O quase assassinato do poeta Jorge de Lima
Às 14h30 da segunda-feira, 31 de agosto de 1931, Jorge de Lima caminhava pela Rua do Livramento em direção ao Liceu Alagoano, onde era vice-diretor (cargo criado pelo interventor e assumido por ele dias antes, em 21 de agosto) e catedrático da cadeira de Literatura. Em sua direção vinha o jovem advogado Rodolfo Lins, que se aproximou e, empunhando um revólver Colt calibre 380, disparou contra o escritor, errando o alvo. Quando tentava atirar pela segunda vez foi impedido pelo também médico Adalberto Montenegro.
Rodolfo Lins foi conduzido à chefatura de Polícia e autuado em flagrante. Imediatamente seus advogados, Onofre Andrade e Mendonça Braga, requereram o estabelecimento de fiança ao juiz de Direito da 1ª Vara da Capital, Mário Augusto Guimarães, que negou atendendo ao parecer do promotor público Rodrigues de Melo. Houve ainda solicitação de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça de Alagoas, que negou por unanimidade.
Enquanto isso, os professores e estudantes do Liceu se manifestavam publicamente em solidariedade ao seu diretor.
No dia 14 de setembro, Rodolfo Lins continuava preso em Maceió enquanto o Supremo Tribunal Federal julgava o seu pedido de habeas corpus. Havia sido protocolado no dia 12 de setembro de 1931. O advogado argumentava que ele não teve a intenção de matar. Foi negado.
Somente na quinta-feira, 24 de setembro de 1931, foi que ganhou liberdade após ser impronunciado. Aparentemente o inquérito concluiu que não havia provas da sua intenção de matar.
Jorge de Lima, a quase vítima, resolveu então deixar Maceió. Antes já tinha sido alvo de uma campanha de descrédito por parte de um rico empresário que viu sua filha falecer enquanto era cuidada pelo conceituado médico.
Três dias após seu algoz ter sido liberado, se despediu dos amigos na ponte de Jaraguá, entre eles o interventor Luiz de França, e embarcou no vapor Aratimbó para o Rio de Janeiro.
O motivo da tentativa de assassinato foi passional. Povina Cavalcanti, que escreveu sobre a vida e a obra do ilustre filho de União dos Palmares, afirmou serem os motivos obscuros. Entretanto, o historiador Moacir Santana foi mais fundo e revelou que a razão do quase crime foi o ciúme.
No início de setembro de 1930, Rodolpho Lins Carneiro de Albuquerque havia se casado com Helena, filha do rico comerciante José de Lima e Silva, mas os desentendimentos entre eles indicavam que haveria o desquite. O autor do disparo desconfiava de que a esposa teria um caso com o médico.
Em seu livro O Anjo, Jorge de Lima encontrou uma forma de contar sua versão do episódio:
“Mas sem ninguém esperar, se passou numa velocidade relâmpago, um instante de grande bagunça.
Só para surgir de um canto do vasto salão, um sul-americano indignado, dizendo que o Herói havia beijado a mulher dele.
Com efeito, não tinha. Nem Herói jamais se aproximara da mesinha em que o casal gozava refrescos.
Herói não deu satisfação. O Anjo deu. O homem não aceitava e queria estar desonrado a força. O Anjo dizia que ele não estava. Que a senhora era honestíssima, honestíssima demais, incapaz de ações menos dignas.
Desculpe, senhor!
Porém, o sul-americano só desejava era lavar a honra com sangue.
O Anjo, explicou mais. Não deveria ir contra a religião, contra a moral, contra o eterno Abel.
Mas o senhor indignadíssimo puxou a pistola e deu um tiro em Herói. A bala passou rente. O homem ficou satisfeito. O Anjo também. Herói ficou na mesma”.
Em liberdade e não mais respondendo a processo, Rodolfo Lins construiu uma breve, mas vitoriosa carreira como advogado e político. Em meados de abril de 1932 foi nomeado professor catedrático de Direito Civil do 5º ano da Faculdade Livre de Direito de Alagoas. Era membro do Instituto dos Advogados de Alagoas.
