Palmeira dos Índios do meu tempo de menino
Por Manoel Bezerra e Silva
Publicado originalmente na Revista Ilustrada Alagoas Sesquicentenária, em 1967.
É bem verdade que recordar é viver! Reviver um passado que já se foi, deixando um turbilhão de saudades em nossos corações. É o passado no presente que sinto, relembrando que Palmeira dos Índios dos meus tempos de menino, proporcionava a seus filhos uma vida de amor e carinho. É um devaneio, verdadeiros sonhos que vão e voltam a trazer-nos sempre uma doce esperança que não é mais que uma simples quimera. Entretanto, recordando o passado de minha terra, sinto a felicidade dentro de mim, e, retrocedendo aos bons tempos que já se foram, vejo o quanto Palmeira dos Índios proporcionava a seus filhos uma vida de amor e felicidade.
Honra-me ser palmeirense e jamais abdicarei deste direito que tanto me enaltece. Infelizmente, existem palmeirenses que renegam sua terra, mas o homem que abomina o torrão que lhe serviu de berço, justificando esta deprimente atitude em razão de ingratidões recebidas de seus conterrâneos, é um desprezível.
Vejo com muitas saudades Palmeira dos Índios dos meus tempos de criança de calças curtas, perambulando pelas ruas esburacadas pelas enxurradas que desciam da serra, numa impetuosidade tão grande que levava tudo de roldão, abrindo enormes valas na antiga Rua do Ôco, bem assim no quadro da feira — atual Praça da Independência — que naqueles tempos dava-nos um panorama bucólico pela arborização nativa de enormes pés de gameleiros, umbu cajá e pau-d’arco.
Palmeira dos Índios dos tempos de João Siqueira, solícito e bom, de modos afáveis que atraía os palmeirenses com a sua maneira de tratar. Exímio na arte de fabricar fogos de várias espécies como rodas de fogo, chafariz, painéis e balões de vistas e descargas dos mais bonitos. Palmeira dos Índios dos tempos de João Sapateiro, puxando a brasa para a política dos Amorim, pegando no bico da chaleira dos mais graúdos para não sair das graças dos homens que dominavam a terra.
Palmeira dos Índios dos animados carnavais que tinham como organizador o simpático José de Freitas. Os clubes como “Abanadores“, “Chaleiras”, “Cana Verde“, “Cana Preta”, “Vassourinhas” e “Parafusos”, empolgavam a terra dos Xucurus. Recordo com saudades os “Morcegos” dançando de asas abertas, afugentando os meninos que tentavam passar pela frente dos clubes; das críticas que nos faziam rir, idealizadas pelos endiabrados Marçal Oliveira e seu irmão Daniel, Alfredo Valeriano, Manoel Pereira e outros; dos ranchos do “Cana Verde“, na madrugada do domingo de entrudo, quando ouvíamos fadinhos portugueses cantados pelas moças palmeirenses, ao som da flauta de Marçal, acompanhados pelos violões de Nezinho Andrade, Walfredo de Né Gracindo e Pedro Lyra, ao mesmo tempo que Levino Moura, vestido de Senhora Elena, fazia corrupios tão grandes que a saia fazia balão.
Palmeira dos Índios dos sítios que circundavam a cidade, onde os meninos aboletavam-se surripiando as frutas que não eram deles, entretanto, a velha Luzia do caminho do tanque não vacilava em catucá-los com uma vara comprida da ponta aguda, furando-lhes as nádegas.
Palmeira dos Índios das festas animadas, da padroeira, cujas barracas e botequins armados na Praça da Matriz, constituíam ruas, onde de tudo tinha para vender. Comidas feitas as mais gostosas e variadas como sejam: galinha, porco e peru custavam dois mil réis um prato, com direito a uma xícara de café. Cabacinhas perfumadas que os rapazes compravam para jogar nas namoradas; bolo pé-de-moleque, enrolado na folha da bananeira, broa, cocada, feiticeira, eram uma gostosura.
O pastoril, dançando alegremente no velho sobrado de Pedro Sabino, era a atração da rapaziada que admirava a beleza das meninas que compunham a brincadeira, e, entusiasmada, dava o lance de dez mil réis no cravo e vinte na rosa. O reisado dos mais animados, invadia a festa arrebanhando uma infinidade de palmeirenses, cujos mateus de chapéus afunilados resplandecentes de espelhos e lambirisca na mão, dispersavam os meninos que procuravam ver mais de perto as figuras que dançavam.
O carrossel, armado no local onde atualmente acha-se edificado o prédio do Montepio dos Artistas, impulsionado pelos braços rígidos do negro Amaro, deleitava a meninada. Sobre uma mesa o zonofone tocava as músicas da época como “A pequenina cruz de teu rosário“, “Casa branca da serra” e “Perdão Emília“.
