviários em Alagoas. Demorou pouco tempo por lá
Para o amigo Araújo Pinheiro, assim justificou o abandono do emprego: “Meu compadre, uma coisa oculta, íntima, me compele a não me deixar paralisar nessa burocracia estéril de cópia e soma. Eu sinto-me aqui como que peiado, acuado, amordaçado, chumbado, coagido… Só o ensino me satisfaz e conforta”.
Em 12 de janeiro de 1910 passou a direção do Colégio Quinze de Março para seu filho João Agnelo Marques Barbosa, que casou com Maria Octávia Calheiros Gomes em outubro do mesmo ano.
João era professor e bacharel em Direito, formado pela Faculdade de Recife, e ocupou interinamente o cargo de secretário da Academia de Ciências Comerciais de Alagoas. Faleceu precocemente no início de junho de 1923. Era o pai de Donizetti Calheiros.
Professor particular de português e funcionário público municipal, Donizetti Calheiros carregou por toda a vida a marca de um acidente que o fez perder uma das pernas quando ainda criança, além do trauma de ficar sem o pai e mãe muito cedo.
Em março de 1924, Agnelo Barbosa passou a direção do Colégio Quinze de Março ao professor João Palmeira.
O antigo prédio, que abrigou por décadas o histórico Colégio, foi atingido por um incêndio na noite de 1° de janeiro de 1934 e meses depois o que restou foi demolido.
Entre 1927 e 1931, Agnelo Barbosa foi diretor da Sucursal do Instituto Comercial do Rio de Janeiro em Maceió. O endereço era Avenida 1° de Março (Av. Moreira Lima), nº 62 e 64, sobrado.
Mesmo quando administrava o seu Colégio, mantinha-se como professor do Liceu Alagoano, onde foi lecionou o Grego. Assumiu a direção desta instituição em 6 de junho a 6 de julho de 1931, e de 14 de agosto a 19 de agosto de 1931.
Anos depois foi nomeado lente de Grego do Liceu Alagoano. Lá também ensinou Humanidades Clássica.
Segundo narrou Aminadab Valente a Félix Lima Júnior, em 1908, quando o Liceu Alagoano (considerada então uma instituição de fácil aprovação) recebeu “estudantes vadios e ignorantes” de todo o Nordeste para se submeterem a exames que os habilitavam aos cursos superiores — um escândalo nacional à época — Agnelo Barbosa mantinha-se firme nas suas exigências e, em determinada arguição, “apertava” um desses alunos no Grego.
Perguntava e nada ouvia como resposta. Perto de perder a paciência com o jovem nordestino, se aproximou dele e derramou o seu olhar mais severo sobre o rapaz. Para sua surpresa, ele se levantou e começou a recitar em voz alta o seguinte verso:
Ai! não me olhe com esse olhar tão terno,
Ai! Não me fites desse modo assim
Se eu não mereço o seu amor, Agnelo,
Contudo espero tua compaixão por mim…
“Agnelo, ante tanta presença de espírito e… falta de vergonha, riu, discretamente, e respondendo: Estou satisfeito. Pode retirar-se”, testemunhou Félix Lima Júnior.
O folião
Sua dedicação à cultura e ao ensino sob rígida disciplina, que o fazia ser reconhecido como um homem sério e de vastos conhecimentos, não o impedia de ser, durante o carnaval, um folião alegre e irreverente.
Num domingo de carnaval, fantasiado de matuto, com saco às costas, entrou na confeitaria A Helvética, na esquina ao lado da Igreja do Livramento, e anunciou que estava vendendo “trapaiada”.
“O Cel. Antônio Maurício da Rocha, rico comerciante de tecidos, caiu na asneira de interrogá-lo” e lhe perguntou o que era “trapaiada”. Segundo Félix Lima Júnior, ele abriu o saco “que estava cheio de chifres de bois, de cabra, de carneiro, de bode”, e deu “uma explicação que não pode ser aqui reproduzida…”.
Lima Júnior revelou que o professor pintava o diabo. “Já no fim da vida, aposentado, ainda escandalizou o governador Álvaro Paes, no carnaval de 1930, aparecendo, fantasiado de índio, num banho de mar, na Avenida Duque de Caxias”.
Contam que Agnelo Barbosa, certo ano, deixou-se amarrar, na madrugada do Sábado de Aleluia, num poste que havia na esquina do Colégio Quine de Março, como se fosse um Judas, rosto coberto com uma máscara, roupa velha, estragada, um chicote à mão. Quando os moleques avançaram para rasgar o Judas, ele meteu o chicote neles sem dó, nem piedade.
Quando faleceu em Maceió no dia 3 de junho de 1936, estava em plena atividade do magistério.
Em sua homenagem, a antiga Rua da Boa Esperança, no Prado, recebeu a denominação de Rua Agnelo Barbosa, da mesma forma que há Grupo Escolar com o seu nome.
Em uma lápide em forma de livro no seu mausoléu no Cemitério de São José, Trapiche da Barra, pode-se ler: “Gentis Alagoensis, in memoria vives, dum apu nos, insignis praeceptor, schola erit” (Mestre insigne, viverás na memória dos alagoanos, enquanto entre nós houver uma escola).
No Poço e frete a praça Sr. Do Bonfim, havia um grupo com o nome de professor Ângelo Barbosa.