O Natal de 1917 em Maceió

Publicado na revista Fon Fon de dezembro de 1917, sem a identificação do autor

Carro de Boi na Rua do Comércio em Maceió no início do século XX

Maceió, capital do Estado de Alagoas, é uma cidade quase moderna: é iluminada à luz elétrica, tem estradas de ferro, cafés, bilhares, fábricas de tecidos, colégios, seminário episcopal, etc.

Esse progresso, porém, não impede que o velho carro de bois ainda transite pelas suas ruas, calçadas de paralelepípedo, atravessadas por linhas telefônicas e telegráficas, vias férreas, e veículos menos atestadores de decadência ou infância.

Chegança em Maceió em foto de Luiz Lavenère em 1905, publicada no livro Lembranças de Maceió e na Revista Fon Fon de dezembro de 1917

O carro de bois é utilizado ainda, nesta cidade, para conduzir famílias a lugares distantes, na estação do Natal.

Imaginemos uma dessas interessantes viagens.

É pela madrugada a hora da partida.

À porta dos que vão passar o dia de Natal fora da cidade, está o carro de bois.

Galantes raparigas empunham harmônicas, pandeiros, ganzá, etc.

Talvez não saiba o leitor que coisa seja um ganzá

É simplesmente um tubo de folha de flandres com algumas pedrinhas dentro…

Fandango entre Pajuçara e Jaraguá em Maceió. Revista Fon Fon de 14 de fevereiro de 1914

Serve para animar a nossa dança popular, o coco ou samba.

Difícil seria descrever um coco verdadeiramente alagoano, mas não é aqui o seu lugar.

À frente do carro vai uma caixa de provisões para o dia: a panela de mão de vaca, sarapatel, lombos cheios, fritadas de camarões, o nosso indispensável sururu, e a não menos indispensável quantidade de vinho, cerveja, aguardente fina, bem azuladinha…

Os cajus, as melancias, jacas e outras frutas encontram-se pelo caminho.

O pão quentinho é comprado à última hora, quando o primeiro alvor do dia apressa a partida.

Moças, crianças, as mamãs e as titias arrumam-se no carro de bois, como sardinhas em lata.

Um toldo de esteiras de piripiri abriga-as do sol.

Os rapazes e o chefe da caravana cavalgam ao lado, em animais que até a véspera não sabiam que gosto havia em suportar uma sela.

Não faz mal; o tempo é de festa e a festa não é boa sem esses disparates que fazem rir.

Parte o carro, chiando um gemido que não acaba, tombando, subindo e descendo, quebrando as costelas das criaturas, que noutra ocasião chorariam em vez de rir e cantar.

Viajam assim duas horas! Atravessam ribeiros cuja água vai molhar os vestidos de alguma das viajantes; chegam emfim, cansadas, as faces rubras, as mãos vermelhas de palmas que bateram acompanhando as cantigas de coco.

Têm que voltar ainda no mesmo carro, e voltam sem a mesma alegria da partida…

No dia seguinte o pobre carro de bois continua a carregar lenha grossa, mas não vem chiando o seu lamento que é o encanto do carreiro, porque a municipalidade não permite que se juntem duas velharias tão velhas dentro de uma cidade tão nova.

É a chegança um dos divertimentos populares do Estado de Alagoas.

Na estação do Natal a barca dos chegantes vai cada noite até a casa de um divertido cidadão, executa manobras de guerra, sua tripulação conta histórias que em algum tempo foram verdadeiras, como naufrágios, combates navais, etc. e acabada a festa vem a ceia lauta que o visitado oferece aos chegantes.

Dura esse divertimento desde a noite de Natal até o dia de Reis.

A barca que aí se vê (no início do texto) foi uma das mais notáveis em Maceió. A figura que está à proa é a do guardião, mostrando o cornimboque em que tem o seu rapé; o outro, é o ração.

1 Comentário on O Natal de 1917 em Maceió

  1. André Soares // 3 de dezembro de 2018 em 20:46 //

    Muito bom.
    Você sabe quem eram os organizadores dessa Chegança e do fandango? Os mestres?

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