O Trabalho
Aristheu de Andrade
*Publicado no jornal Gutenberg, em Maceió, de 14 de novembro de 1895.
— É uma mulher esplêndida, é uma mulher esplêndida —, disse o dr. Freitas, um elegante e bonito rapaz, ao velho conselheiro Cunha, um devasso milionário chegado há pouco do Maranhão, onde fora abandonado pela mulher, uma rapariga encantadora, 40 anos mais moça que ele.
— Olhe que me faz vir água à boca! Desejava ser apresentado a essa Vênus hodierna —, respondeu-lhe esse último, exibindo num sorriso duas filas de dentes cariados e obturados a ouro.
— Havemos de lá ir, havemos de lá ir —, disse o dr. lançando fora a ponta do charuto.
— E quando, dr.? —, inquiriu o conselheiro.
— Quinta-feira à noite —, respondeu-lhe o moço, despedindo-se.
— Então até…
— Até quinta-feira, conselheiro. E separam-se.
…
Tintina era uma rapariga formosa e extravagante. Alta, nutrida, morena, de feições regularíssimas e possuidora dos mais formosos olhos que se tem visto — de dois carvões acesos —, como diziam os da boemia literária, que frequentavam o seu elegante chalet suíço em Laranjeiras, ricamente mobiliado. Contava-se dela mil escândalos chics, mil coisas estravagantes. Bem educada, falando três línguas perfeitamente, formosa sobretudo, reunia em torno de si uma turba de poetas, escritores e banqueiros, que sustentavam aquele luxo principesco. Incontestavelmente era a flor griselle da época, era a rainha da moda. Quem era? Donde viera? Ninguém o sabia e se acaso pedia-lhe esclarecimentos sobre sua origem e procedência, muito prontamente engendrava uma legenda fantástica com um espírito irresistível que encantava a todos que a rodeavam.
Era justamente dessa mulher chic e estravagante, que o dr. Freitas falava ao conselheiro Cunha, e era a casa dessa cocôtte elegante e graciosa que iam na próxima quinta-feira.
…
— Sete horas! — Disse impaciente o conselheiro Cunha, endireitando o laço da gravata defronte do espelho. Estava vestido pelos últimos figurinos aquele dandy de 65 anos. Frack muito bem talhado, de finíssima casimira inglesa, colete de gorgorão preto de duas ordens de botões, calças claras, sapato de verniz, luvas amarelas; tinha até tingido o cabelo e o bigode, e, contudo, o conselheiro era feio como um pecado!
— Que demora, dr.! — Disse o conselheiro vendo o dr. Freitas aparecer no limiar da porta de seu quarto: — Pensei que não viesse!
— Ora! Tive que fazer algumas visitas, meu amigo, de sorte que não pude estar aqui mais cedo —, disse o dr. acendendo um cigarro e acrescentando:
— Estou às suas ordens.
— Então vamos —, respondeu o conselheiro, calçando as luvas.
E saíram.
…
Um caléche parou à porta do elegante chalet de Tintina e dois homens apearam-se. Eram o conselheiro e o doutor. Entraram; calcaram no botão elétrico e logo uma criada apareceu e mandou-os entrar para a sala de visita. O conselheiro examinava a mobília de um admirável gosto artístico a decoração riquíssima da sala de visita de Tintina. De repente põe o monóculo e olha atentamente para uma rica moldura pendurada por cima do piano, empalidece e cambaleia.
— O que foi? O que é que tem? —, interrogou o dr. Freitas, vendo-o naquele estado.
— Que retrato é este? —, diz o conselheiro apontando o retrato por cima do piano.
— É o retrato de Tintina —, respondeu o outro admirado.
— De Tintina? — disse o conselheiro —, pois é Tintina o seu nome!
E tomando o chapéu saiu precipitadamente deixando o pobre moço bestificado.
Neste momento, entrava a Tintina colocando um ramalhete de miosótis nos cabelos e vendo o dr. Freitas muito espantado, perguntou chasqueando:
— O que tem Freitinhas morreu-te a sogra?
— Não é que…
— Explica-te com os diabos!
— É que o conselheiro Cunha, o meu amigo do Maranhão, que veio visitar-te comigo, ao ver teu retrato por cima do piano quase teve uma apoplexia e ao ouvir o teu nome saiu precipitadamente, deixando-me deste modo bestificado.
— Ah! Ah! Ah! É o meu marido! — disse rindo a graciosa rapariga.
— Teu marido!?!!?
— Sim!
— Pois tu eras casada com o conselheiro? Porque o abandonaste? Não era tão rico, tão amável?
— Lá isso era! Mas tu sabes não de uma coisa? Eu tinha 20 anos e ele 60!
E o Freitinhas riu-se muito com repente da rapariga!
— Vamos dar uma volta pela cidade —, disse Tintina.
— Como quiseres —, disse o doutor Freitas.
…
Noutro dia comentava-se o fato com gargalhadas e ditos picantes e três dias depois embarcava o conselheiro para a Europa.
***
Editoria do História de Alagoas:
Quando escreveu esse texto, o alagoano Manoel Aristeu Goulart de Andrade tinha 17 anos de idade. Pouco tempo depois já era um dos grandes poetas de Alagoas. Quando se suicidou, na madrugada do sábado, 8 de julho de 1905, tinha 27 anos de idade e exercia interinamente o cargo de Procurador da República em Alagoas. Foi vitimado pelo sofrimento que a depressão lhe causava.
Saiba mais sobre Aristheu de Andrade AQUI: https://www.historiadealagoas.com.br/avenida-aristeu-de-andrade.html
Muito grato, prezado Ticianeli.