Praça Deodoro e os monumentos em homenagem ao marechal alagoano

Praça Deodoro e o projeto de Rosalvo Ribeiro

Gilson Manoel de Arruda e Maria Michele de Souza Gomes*

Esse trabalho busca revelar a influência política na formação das nossas raízes, destacando a representatividade que um determinado indivíduo, por seus feitos, pode ter sobre seu povo. Tal personalidade passa a representar um símbolo, que fica associado a ele até a pós a sua morte, quando este reconhecimento adquire proporções maiores.

Estátua de Deodoro foi inspirada no quadro de Henrique Bernadelli. Foto de Gilson Arruda e Maria Michele

O estudo sobre as imagens dos monumentos e de outros equipamentos da Praça Marechal Deodoro revela uma série de acontecimentos com significados importantes para a cultura do povo alagoano e brasileiro.

A imagem de um monumento tem a função de transmitir as informações que circularam no seu entorno. O próprio escultor trabalha a partir desta ideia. Embora esquecida pelas novas gerações, sempre provocará questionamentos pelo simples fato de estar lá.

Significado da imagem e seu contexto histórico

A imagem do generalíssimo marechal Deodoro da Fonseca carrega a simbologia do herói que libertou seu povo da monarquia. Sua estátua foi forjada na época em que a república era uma “criança” no Brasil.

A estátua representa não somente um militar, mas o herói que voltou da guerra ferido, soldado de várias batalhas, sempre lutando por sua pátria amada. Deodoro da Fonseca, nascido em 1827, participou da Guerra do Paraguai, das frentes “Curupaity e Itororó”.

Nosso herói e patriota vinha de uma família de militares, uma vez que em sua época não existiam muitas opções de profissão, como destaca Cícero Péricles em seu livro Formação Histórica de Alagoas.  

Peças de Mathurin Moreau forjadas na Fundição Val D’Osne: África, Ásia, Europa e América

Como primeiro presidente do estado republicano, representava ainda a imagem do salvador do Brasil, que vivia naquele momento uma grave crise política sob o regime monárquico de dom Pedro II.

Apesar de ter proclamado a república, Deodoro não era republicano. Seu envolvimento com esta causa se deu a pedido do “povo” ou dos que defendiam o fim da monarquia e tinham pressa na ordenação de um novo regime.

A escultura representa ainda a gênese da república, o novo regime que se estabelecia no país, que elegeu Marechal Deodoro como símbolo dessa transformação política. Como representante das insatisfações com a monarquia, que mobilizava a igreja, setores da economia e o Exército.

Quem primeiro cobrou uma homenagem a Deodoro num monumento foi o escritor Leôncio Correia, que publicou artigo exultando o marechal nos jornais da capital em março de 1908. No mês seguinte o governador Euclides Malta já prometia a estátua para a Praça do mesmo nome e a encomendou a Angeli Angiolo da Fundição Artística Paulistana em São Paulo, o mesmo que fundiu a estátua do marechal Floriano Peixoto para a Praça dos Martírios.

Em julho, o ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, comunicou ao governador que o bronze para a estátua solicitado por ele, já estava à disposição da fundição em São Paulo. Neste mesmo mês, um grupo de republicanos angariava recursos para o monumento.

Neste mesmo período, mobilização idêntica ocorria no Rio de Janeiro para naquela capital se erguer um monumento a Deodoro.

Em dezembro de 1908, o Gutenberg publicou uma nota em que o articulista Gonçalles Maia destacava uma nova mania dos brasileiros: “O Brasil começa a cultivar as estátuas. É um cultivo como o de qualquer outra flora. E se algumas vezes degenera em mania e produz coisas exóticas, nem por isso vem mal daí. As estátuas são adornos das praças ou jardins e lições de história”. Ao final destaca Deodoro da Fonseca como merecedor de homenagens.

Ainda em dezembro, o governador anunciou que enviaria para Angeli Angiolo e G. Petrucci, até 6 de janeiro do ano seguinte, os “dizeres que deverão figurar na pilastra da estátua equestre” de Deodoro.

Em 30 de maio de 1909, o Gutenberg anunciou que a estátua estava pronta em São Paulo. No início do mês seguinte, o mesmo jornal reafirmava a conclusão da obra e dava algumas informações sobre ela. “Trabalhou-a ou executou-a o escultor também italiano Lorenzo Petrucci”.

Após assentada, teria 8 metros ou mais, considerando que “o grupo em bronze mede 3,5 metros e o pedestal, que é de granito polido, tem a altura de quatro metros, afora o respaldo para o assentamento e a sapata dos alicerces ou fundações”.

O monumento e a reurbanização da praça Deodoro, que foram inaugurados em 3 de maio de 1910, passaram a ser uma das principais atrações do centro de Maceió. O monumento foi planejado por Rosalvo Ribeiro e teve como inspiração o quadro de Henrique Bernardelli, um pintor chileno, naturalizado brasileiro, que desembarcou no Rio de Janeiro em 1901.

A reurbanização da praça, iniciada em 9 de fevereiro de 1909 (Gutenberg de 10/02/1909), também foi planejada pelo pintor Rosalvo Ribeiro, que se inspirou na Place de La Concorde de Paris. Atendeu ao pedido do intendente Demócrito Brandão Gracindo, que a remodelou para receber estátua equestre do Proclamador da República

A escultura, feita de bronze, foi encomendada pelo então governador de Alagoas Euclides Malta, autorizado pela lei cívica do povo alagoano nº 527, de 13 de julho de 1908. Em seu relatório de governo, apresentado à Assembleia Legislativa em 18 de abril de 1910, Euclides Malta informa que contratou com a fundição de São Paulo “consoante a resolução nº 577 de 13 de junho de 1905“. Essa autorização ocorreu no governo dos eu irmão Paulo Malta.

Erguendo o chapéu, ostentando medalhas de honrarias da carreira militar, a imagem do marechal faz um gesto de saudação ao novo regime e, estando sobre um cavalo, indica que está prestes a lutar pela manutenção da república conquistada caso haja necessidade.

Não foi por acaso que um militar tenha sido o proclamador da República. Tal gesto precisaria vir de alguém com autoridade, visto como símbolo de força e resistência. Esse mesmo conceito se reflete na sua estátua, que o apresenta como um homem forte e de saúde estável, mesmo já estando bastante debilitado naquele período de sua vida.

Inauguração da Praça e do monumento

O monumento e a reurbanização da praça Deodoro, que foram inaugurados no final da tarde de 3 de maio de 1910. Sabendo que as peças da escultura tinham saído do porto de Santos, em São Paulo, no dia 12 de março e que demorariam de seis a oito dias para chegar em Maceió, o governador Euclides Malta lançou a pedra fundamental do monumento às 17h de 11 de março.

Também no início de março desembarcaram em Maceió o proprietário da fundição, o italiano Angelo Angeli, e o escultor Lorenzo Petrucci, também da Itália. Vieram acompanhar a montagem das peças.

Dias depois, em 17 de março de 1910, o italiano já prospectava novos negócios em Alagoas. Um anúncio no Gutenberg divulgava que “Angelo Angeli, fundidor das estátuas de Floriano e do Marechal Deodoro da Fonseca” avisava às confrarias e vigários das igrejas que “na sua muito conhecida fundição sita em São Paulo na Rua Conselheiro Ramalho, 100, funde e refunde sinos de qualquer tamanho…”. Quem se interessasse podia colher mais informações “na Ladeira do Brito, 28, Maceió”. Era a casa do popular Zé Maria dos Balões, onde ficaram hospedados até 20 de maio de 1910.

No dia 3 de maio de 1910, a inauguração da Praça e do monumento a Deodoro tiveram a seguinte programação:

16h30 – em frente à estátua se perfilaram a 5ª Companhia Isolada, comandado peloo capitão Pedro Cabral; o Tiro Alagoano, sob o comando do tenente Virgílio Sampaio; e o Batalhão Policial, liderado pelo major Pereira Accioly. Estavam lá também algumas representações de colégios militarizados.

17h – O intendente Demócrito Gracindo e os conselheiros municipais já aguardavam a chegada do governador do Estado, secretários, general Marques Porto e outras autoridades.

17h30 – Euclides Malta chegou e com o intendente descerraram a cortina que envolvia o monumento. Imediatamente as forças militares prestaram continência enquanto as bandas marciais executavam à alvorada. Em seguida a banda do Batalhão Policial executava o hino nacional.

Após esses ritos, o intendente declarou ter recebido o monumento em nome da cidade e anunciou que estava também inaugurada a praça Deodoro. em seguida, Alfredo de Maya fez a saudação oficial e depois ouviu-se o hino de Alagoas. À noite, com a praça iluminada por energia elétrica, houve retreta.

A relação de Angelo Angeli com Alagoas não deixou somente o legado das estátuas Floriano e Deodoro, e o busto de D. Rosa da Fonseca. No dia 8 de maio de 1910, a Fundição Alagoana, em Jaraguá, expôs em sua porta o primeiro sino fundido na capital. Segundo o Gutenberg de 10 de maio, “o trabalho está bem acabado e foi feito pelo sr. Angelo Angioli [Angeli], escultor [fundidor] das Estátuas de Floriano e Deodoro”.

Placas e medalhões

Placa comemorativa do Centenário de Nascimento do Marechal Deodoro. Foto de Gilson Arruda e Maria Michele

A placa comemorativa ao centenário de nascimento de Deodoro, forjada com o mesmo material da estátua, tem gravado os seguintes dizeres:

Foi commemorado nesta cidade de Maceió o centenário de nascimento do marechal Deodoro da Fonseca no dia 5 de agosto de 1927, por iniciativa do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, sendo esta placa apposta pela Prefeitura Municipal.

Nesta década do início do século XX, a nação brasileira discutia e promovia seus simbolismo de nacionalidade.

Na parte frontal do monumento, dois medalhões de bronze datam os dias 23 de agosto de 1892 e 05 de agosto de 1827. São as datas referentes ao nascimento e morte de Deodoro, que aparecem na ordem invertida. Ainda na parte frontal, uma dedicatória assinada pelo POVO ALAGOANO diz: “AO MARECHAL DEODORO DA FONSECA”.

Homenagem do Povo Alagoano. Foto de Gilson Arruda e Maria Michele

As citações nas medalhas de bronze, do lado esquerdo, são referências a três de suas batalhas épicas: “Estero Bellaco”, “Curupaity-Itororó” e “Passo da Pátria”, que ocorreram entre os anos de 1866-68 e 1865-70 na guerra com o Paraguai.

No lado direito, estão as vitórias de “Angustura-Tuyuty”, no Paraguai, e as datas 23 de novembro de 1891 e 15 de novembro 1889, referências à Proclamação da República e à renúncia do marechal da presidência, invertidas também.

Por trás estão as citações em latim “Sic Itur Ad Astra” (Assim se vai às estrelas) e “Sub Lage Libertas” (Liberdade sob a lei), citações alusivas à imortalidade conquistada por Deodoro em seus feitos e ao reinado das leis, um dos pilares da República.

Segundo o jornal Gutenberg de 17 de janeiro de 1909, os textos enviados por Euclides Malta para a fundição em São Paulo foram os seguintes:

“Ao imortal alagoano Marechal Deodoro da Fonseca, o fundador da Democracia Brasileira em 15 de Novembro de 1889”; “O exm. sr. dr. Euclides Malta, Governador do Estado de Alagoas, mandou erigir este monumento, símbolo de veneração cívica do Povo Alagoano. Lei nº 527 de 13 de julho de 1908”; “Seja o nosso país triunfante e Livre terra, de livres irmãosSic itur ad astra! [Assim se vai aos astros] 12 de junho de 1909 — 20º da República”; “Nascido a 5 de agosto de 1827. Falecido a 23 de agosto de 1892”; “Alma tão grande assim não conhecerá, Inda o pasmo Universo. Alma tão grande, Que, mais que o sol, intensa luz expande, Em tão pequeno espaço não coubera”; “… vereis um novo exemplo de amor dos pátrios feitos valorosos…” — Passo da Pátria, Estero Bellaco, Curupayty, Tuyuty, Itororó, Lonibar Valentinas e Angustura”; e por último “Diodori, filú heroine Rosie Marire Pauline a Fonseca, famam posteritati Penates tradunt [Os pátrios lares contam à posteridade a fama de Deodoro, o filho da heroína Rosa Maria Paulina da Fonseca].

Compreendendo as imagens

Lado esquerdo, lado direito e parte posterior do monumento. Foto de Gilson Arruda e Maria Michele

Nos quatros cantos da praça, obedecendo o projeto de Rosalvo Ribeiro, estão as estátuas esculpidas por Mathurin Moreau e forjadas na Fundição Val D’Osne.

Cada monumento representa um continente — europeu, asiático, africano e americano — e tem a imagem de um caçador nativo lutando com um animal. As luminárias implantadas na praça também vieram da mesma fundição.

Um dos monumentos enviados para restauração no Rio de Janeiro não voltou e não se sabe onde está. Seria a escultura que representaria a Oceania.

