Origem das Emboladas

Jurandir Bozo "puxa" um coco de roda

Théo Brandão

*Publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 7 de junho de 1953.

MACEIÓ – junho — Como apareceram as emboladas? Qual a origem de seu nome? Donde vem a palavra — Embolada — e que quer dizer ela?

Comecemos a analisar o assunto.

Segundo a opinião da maioria dos folcloristas que se ocuparam da questão, o nome de embolada deriva do ritmo da cantiga. Mestre Gustavo Barroso diz: “As cantigas de ritmo ligeiro e rimas repetidas, embolando uma com as outras, intercaladas de estribilho que vulgarmente se chamam emboladas, etc.” (Ao som da viola — pág. 607, 1ª ed). Por sua vez, Renato Almeida endossa esse ponto de vista quando escreve: “O efeito das emboladas vem do andamento rápido, embolado, exigindo do cantador uma dicção esmerada para se perceber a letra dentro de um ritmo precipitado e curioso, etc.” (História da Música Brasileira).

Ora, há nestas explicações, à primeira vista engenhosas e verossímeis, manifesto engano, ao nosso ver.

Nem o ritmo acelerado, ligeiro, em binário, é exclusivo das emboladas (martelos agalopados, ligeiras, martelos miudinhos, parcerias, etc. empregam-no também), nem há razão nenhuma para que esse movimento seja considerado exclusivo e característico da bola. O movimento de uma bola, seja de gude, bilhar ou futebol, tanto pode ser rápido quanto vagaroso ou lento.

A explicação de que embolada vem do movimento de bola, do seu ritmo, é, creio, descabida e há que se procurar outra explicação.

A verdade (nossa verdade, pelo menos) é que a embolada vem realmente de embolar, de atirar ou jogar bola, conquanto nenhuma relação haja entre o nome e o ritmo da cantiga.

I

Cabra danado
Você diz que dá na bola.
Enjeita, cabra danado
Na bola você não dá

II

Vou pro mato
Me amparando numa mola.
Seu Lelê sacuda a bola
Antes do passo avoá.

III

Nêgo danado
Você diz que dá na bola
Vontade também consola
Na bola você não dá.

IV

Cabra danado
Que vieste d’angola
Vontade também consola
Acho bom vamo embolá.

V

Rebola a bola
Cabocada diiurida
Não se importe que essa vida
Que esse mundo é uma embolada

Mais características as quatro seguintes emboladas que me foram transmitidas por D. Amélia Aragão que as aprendeu no fim do século passado:

VI

Rebola a bola.
Você diz que dá com o pé.
Você diz que joga bola
Jogador você não é.

VII

Rebola a bola.
Você diz que dá, que dá.
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá.

VIII

Rebola a bola.
Você diz que deu, que deu.
Você diz que deu na bola
Quem deu na bola foi eu.

IX

Rebola a bola.
Você não sabe jogá.
Estou no jogo da bola
Estou no jogo de embolá.

Ora, as emboladas VII e VIII são o estribilho de uma musiqueta que sob o título de “Rebola a bola”, se encontra na obra: “Serenatas” (Liv. Quaresma — 1913), coligida por João de Souza Cunegundes e segundo o coletor, da autoria de Bicho, levada a cena na Revista “Agulhas e Alfinetes”.

“Neste bilhar da vidinha
Feito por gente de caco
Eu sou a rica bolinha
E a polícia é o taco

Falando — Sim, eu sou a bola, a polícia é que é o taco; por mais que me queiram agarrar nunca me hão de conseguir, então levo a cantar:

“Rebola a bola.
Você diz que dá, que dá.
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá.

Tem pancada na bola
Não vale nem um pataco
O taco procura a bola
A bola foge do taco.

Falando — A coisa alguma faço a bola chegar no taco, é impossível, o taco é que se chega a bola; assim eu faço quando me apanho a sós, levo a cantar:

Rebola a bola.
Você diz que dá, que dá.
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá.

etc.”

Estas cópias com suas variantes encontram-se no Brasil em várias regiões, ora como trovas soltas, ora como estribilhos de canções de rodas.

Em Alagoas mesmo, colhemo-las, com acréscimo de uma sílaba no primeiro verso, transformada pois em redondilha maior e já modificados ou outros versos, e incluímo-las na nossa obra “TROVAS POPULARES DE ALAGOAS”.

O Você diz que dá na bola
Na bola você não dá
Viva a Torre da Assembleia,
O Coqueiro olhe lá.

Menina sacode a saia
Sacode a saia pro ar;
Menina o jogo da bola
é o jogo de embolar.