Politicamente atuava contra Getúlio Vargas sob a bandeira do retorno do país ao regime constitucional. Em 1933 era dirigente do Partido Nacional de Alagoas. No ano seguinte já estava no Partido Republicano de Alagoas, liderado por Osman Loureiro. Em 1935 já estava Silvestre Péricles.
Era suplente de deputado federal quando morreu em 7 de março de 1935, com 30 anos de idade. Atuava, com alguns amigos, para apaziguar os ânimos após o célebre tiroteio do Hotel Bella Vista entre os irmãos Góis Monteiro.
Após peregrinarem pelo Palácio do Governo e pelo Quartel do 20º BC, voltavam para Hotel Bella Vista quando resolveram conversar com Edgard de Góis Monteiro. O carro parou na porta da chefatura de Polícia e Rodolfo Lins desceu do automóvel. Foi recebido com um tiro de fuzil no coração. Em seguida o carro foi metralhado por um grupo sob o comando do inspetor Manoel Barbosa Cruz, autor do disparo contra o advogado. Adauto Viana ficou gravemente ferido, atingido na coxa direita. Guedes Quintella se jogou no piso do veículo e escapou dos tiros.
Parque Rodolfo Lins foi assim denominado (Decreto n° 642, de 23 de abril de 1947) em homenagem ao advogado. Era a antiga Praça do Bom Conselho. A Lei nº 3988, de 7 de julho de 1990, cumpriu a vontade popular e estabeleceu que ali é a Praça do Pirulito.
Parabéns meu amigo. Belo texto.
Uma excelente história do Estado de Alagoas
Prezado Ticianeli, grato pela publicação dessa página da História de Alagoas. Sem dúvida, muito triste.
Adoro essas história de Alagoas antiga.
Excelente texto do Edberto Ticianeli
Excelente texto do Edberto Ticianeli, aliás, Alagoas precisa reconhecer os méritos desse jornalista que resgata a cada instante a cultura alagoana.
Estão de parabéns por relembrar essas histórias verídicas do nosso estado
Grande Ticianeli, parabéns pelo site. O nosso Estado já precisava de algo assim para os mais jovens que desconhecem nossa história. Já era tempo de colocar no mundo virtual a nossa historia. Parabéns!!!!
Edberto, abra espaço para os/as novos poetas/poetisas. As formas tradicionais de acesso aos novos artistas são muito restritas. É necessário novas formas de acesso às novas produções.
Por favor, gostaria de esclarecer mais as razões para a tal tentativa de assassinato. Quem era o Moacir Santana que você cita como tendo ido mais longe que Povina nas razões do assassinato? Os jornais não registraram esse fato?
Estou enviando o link que esclarece quem é Moacir Santana. https://www.historiadealagoas.com.br/moacir-medeiros-de-santana-professor-pesquisador-e-doutor-em-historia-de-alagoas.html
Muito obrigado pela resposta. Você tem mais informações sobre esse episódio da tentativa de assassinato do poeta? Em que livro, texto, Moacir fala do assunto esclarecendo aquilo que Povina diz serem “motivos obscuros”? Aproveito também, perdão pelo abuso, para perguntar se tem informações e fontes sobre a morte de Lourival, o cunhado de Jorge, em uma briga de bar no Carnaval (1930? 31?)? Estranhamente a Hemeroteca da BN não tem o Jornal de Alagoas dessa época que poderia ter registrado tanto a morte de Lourival quando a tentativa de assassinato de Jorge. Jorge tinha relações com a família de Rodolpho Lins? Conhecia Helena? Agradeço desde já a atenção
Não conseguiu mais nada sobre esse entrevero com Jorge de Lima. Desconfio que as suas amizades na imprensa esconderam o episódio. Sobre o Lourival, não tenho nada. Não pesquisei nessa direção.
Muito obrigado