O serra-velho na Anadia de Sabino Fidélis de Moura
Peripécias na madrugada do Sábado de Aleluia
Por Sabino Fidélis de Moura
Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai ai ai ai saudade
Não venha me matar
Inexoravelmente ela vem habitar os nossos corações! A danada da saudade.
Os cabelos esvoaçantes, roupas coloridas, um punhado de sonhos todos juntos, freneticamente em busca de expansão, materialização…
Sábado da Aleluia era uma emblemática data na nossa apaixonante terra. Na época que vou relatar os fatos, você vai entender o porquê.
Esperávamos com muita ansiedade pra ver a notícia — Chegou a madrugada do sábado de Aleluia!
O nosso arsenal de “maldades” já estava pronto. E o que compunha esse poder, esse líbelo?
Latas de óleo cortada, pedaços de madeira, caçarola velha, panela amassada, martelo pregos, apitos…
E a boa garganta!
Aquecida pelos goles de vodca, cachaça, cerveja, gim, vinho, conhaque…
A melodia era exaustivamente ensaiada — o coro, ganhava sons uníssonos!
A lista de alvos a serem atingidos era previamente estudada, e mantida em segredo a sete chaves. Nada vazava.
De repente a ópera estava pronta pra acontecer, era só aguardar o silêncio da noite e, a turma na rua para perpetrar a irreverência, a patuscada, a pândega.
O nome dado era “serrar” os mais velhos!
Isso era um reboliço, uma correria desenfreada pelas ruas da nossa velha Anadia. E vou relatar o repertório, o script.
Ao chegarmos na porta do escolhido, logo tinha início a utilização do nosso arsenal bélico. Latas ralando no chão, pregos sendo batidos na madeira, o serrote em pleno funcionamento, batidas nas panelas, nas caçarolas e os apitos…
Barulho pra estremecer a alma!
Mas ainda falta contar o principal — o coro bem ensaiado a entoar uma voz fúnebre a dizer: “Fulano pra quem tu vai deixar?” Aí vinha o ataque ao patrimônio — referindo-se, a fazenda, o sítio, a casa, os animais de estimação!
Tudo tem limite!
Até era aceitável por parte de alguns importunados o perguntar com quem iria ficar a viúva. Porém, quando se perguntava pra quem iria deixar a filha mais nova, a caçula?
A resposta vinha a jato!
Como “pau que bate em chico, bate em francisco”.
Penico voava pelos ares!
Correria atrás da turma, e também rolava uns tiros de soca-tempero. Não sei precisar se por falta de pontaria ou por questão de só querer assustar, como até mesmo a velocidade que a turma tinha em correr ao notar o primeiro sinal de abertura de portas ou janelas, não éramos atingidos.
Tenho anotado, caso por caso!
Não vou delatar os companheiros e companheiras, que comigo protagonizaram essa tragicômica aventura, sinto muita saudade de todos e todas — o crime já prescreveu!
Como também não divulgarei a lista dos que foram acometidos desse trote. E não devo fazê-lo, primeiro por respeito e, também pela enorme saudade e falta que eles nos fazem!
Todos já estão no andar de cima — lá do céu, devem estarem dando risadas de nós!
Que aqui aflitos estamos cantarolando e nos despedindo de um ídolo:
Escute essa canção
Que é pra tocar no rádio
No rádio do seu coração
Você me sintoniza
E a gente então se liga
Nessa estação
(Moraes Moreira)
Deixei para contar essa lembrança após o período Santo, aproveitando para confessar o pecado.
Em Anadia até pecado se pratica com arte. Que não é o meu caso.
Sabiá canta Anadia,
Sabino escreve o sentir desse chão,
Fevereiro a Fevereiro a festa é Maria,
Procissão arrasta pé a cada fé.
Um abraço ao poeta d’água de Santa Cruz Irmão Chão. Sabino Fedelis de Moura.