Lindolfo Gomes afirma que o estribilho: “Rebola a bola”, existe em diferentes estados como roda (Rev. Filológica – Ano III — vol. VI – nº 21 – pag. 23). E realmente tivemos ocasião de ouvi-lo como tal na exibição de danças infantis promovida pela professora Henriqueta Braga, na Escola Nacional de Música por ocasião do 1º Congresso Brasileiro de Folclore.

Ora, o citado Lindolfo Gomes dá notícia de que o “Rebola a bola” é português e veio ao Brasil nos começos do século atual [XX], numa companhia de revistas teatrais. Passemos-lhe a palavra:

“É comprovadamente lusitana, pois encontra-se num jogo de roda que Leite Vasconcelos recolheu na localidade denominada Pesqueira e reproduziu (Antroponímia Portuguesa, pág. 472) nesta redação:

“Ó Micas, dá cá um beijo.
Ó Micas dá cá, dá cá…
Rebola bola
Você disse que dá, que dá
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá”.

Conforme a lição deste insigne filólogo e etnógrafo (loc. cit), Micas é uma redução do nome de Maria, do qual é um dos seus múltiplos hipocorísticos.

Convém acrescentar que em começo do século atual veio o Brasil uma companhia portuguesa de comédias, revistas e operetas que se exibiu no Rio de Janeiro levando à cena, além de outras peças teatrais de Gervásio Lobato, numa dessas, certo personagem, com acompanhamento de coros, cantava o rebola a bola neste teor:

“Tem pancadinhas na bola.
Não vale nem um pataco
O taco procura a bola,
A bola foge do taco…
Rebola bola
Você diz que dá, que dá
Você diz que dá na bola
Você na bola não dá.

Na repetição, alterava se ligeiramente o estribilho:

Rebola bola.
Você diz que deu que deu
Você disse que deu na bola
Você na bola não deu.

Essa cantiga vulgarizou-se de tal modo no Rio, que tão logo se tornou conhecida no interior do país, como, seja dito, sem acontecido com muitas outras de origem teatral”.

Destas informações preciosas de mestre Lindolfo Gomes, pode-se deduzir que a cançoneta publicada por João de Souza Cunegundes, em 1914, já era uma modificação da cantiga anterior da revista de Gervásio Lobato, e não original de Bicho, como informa o coletor.

Aliás a informação do Lindolfo Gomes pode ser reforçada por elementos que me foram comunicados por D. Henriqueta Braga, professora de Folclore na Escola Nacional de Música que teve a gentileza de me ofertar uma cópia do Disco “Rebola a bola” (canção popular portuguesa. Tenor J. Bastos – acomp. de Piano. Fábrica Vavorite Record — 1-4536) fabricado em Londres e pertencente à sua discoteca. Informa a ilustre professora que o disco fora trazido de Portugal por parentes seus na primeira década do século. Infelizmente não conseguimos entender senão os estribilhos e parte da primeira estrofe, que aqui reproduzimos:

Pois eu tirando as bolas (?)
Tinha muito que fazer
Depois do rebola a bola
Não poderia esquecer.

Estribilho

Rebola bola
Você diz que dá, que dá
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá.

Rebola bola.
Você diz que deu, que deu
Você disse que deu na bola,
Quem deu na bola fui eu”.

Note-se que as duas últimas estrofes deste estribilho, como os da revista de G. Lobato, são iguais as duas emboladas que me foram comunicadas pela minha preciosa informante D. Amélia Aragão ouvidas em sua mocidade, ao fim do século passado e começos do atual.

É bem verdade que, havendo estabelecido nos começos da última década do século passado a época do aparecimento das emboladas, não poderiam elas ter nascido de uma cançoneta que iria se divulgar no Brasil no começo do século atual.

Mas, mesmo que se afaste a hipótese de que a época da difusão da cançoneta seja muito anterior, e que outras companhias ou artistas isoladas tenham-na trazido de Portugal muito antes, fica ainda a possibilidade de que o “rebola abola” (jogo de roda encontrado por Leite de Vasconcelos, na localidade Pesqueira) tivesse ele próprio vindo muito mais cedo ao Brasil. “Bem provável, acrescenta Lindolfo Gomes, é que mesmo em época anterior já esse conhecimento existisse através da cantiga de “roda” de origem popular lusitana, já reproduzida nesse estudo, porém, adaptada em nosso ambiente para divertimento da infância nacional. Basta, para assim conjecturar-se, ter em vista que a citada por Leite de Vasconcelos e as versões usadas nos brinquedos de roda, em Minas e no Rio, todas folclóricas, obedecem a igual estrutura, quanto a métrica e ao número de versos (dois) da introdução, ao passo que a teatral se inicia com uma quadra (como a variante do Pará), que deve por isso mesmo ser considerada de elaboração mais recente. Como quer que seja, conclui o mestre mineiro, a fonte de todas, a nosso ver, é lusitana”.

Fixada assim a origem portuguesa do “rebola a bola”, sabendo que este estribilho e suas modificações são entre nós das primeiras emboladas que se registram, nenhuma dúvida podia haver em nosso espírito ao deduzir que o “rebola bola” é que foi a origem da nossa embolada, a qual guarda a mesma estrutura musical e poética do refrão lusitano: quadra, com o 1º verso em quatro sílabas e os restantes em redondilha maior tempo binário, ritmo poético: dímetro jâmbico no 1º verso, anapéstico, seguido de série a jâmbica pura nos três últimos versos.

A embolada, portanto, é a nossa a ver, uma cantiga nascida em Alagoas nos fins do século passado pela imitação do ritmo, da música e da estrutura poética do “rebola a bola”.

Nada há de se estranhar nesse processo de formação de nossa cantiga. A criação folclórica como, demais, a própria criação erudita, nunca é absolutamente original. Sobre um molde estranho e mais antigo forma-se por acréscimos, transposições, cortes, modificações, etc., uma nova obra e um novo gênero.

O estribilho de uma canção de roda ou de uma cançoneta passou em Alagoas a ser cantado como estrofe de uma dança e sobre este molde e foram-se formando novas estrofes e foi sendo criado um novo gênero poético musical. Tais estrofes falavam com insistência em “rebolar a bola”, jogo da bola (de bilhar, por certo), embolar a bola, jogo de embolar. E daí a cantiga passou a ser naturalmente “canto de embolar, cantar embolado ou embolado”, não por causa do ritmo, mas por causa da primeira peça sobre que se formou a canção.

Esse processo de transformação do primeiro rebola a bola podemos notar bem não só nas emboladas ns I — II — III — IV — V — VI e IX, como também nestas duas muito conhecidas em Alagoas e que José Mauro de Vasconcelos registra em “Barro Blanco”:

Pega esse nêgo
Da cabeça de escapole,
Você diz que dá no fole,
No fole você não dá;
Embola pai,
Embola mãe, embola fia.
Eu também sou da famia,
Eu também quero embolá.

Naturalmente a popularidade que teve na época o estribilho influenciou na sua adoção como estrofe nos ecos alagoanos. Aliás, na própria cantoria de viola o rebola a bola aparece numa “ligeira” registrada por Rodrigues de Carvalho — (Cancioneiro do Norte — 73).

Rebola a bola pra riba
Rebola a bola pro ar
Dá na bola, vira a bola,
Depressa pra não errar,
Sou pior que dor de dente
Quando pego a impenetrar.

E ainda agora, colho de um perito cantador de cocos e emboladas de Pindoba Grande, município de Viçosa — Efigênio Moura — uma embolada, certamente de informação recente, mas na qual se aprecia bem a palavra embolada em ligação direta com bola, embolar ou rebolar a bola do estribilho primitivo do “Rebola a bola”:

Estribilho:

— Como é bom embolá — bis
— A gente acompanhado pelo povo do lugá.

Desde pequeno
Quando eu ia pra a escola,
Conduzia na sacola
Minha bola bonitinha;
A minha bola
Me deixou tanta doidice
Que a minha mãe me disse
Que eu nasci com uma bolinha.

— Como é bom embolá — bis
— A gente acompanhado pelo povo do lugá.

Eu embolava
Eu embolei, ainda embolo,
E embolando, eu desembolo
A bola que eu embolei.
Não embolando
Não embolo a minha bola e a bola,
Que a bola que não embola,
Não é bola que embolei.

— Como é bom embolá — bis
— A gente acompanhado pelo povo do lugá.

Na minha casa
Todo mundo dá na bola.
E quando a bola não controla
Não deixa a bola embolada.
E quando a bola
Dá na bola que rebola
Que a bola que não embola,
Não é bola de embolada.

— Como é bom embolá — bis
— A gente acompanhado pelo povo do lugá.

Pode pegá
Que eu vou lhe dá o seguimento
Meto a cabeça e vou dento,
Gambari, corredô, dá.
A lavandeira tava na casa de farinha.
Rato branco é catitinha.
Mosca preta é imbuá.

2 Comments on Origem das Emboladas

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 19 de março de 2024 em 09:08 //

    Muito grato, prezado Ticianeli. Parabéns!

  2. Na verdade a embolada foi criada na segunda metade do século XIX entre os anos de 1845 à 1870 por um poeta escravo de nome Inácio da Catingueira. Seu versos e a peleja entre ele e Romano do Teixeira são a prova viva de sua criaçao.

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