O poeta Moliterno
No começo ele foi alfaiate. A literatura o consagrou e ele foi presidente da Academia Alagoana de Letras
“… e perguntar às águas insufladas: em que ponto do mar ficou a ilha, naufragada no pranto dos meus olhos?”
Foi assim, com estes versos de forte beleza lírica, que o poeta Carlos Moliterno, alagoano nato e descendente direto de italianos da Calábria, que ele fechou o 36º soneto de uma série de 59 que compõe sua mais importante obra, “A Ilha”, de 1969, na opinião do próprio autor “o melhor trabalho na opinião coruja de um poeta”. Em 1955 exerceu pela 1ª vez a presidência da Academia Alagoana de Letras, ninguém melhor que Moliterno para traçar os caminhos da literatura Caetés, das gerações de poetas, escritores, críticos literários que marcaram presença neste século de literatura alagoana. “Geração não se mede pela idade, mas pelo que produz”, revela Carlos Moliterno.
Este poeta, hoje com 76 anos [em outubro de 1988], começou sua vida num modesto ofício, o de alfaiate. “Na época não existia ainda a indústria de roupas feitas. Toda sociedade confeccionava paletós de casimira, “smokins”, casacas e fraques nas dezenas de alfaiatarias da capital. Era o tempo em que todo mundo só ia para os bailes de casaca, fraque, bengala e chapéu”, lembra Moliterno. Autor de três livros de poesia, Carlos Moliterno foi também durante 15 anos editorialista dos jornais de Alagoas e Gazeta, onde inclusive passou maus bocados no governo de Muniz Falcão. “Foi uma turbulência muito grande naquele tempo”.
O interesse pela literatura foi uma escolha pessoal, diz Moliterno. “Gosto pessoal, sensibilidade estética, o hábito da leitura, e as novas maneiras de expressar. Escrever sempre foi minha vocação, que começou como revisor no Jornal de Alagoas. Em 1953 Moliterno lança seu primeiro livro de poesias, “Desencontro“, com estilo ainda parnasiano. Logo depois o poeta passa para o lado dos modernistas. Nesse tempo Moliterno se casa pela segunda vez com a poeta, atriz, artista e cantora Anilda Leão.
“Na época foi um escândalo para a então província. A sociedade não aguentava o desaforo de ver um homem casado sair assim à vista de todos. Mas, casamos legalmente e não teve nenhum problema”, lembra Anilda. Os dois se conheceram num passeio na Lagoa Mundaú, na companhia do poeta Jorge de Lima. Inspirada na convivência com o poeta Moliterno e colocando seu talento à prova, Anilda também seguiu a trilha da poesia e da prosa e publicou três livros: em 1961, “Chão de Pedras” e “Chuvas de Verão” e em 1980, um livro de ficção: “Riacho Seco“(Contos).
Apesar de ser bem casado e caseiro, Carlos Moliterno sempre gostou de uma boemia na companhia de amigos. O poeta Francisco Valois o definiu “como um autêntico boêmio, no bom sentido da palavra”, em depoimento à escritora Arriete Vilella, que escreveu em 1985 um livro bibliográfico de “Carlos Molitemo: Vida e Obra“. Valois acrescenta que a turma gostava muito de se reunir nos finais-de-semana no Bar Helvética e na Portuguesa, para tomar a famosa cerveja Faixa Azul da Antárctica. Outra passagem do livro eram os encontros com o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, que juntamente com Teotônio Vilela e Amoldo Jambo, na companhia de Moliterno, percorriam não somente bares, mas alguns prostíbulos. “O Aurélio queria sempre ir aos prostíbulos, todavia apenas para conhecer. Lá, nós bebíamos e conversávamos, mas não demorávamos por muito tempo”, relembra Moliterno.
Foi através do movimento de literatos, poetas, advogados e gente influente nas alfaiatarias de Maceió, como a do espanhol Gregório Fontam, o italiano Antonio Perreli e Paschoal Savastano, que Carlos Moliterno começou a penetrar no mundo intelectual da província. Mas o tempo ainda não era de poetas, mas de gente influente. “O primeiro presidente da Academia Alagoana de Letras não era literato, mas um representante do governador Fernandes Lima, Demócrito Gracindo, pai do ator Paulo Gracindo. Um excelente orador, mas sem livros publicados, nesse tempo não se exigia que o presidente fosse um homem letrado”.
