Os sabores e cheiros do Comércio de Maceió
As padarias e as torrefações eram os atrativos no centro de Maceió. Sem que fosse organizado, existiu o que se poderia chamar de circuito do pão e do café.
Geraldo de Majella
“Vou ao Comércio” é uma expressão usada pelos mais velhos para dizer que se estava indo ao Centro de Maceió. Os moradores quando necessitavam dos serviços públicos ou privados sabiam que os encontravam nas ruas do Centro, como os bancos, lojas, hospitais e cinema.
Os bairros, até a década de setenta, dispunham de alguns serviços – eram poucos bairros, hoje são cinquenta. Havia as mercearias, barbearias e botequins; nem todos os bairros tinham feiras livres.
As ruas eram cuidadas pela municipalidade. As fachadas das casas comerciais e dos edifícios públicos causavam encanto pela beleza e conservação. A cidade cabia na palma da mão, e tudo que se desejava ver, comprar e comer se encontrava.
O patrimônio histórico formado pelos bens materiais construídos e preservados no século 20 continha elementos arquitetônicos e paisagísticos que conferiam uma identidade à cidade. Igrejas do século 19 e praças construídas nas primeiras décadas do século 20 são elementos essenciais para a compreensão de como se desenvolveu e de quais influências a cidade recebeu.
A transformação do Centro de Maceió é uma realidade, mas nem por isso merece aplauso. A reforma urbanística realizada há mais de um século criou logradouros e edificações que se tronaram referências na vida da cidade; alguns ainda existem, embora tenham perdido relevância e encantamento; outros tiveram destino pior e foram demolidos; em seu lugar há hoje estacionamentos para automóveis e edifícios para escritórios.
O cine São Luiz, na Rua do Comércio, era o point da juventude e dos adultos que ocupavam a calçada com rodas de conversas. Na entrada do cinema, um senhor de estatura mediana, cabeça raspada à lâmina, vestindo roupas bem cortadas e calçando sapatos brilhosos, comercializava animais domésticos. Machado era o seu nome. Às tardes, antes da primeira sessão, arriava as gaiolas com pássaros, casinhas com cachorros, gatos, coelhos e hamsters.
A calçada do São Luiz era o seu ponto comercial numa época em que não havia repressão a esse tipo de comércio, nem existiam órgãos governamentais de proteção ambiental.
Padarias e torrefações
As padarias e as torrefações eram os atrativos no centro de Maceió. Sem que fosse organizado, existiu o que se poderia chamar de circuito do pão e do café. O Café AFA, instalado na esquina da Praça Deodoro com a Rua Barão de Alagoas, cujo aroma penetrante exalado no processo de torra inebriava a clientela em volta do balcão.
A história do Café AFA, quase centenária, teve início em julho de 1925, em Pernambuco, com a fundação da Refinaria Leão do Norte (Antunes & Cia), onde por nove anos o líder da família e sócio fundador, o português Antônio Francisco Antunes, residiu. AFA são as letras iniciais do nome e sobrenome do fundador da empresa. O cheiro de café torrado entrava pelas portas do Teatro Deodoro, vizinho do lado, e se espalhava pelos quarteirões no seu entorno, no lugar mais aprazível da cidade.
Mais adiante, na Rua do Comércio, em frente à Praça Governador Adhemar de Barros, funcionava a Padaria Elétrica e o Café Emecê. O cheiro do café no processo de torra e o cheiro de pão saindo do forno era uma combinação perfeita.
O café, dizem os especialistas, é uma bebida tão completa que até mesmo seu cheiro pode ser benéfico para a saúde. Encontravam-se então no mesmo espaço físico dois aromas que atraíam e enamoravam os fregueses.
O perfume que pairava no ar com a torrefação do café era motivo de comentários dos que trabalhavam nos arredores ou das pessoas que passavam na calçada. O Centro foi o território do café e do pão. O pão como acompanhamento do café e do caldo de cana, que também era vendido na esquina próxima.
O sociólogo Manoel Diegues Júnior registra no ensaio Evolução Urbana e Social de Maceió no Período Republicano (Catavento-1939) que a antiga Rua do Açougue, atual Av. Moreira Lima, se caracterizava pelo cheiro.
Os cheiros de comidas alagoanas vendidas nas esquinas como: sururu, tapioca, caldo de cana, peixe frito, arroz-doce, a manter a tradição desde o Império. Nessa época, década de 1930, aportaram em Maceió emigrantes sírios, mas que, segundo Diegues, nem sempre eram sírios puros; eram turcos, árabes, russos e judeus, agrupados numa mesma denominação.
A Avenida Moreira Lima, que já foi Rua do Açougue, Nilo Peçanha e 1º de Março, tinha até pouco tempo (década de 1990) quatro padarias que alegravam o paladar e o olfato daquela área da cidade. Em cada quarteirão estava localizada uma padaria. A esquina da Av. Moreira Lima com a Rua da Alegria era o ponto da Padaria Francesa; na esquina seguinte, Av. Moreira Lima com a Rua Cincinato Pinto, havia a Padaria Leão Branco. As duas mantinham a concorrência e disputavam a primazia de suas confeitarias, além dos pães, bolachas e biscoitos.
Mais abaixo, na Av. Moreira Lima com a Rua Barão de Alagoas, localizava-se a Padaria Capricho; e no último quarteirão da Moreira Lima com a Feira do Passarinho ‒ a feira não existe mais ‒, restou a Padaria Nossa Senhora da Glória. As demais encerraram as suas atividades na década de 1990.
A memória olfativa remete à lembrança de momentos vividos por cada pessoa; é indiscutível a capacidade que de cada um tem de associar cheiros que provocam emoções. Os cheiros e os sabores têm o poder de interferir no comportamento das pessoas em qualquer idade.
Não é possível pensar uma cidade sem levar em conta o espírito de confraternização, as diferenças étnicas, geográficas, a valorização dos comércios, a preservação do modus vivendi de cada comunidade com suas especificidades, a manutenção do seu patrimônio histórico-cultural e socioambiental. Esse conjunto de bens é a argamassa que ergue a cidade, dando-lhe vida pulsante e identidade, e construindo uma civilização.
Cheiros e sabores! Amei a viagem ao passando! Maravilha de texto. Parabéns!
Sou de Pernambuco e essa matéria me fez viajar no tempo, uma vez que as cidades (capitais) nordestinas, guardam peculiaridades comuns. Parabéns pelo artigo.
Logo no início da Moreira Lima onde fica o estacionamento da antiga Telada, havia também uma padaria, não me recordo o nome
Nasci e me criei na linda capital alagoana, numa época realmente maravilhosa! Sai há 48 anos atrás, pois era mais um graduado sem emprego. Encontrei uma bela terra prometida! O bom texto me levou ao passado distante, com saudades, pois vivi tudo isso!!!
Parabéns ao autor!!!
Faltou citar entre as padarias do Comercio a Panificação Três Coroas, que ficava na rua do Comercio próximo ao Beco São José. Meus sinceros parabéns pelo belíssimo artigo.