Os jogos de azar de toda espécie, cujas bancas enfileiradas eram frequentadas por homens, rapazes, moças e meninos que jogavam no caipira pintado de novo, ainda cheirando a tinta, dois vinténs na cabra e três na borboleta — o banqueiro balançava o dado de cinco cachorros, jogava dentro do funil, passando o rodo — dava um liso! O quilombo, com o sítio armado na Praça da Matriz, na manhã do dia de ano bom, travava luta de espada, cantando o to-to-ré, pela posse da rainha.
Palmeira dos Índios dos tempos do mastro tirado na mata de Pedro Sabino conduzido para cidade nas costas dos homens, ao som de uma afinada zabumba e ao espoucar de foguetes; meninos empunhando bandeirinhas, alguns montados no pau, entravam na cidade com grande acompanhamento.
Palmeira dos Índios dos tempos da missa do galo, celebrada na porta da matriz, os matutos adormecidos nas calçadas das casas que circundavam a igreja, eram acordados sob o impacto da casca de cana, depois de terem, os bigodes besuntados de excremento ou cortados com tesourinha de unha, pelos anarquistas daqueles tempos.
Finalmente, Palmeira dos Índios das festas animadas de Palmeira de Fora, com a colaboração de Chico Gomes, José Pinto e Canuto Pinto, animada pela zabumba do preto José de Melo que dava extraordinário brilho à festa de N. S. Divina Pastora! João Elói envergando o seu bonito terno de diagonal branco, numa pose de Marechal Deodoro, passeava pelas ruas montando um bonito sendeiro castanho que era admirado pela sua passada de meio!
Era esta a minha Palmeira dos Índios dos meus tempos de menino!
…
Quem foi Bezerra e Silva?
(Dados publicados no site da APALCA – Academia Palmeirense de Letras, Ciências e Artes)
Manoel Bezerra e Silva nasceu na cidade de Palmeira dos Índios, Estado de Alagoas, no dia 15 de janeiro de 1908. Filho de Martiniano Alves e Silva e Maria José Bezerra Cavalcanti, iniciou suas primeiras letras aos sete anos de idade, da Escola Primária de Nossa Senhora do Amparo, mantida pelo vigário da freguesia, Cônego João Guimarães Lessa. Com o encerramento das atividades deste estabelecimento de ensino, em 1917, o futuro escritor continuou estudando em escolas isoladas, dirigidas pelas grandes professoras Hermelinda de Souza Pimentel e Sinhazinha Muritiba, concluindo o então Curso Primário na escola da instrutora Rosa de Matos Moreira. Era, fundamentalmente, um autodidata.
Quando atingiu a idade de 16 anos, Manoel Bezerra e Silva passou a trabalhar no comércio de Palmeira dos Índios, mas não abandonou os livros, ampliando seus conhecimentos em paleógrafo, romances, livros históricos ou naqueles que aparecessem.
Em 1926, a convite do então prefeito Manuel Sampaio Luz (Juca Sampaio), Manoel Bezerra e Silva ingressou na Prefeitura Municipal de Palmeira, exercendo a função de fiscal. Em 1928, transferiu-se para a Prefeitura Municipal de Viçosa, na gestão do então mandatário Dr. Manoel Brandão Villela e ficou trabalhando ao lado de Sebastião Cardoso e outros funcionários.
Já no ano de 1929, atendendo a um convite do prefeito Graciliano Ramos de Oliveira, retorna a sua terra natal para trabalhar na Prefeitura Municipal. Nos fins de 1929, Manoel Bezerra e Silva deixou a Prefeitura e foi trabalhar na Loja de Tecidos dos empresários José Alcides Osório de Moraes e seu irmão Osório de Acioly de Moraes. Logo depois, ele foi trabalhar na firma comercial de Antônio Clemente Gonçalves.
Querendo conhecer o sertão nordestino, Manoel Bezerra e Silva chegou à cidade de Mata Grande/AL, no dia 5 de dezembro de 1931, onde passou quinze dias. Entretanto, foi convidado pelo padre Manoel Firmino Pinheiro, prefeito do Município, para assumir uma Secretaria, aceitando imediatamente a oferta.
Nessa cidade permaneceu até o dia 5 de fevereiro de 1933, quando se demitiu por não concordar com a mudança radical na política por que passou o Estado de Alagoas, mas continuou ao lado do prefeito de Mata Grande até o mês de junho, como assessor na sua política.
Nesse ínterim, recebeu um convite do prefeito de Moxotó-PE para acertar a escrita da sua Prefeitura, o que aceitou de imediato. Depois de provar sua competência e capacidade para o serviço, foi convidado a permanecer à frente desta Secretaria, exercendo, também, cumulativamente o cargo de Delegado de Ensino, bem como o de Preposto de Coletor Estadual. Nesse tempo, Bezerra e Silva já se mostrava interessado pela literatura. Começou a escrever pequenos artigos para os jornais, principalmente sobre as atividades do município e os publicava no semanário “Diário da Manhã” da cidade do Recife-PE, e passou a colaborar com o jornal “Arco-Verde”, do município de Rio Branco – PE.