Mas o primeiro intelectual alagoano com projeção no cenário nacional, no final do século passado, foi o poeta Guimarães Passos, que também foi o primeiro conterrâneo a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1896. Segundo Moliterno, que ainda não havia nascido nesse tempo, Passos foi contemporâneo de Olavo Bilac, Coelho Neto, Joaquim Nabuco. Depois dele veio Goulart de Andrade, poeta parnasiano (escola literária que dominava o cenário da época, depois triturada com a chegada da poesia modernista brasileira, segundo Molitemo). Precursor da primeira fornada de gênios literários alagoanos, Goulart foi o segundo nome de Alagoas a entrar na Academia Brasileira de Letras.
Mas foram duas as gerações que deixaram seu toque de encanto, lirismo e densa poesia e prosa. A de 1930, que contava então “com o maior dos poetas brasileiros”, Jorge de Lima, e mais Diégues Júnior, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima, Aloísio Branco, Cipriano Jucá. Foi nessa época também quando surgiu o chamado romance social nordestino, com forte inclinação pela realidade porque passava o país e o Nordeste principalmente. Moliterno cita os romances de José Lins do Rego sobre o ciclo da cana e o “O 15” de Raquel de Queiroz, ambas residentes na época em Maceió, e mais ainda Graciliano Ramos e o paraibano José Américo, com o romance “A Bagaceira“. Outra fase áurea de nossa prosa e poesia foi a de 1945, a geração do pós-guerra. Mas antes dela um movimento marcou os meios literários brasileiros, mas que chegou com atraso nas plagas nordestinas.
Foi a Semana de Arte Moderna em 1922, que segundo Carlos Moliterno não teve reflexo direto em Alagoas, nem no Nordeste. “Enquanto a Semana de Arte Moderna renovava todos os padrões literários da época, outra tendência estava condenada, o parnasianismo”. Quem apareceu com essa renovação literária foi o poeta Jorge de Lima em sua melhor fase. Jorge escreveu então suas primeiras poesias modernistas e começou logo com a melhor de todas elas, segundo Moliterno: “A Invenção de Orfeu“. “Vai levar algum tempo ainda para que se faça uma poesia como essa do Jorge de Lima”, diz Moliterno. Para ele, só um pouco depois, em 1928, é que o modernismo nordestino “foi deflagrado”. Era o Movimento Literário Nordestino capitaneado pelo sociólogo Gilberto Freire.
Na geração de 45, na qual o poeta Carlos Moliterno se insere, o movimento cultural alagoano toma novos rumos, com o modernismo sendo a corrente literária mais influente nessa nova geração. Estão entre os poetas desse tempo, Ledo Ivo, Breno Acioly (ficcionista), Francisco Valois (poeta), Cléa Marsíglia, Luiz Gonzaga Leão, Carlos Moliterno e Anilda Leão. Mesmo participando ativamente desses tempos, Moliterno só veio a escrever seu primeiro livro em 1953: “Desencontro“, poesias parnasianas. Só a partir dos anos 80 é que surge uma nova safra de bons poetas, como reconhece Moliterno, entre eles Lúcia Guiomar, Marcos Farias Costa, José Geraldo Marques entre outros. “Eles têm publicado muita coisa boa. Alguns com o mau hábito de falar mal de outras gerações e da própria Academia Alagoana de Letras”.
Quanto à novíssima geração, Moliterno é da opinião que a política está atrapalhando a poesia. “Vejo a nova geração com mais interesse político que cultural. Quem quiser fazer críticas à realidade do país é muito melhor escrever em prosa, em material jornalístico do que na poesia. Escrever poesia é ter um momento lírico e dramático“, observa Moliterno.
*Publicado originalmente na revista Última Palavra de 21 de outubro de 1988.
No final dos anos sessenta e início dos setenta trabalhamos juntos, na velha Imprensa Oficial do Estado, foi meu padrinho de casamento, um dos maiores comedor de Siri de coral, acompanhado, lógico, de uma Antártica gelada: