O Natal de 1917 em Maceió
Publicado na revista Fon Fon de dezembro de 1917, sem a identificação do autor
Maceió, capital do Estado de Alagoas, é uma cidade quase moderna: é iluminada à luz elétrica, tem estradas de ferro, cafés, bilhares, fábricas de tecidos, colégios, seminário episcopal, etc.
Esse progresso, porém, não impede que o velho carro de bois ainda transite pelas suas ruas, calçadas de paralelepípedo, atravessadas por linhas telefônicas e telegráficas, vias férreas, e veículos menos atestadores de decadência ou infância.
O carro de bois é utilizado ainda, nesta cidade, para conduzir famílias a lugares distantes, na estação do Natal.
Imaginemos uma dessas interessantes viagens.
É pela madrugada a hora da partida.
À porta dos que vão passar o dia de Natal fora da cidade, está o carro de bois.
Galantes raparigas empunham harmônicas, pandeiros, ganzá, etc.
Talvez não saiba o leitor que coisa seja um ganzá…
É simplesmente um tubo de folha de flandres com algumas pedrinhas dentro…
Serve para animar a nossa dança popular, o coco ou samba.
Difícil seria descrever um coco verdadeiramente alagoano, mas não é aqui o seu lugar.
À frente do carro vai uma caixa de provisões para o dia: a panela de mão de vaca, sarapatel, lombos cheios, fritadas de camarões, o nosso indispensável sururu, e a não menos indispensável quantidade de vinho, cerveja, aguardente fina, bem azuladinha…
Os cajus, as melancias, jacas e outras frutas encontram-se pelo caminho.
O pão quentinho é comprado à última hora, quando o primeiro alvor do dia apressa a partida.
Moças, crianças, as mamãs e as titias arrumam-se no carro de bois, como sardinhas em lata.
Um toldo de esteiras de piripiri abriga-as do sol.
Os rapazes e o chefe da caravana cavalgam ao lado, em animais que até a véspera não sabiam que gosto havia em suportar uma sela.
Não faz mal; o tempo é de festa e a festa não é boa sem esses disparates que fazem rir.
Parte o carro, chiando um gemido que não acaba, tombando, subindo e descendo, quebrando as costelas das criaturas, que noutra ocasião chorariam em vez de rir e cantar.
Viajam assim duas horas! Atravessam ribeiros cuja água vai molhar os vestidos de alguma das viajantes; chegam emfim, cansadas, as faces rubras, as mãos vermelhas de palmas que bateram acompanhando as cantigas de coco.
Têm que voltar ainda no mesmo carro, e voltam sem a mesma alegria da partida…
No dia seguinte o pobre carro de bois continua a carregar lenha grossa, mas não vem chiando o seu lamento que é o encanto do carreiro, porque a municipalidade não permite que se juntem duas velharias tão velhas dentro de uma cidade tão nova.
É a chegança um dos divertimentos populares do Estado de Alagoas.
Na estação do Natal a barca dos chegantes vai cada noite até a casa de um divertido cidadão, executa manobras de guerra, sua tripulação conta histórias que em algum tempo foram verdadeiras, como naufrágios, combates navais, etc. e acabada a festa vem a ceia lauta que o visitado oferece aos chegantes.
Dura esse divertimento desde a noite de Natal até o dia de Reis.
A barca que aí se vê (no início do texto) foi uma das mais notáveis em Maceió. A figura que está à proa é a do guardião, mostrando o cornimboque em que tem o seu rapé; o outro, é o ração.
Muito bom.
Você sabe quem eram os organizadores dessa Chegança e do fandango? Os mestres?