Caçadores representando os continentes. Foto de Gilson Arruda e Maria Michele

Todas as esculturas são de difícil manuseio e requer esforço de criação para o artista. Analisando as imagens abordadas neste estudo, avalia-se o enorme trabalho empreendido e o tempo utilizado para esculpir todos os desenhos das medalhas e placas, além do marechal Deodoro em seu cavalo.

As esculturas podem levar tempo para serem concluídas, dependendo da técnica e do material utilizado. São feitas obedecendo as seguintes etapas: extração, desbastes, esboço, talha, acabamento e polimento da pedra (usando material abrasivo). Depois passa pelo processo de pintura. A escultura é a passagem do único para seu múltiplo. Logo ela se torna arquitetônica.

Oceania, escultura em ferro fundido de Mathurin Moreau de 1876. Está no Palácio do Catete no Rio de Janeiro. Foto de Ladyce West

A imagem do marechal remete a um símbolo. O autor passa o sentido que quer ver entendido por meio da imagem de algo. E o sentido primeiro que seria a união dos elementos emblemáticos.

No contexto exterior percebemos que a imagem está ligada ao de uma passagem histórica política. O novo regime político influenciava o povo. Certamente quem mandou elaborar a imagem, Euclides Malta, tinha algo a ver com o regime republicano.

O contexto da escultura está ligado ao poder que tem o Estado em suas decisões. Portanto, tem símbolo social.

*Texto a partir de artigo científico elaborado sob a orientação da Professora Raquel Parmegiane. (Editoria do História de Alagoas).

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Myllena Karla Santos de. Tudo sobre a construção da paisagem das praças: D. Pedro II- marechal Floriano Peixoto- marechal Deodoro. 2014. Tese (Arquitetura em Bacharelado) – universidade federal de alagoas. Maceió, junho de 2014.

Arruda, Gilson Manoel de. Souza, Maria Michele de. Monumentos da praça marechal Deodoro de Maceió. 2017. 11 unidades físicas: coloridas. 16 cm x 56 cm. (original)

Bernardelli, Henrique. Proclamação da república. 1890. 1 fotografia. 16 cm x 56 cm. (foto original)

Duarte, Pedro Elói (tradutor). Mariano (paginação). Pacheco, Manuel A. (impressão e acabamento).  Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Edições 70 LTDA. Fevereiro de 2007.  ISBN: 978-972-44-1286-3.

CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação Histórica de Alagoas. 3 Ed. Maceió, AL. Edufal, 2015.

FILHO, Miguel Vassalo. Monumentos de Maceió (III). Cidade. Maceió, 20 a 26 de dezembro de 19??  p, 22.

RAMOS, Benedito. Museu a céu aberto: vale apena manter peças originais nas praças? O palácio 200 anos. Maceió, Março de 2017. n° 74. pp, 3-6.

6 Comments on Praça Deodoro e os monumentos em homenagem ao marechal alagoano

  1. André José Soares Silva // 2 de junho de 2017 em 11:16 //

    Por que as nossas Praças tão exuberantes no passado, a exemplo da Deodoro, vivem tão desprezadas?

  2. GILSON MANOEL DE ARRUDA // 12 de junho de 2017 em 16:59 //

    Talvez por causa da falta de verba para revitalizar as praças ou desleixo com a coisa publica. Falta de fiscalização para manter a conservação. Educação cultural nas escolas, entre outros. Infelizmente essa nova sociedade contemporânea não se importa muito por suas raízes.

  3. O caçador que luta com a serpente, representa que continente?

  4. João Batista // 12 de maio de 2018 em 00:04 //

    Quero saber se há uma estátua de vidro em Maceió

  5. Bonjour de France
    je ne comprends pas l’histoire de la statue équestre de Deodoro ? Qui est le sculpteur ? Qui a réalisé le bronze ? Quel rapport avec la statue qui est à Rio de Janeiro ?
    Notre association ASPM travaille sur l’histoire de la fonte d’art de France à l’étranger ( voir nos sites). Nous avons déjà beaucoup de documents sur les monuments au Brésil (mais pas à Maceio).

  6. bonjour
    vous écrivez : “Um dos monumentos enviados para restauração no Rio de Janeiro não voltou e não se sabe onde está. Seria o monumento que representaria a Oceania.”
    il n’y a jamais eu de statue d’Océanie dans le catalogue du Val d’Osne ; 4 continents seulement
    Voyez ici : https://e-monumen.net/patrimoine-monumental/vo2_pl603-statues/
    pour les animaux : https://e-monumen.net/patrimoine-monumental/vo2_pl630-animaux/

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