Quando ainda se encontrava em Mata Grande, Manoel Bezerra e Silva ficou noivo de Afrade de Oliveira Fortes, com quem contraiu matrimônio no dia 5 de março de 1935 e deste casamento nasceram nove filhos. Sua esposa, porém, não gostava de morar em Moxotó. Como Bezerra e Silva já tinha sido convidado a trabalhar na loja de tecidos do empresário palmeirense Humberto Correia Mendes, não pensou duas vezes e retornou para a terra que o viu nascer: Palmeira dos Índios.
Por motivo de doença, Bezerra e Silva voltou a morar no alto sertão alagoano, desta feita na cidade de Água Branca. Neste município foi trabalhar, cumulativamente, nos cargos de Redator Chefe das Atas da Câmara Municipal e no de 1º Agente do Departamento de Estatística do município. Para ajudar no orçamento da família, Bezerra e Silva abriu uma pequena mercearia em nome da mulher.
Com o golpe de 10 de novembro de 1937, foi forçado a assumir compromissos com os políticos de Mata Grande, voltando para o antigo cargo de Secretário no dia 5 de fevereiro de 1938, exatamente quando completava cinco anos de seu afastamento.
Em abril de 1942, por determinação do interventor Ismar de Góis Monteiro, Bezerra e Silva assumiu o cargo de prefeito de Mata Grande por três meses, voltando, em 1944, a assumir o mesmo cargo por mais dois meses, até que foi eleito presidente da Cooperativa Agrícola do Município. Em 1947, foi renomeado prefeito de Mata Grande por determinação do governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro e assumiu o cargo de Secretário da Legião Brasileira de Assistência (LBA), secção de Mata Grande.
Paralelamente, Bezerra e Silva foi correspondente de todos os jornais da capital alagoana, além de ter sido, também, do matutino “O Jornal” e de “A Noite”, ambos da cidade do Rio de Janeiro. Afastou-se do serviço público em 1950 e passou a residir em Maceió, onde instalou uma pequena fábrica de refrigerantes. Em 1959, voltou a escrever para o Jornal de Alagoas, no caderno “Páginas dos Municípios”, para a Gazeta de Alagoas e outros jornais do Estado. Nomeado, foi exercer a função gratificada de Assistente do Gabinete do Delegado Regional, em cuja função permaneceu até a extinção do SAPS, sendo em seguida transferido para o Ministério do Trabalho, quando se aposentou depois de 36 anos de serviços prestados aos municípios, aos Estados e à Nação Brasileira. Em 19 de dezembro de 1985 foi empossado como membro do IHGA (Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas). Morreu dois anos depois, na capital pernambucana, no dia 3 de dezembro de 1987.
OBRAS:
Terra dos Xucurus (Memórias – Imprensa Oficial – Maceió – Al – 1969);
Terra dos Xucurus II (Memórias – Imprensa Oficial – Maceió – Al – 1972);
Lampião e suas façanhas (História – Premiado pela Academia Alagoana de Letras – Maceió/AL 1966);
Mentir também é arte (Folclore – Serviços Gráficos de Alagoas – Maceió/AL 1973);
Lampião e suas façanhas II (História – Sergasa – Maceió/AL 1978);
Trindade, terra sem lei (Romance – Política Sertaneja – Sergasa – Maceió/AL 1978);
O sertão que eu conheci (Memórias – Humorismo – Política e folclore – Sergasa – Maceió/AL 1979), contendo carta-prefácio do poeta Jucá Santos;
Visitando Quelé (Folclore – Sergasa – Maceió/AL 1981);
e As minhas memórias (Memórias – Sergasa – Maceió/AL 1984).
Minha Palmeira dos Índios, onde vivi minha infância, estudando no Pio XII das cavalgadas onde meu Pai Leonardo Pinto, corria pelo vermelho com seu cavalo Veludo que ao ouvir a Zabumba começava a dançar. Jamais esquerei. Até o momento que saímos de Palmeira as festas eram as mesmas com outros personagens, meu Vô sr Antônio Augusto, delegado de Polícia no Carnaval enchia a Sopinha (camineta fechada) com os Netos e íamos participar do Coro de Carnaval na Praça da Independência. Éramos felizes. Sou Palmeirense, com muito orgulho.
Parabéns amigo Ticianeli. Relembrando bons tempos de Palmeira dos Índios.
Bom dia, caro Ticianeli. Imensamente grato por publicar esta matéria de Manoel Bezerra e Silva. Parabéns.
Tempos idos e vividos, que não voltam mais…
Abraços fraternais.