O Leprosário de Maceió no Tabuleiro do Martins
Diferente do senso comum, que se refere ao Lazareto do Francês como um “Leprosário“, os registros históricos somente mencionam uma única obra em Alagoas voltada para o atendimento exclusivo dos pacientes acometidos pelo Mal de Hansen.
A sua construção começou a ser cogitada somente na década de 1930 pelo médico dr. José Lages Filho, que também advogava a necessidade do Estado organizar departamentos específicos para cuidar destes enfermos em Alagoas, estimados por ele em aproximadamente 200 indivíduos.
Essa cobrança do médico alagoano passou a ser mais efetiva devido a negativa do leprosário pernambucano em continuar a aceitar pacientes de outros Estados.
A primeira conquista do dr. Lages Filho foi a instituição do Serviço de Profilaxia da Lepra em Alagoas, em 1939, que passou a dispor de Dispensário e Preventório.
Atendendo a demanda de Alagoas, o governo de Getúlio Vargas autorizou a construção do leprosário ainda em 1938, durante a gestão de Osman Loureiro. A obra foi orçada em mais de 48:000$000, sendo 8:000$000 do Estado e 40:000$000 do Governo Federal.
Foi inaugurada no dia 15 de novembro de 1940. Era a Colônia Eduardo Rabelo, localizada no Tabuleiro do Martins, numa área considerada então como muito afastada da cidade.
Atualmente no local funciona a Unidade de Internação Provisória Masculina da Superintendência de Medidas Socioeducativas – SUMESE, mas durante muito tempo foi conhecida como Cidade de Menores Humberto Mendes (ao lado do Aeroclube de Maceió), ali instalada durante o governo de Muniz Falcão.
Colônia Eduardo Rabelo
No dia 13 de março de 1941, o Jornal do Brasil publicou que o ministro da Educação aprovou a proposta do dr. Ernani Agrícola, diretor da Divisão de Saúde Pública do Departamento Nacional de Saúde Pública, denominando a “colônia para leprosos construída pela União em Maceió” como Eduardo Rabelo, que foi o primeiro inspetor dos serviços de lepra e doenças venéreas do DNSP. O doutor Francisco Eduardo Rabelo foi autor “de magnífica legislação brasileira sobre lepra e grande especialista de fama mundial…”.
Segundo relatório do Serviço Nacional de Lepra, publicado no Jornal do Commercio de 9 de julho de 1941, a Colônia alagoana recebia naquela data 22 pacientes. Um número muito distante dos 200 enfermos previstos pelo dr. Lages Filho.
Uma nota publicada no jornal Correio da Manhã, de 18 de janeiro de 1942, revela que quando inaugurada em 1940, a Colônia ainda estava em obras: “Tribunal de Contas ordenou o registro da distribuição do crédito de 142:997$000 à Delegacia Fiscal no Estado de Alagoas, como auxílio ao governo do Estado, para prosseguimento das obras de construção da Colônia Eduardo Rabelo”.
Esse fato pode ser explicado por ter sido a Colônia erguida durante a administração de Osman Loureiro. No fim do seu governo, fez questão de participar da inauguração, que ocorreu em novembro de 1940. Foi substituído por Ismar de Góis Monteiro.
Em 21 de janeiro de 1948, a Colônia continuava a receber investimentos, como noticiou o Diário de Pernambuco. Uma pequena nota comunicava que o Governo Federal havia liberado um crédito especial de 1 milhão e 30 mil cruzeiros “para pagamento de despesas decorrentes da aquisição de equipamentos de diversos leprosários, figurando a Colônia Getúlio Vargas, da Paraíba, e a Colônia Eduardo Rabelo, de Alagoas, com as quantias, respetivamente, de 40 e 50.000 cruzeiros”.
Outro investimento ocorreu em 1950, quando o então governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro autorizou a construção de uma capela no Salão de Diversões da Colônia. Fez divulgar que a obra era “para melhorar as condições onde viviam aqueles deserdados da sorte”.
O tratamento
Entre o descobrimento do agente causador da lepra — bacilo mycobacterium leprae — em 1873, pelo norueguês dr. Gerhard Armauer Hansen, e os primeiros resultados positivos no tratamento da enfermidade foram utilizados muitos anos em pesquisas.
Os primeiros tratamentos, sem grandes resultados, utilizavam a injeção, sempre muito dolorosa, do óleo de uma planta conhecida como chaulmoogra. Foi a partir do uso da sulfona, droga com efeitos antibióticos, que a doença passou a ser controlada e as primeiras curas foram anunciadas.
Com a continuação das pesquisas, descobriu-se que a combinação de várias drogas conseguia-se um alto índice de curas. A partir de 1981, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar a terapia múltipla (chamada também de poliquimioterapia, ou PQT), incluindo as drogas dapsona, rifampicina e clofazimine.
As primeiras curas da hanseníase no Brasil ocorreram no então Sanatório Paulo Bento, em São Paulo, a partir de 1944, quando as sulfonas chegaram da Inglaterra pelas mãos do dr. Lauro de Souza Lima, diretor do Sanatório e do Departamento de Profilaxias da Lepra do Estado de São Paulo, além de consultor científico da ONU.
Em 10 de fevereiro de 1950, a agência Meridional divulgou para os veículos do grupo Diários Associados que a Fundação Welcone, da Inglaterra, prometera ceder ao já Leprosário Padre Bento, em São Paulo, a fórmula da solução sulfônica. Uma vitória do dr. Souza Lima que havia estado em Londres a convite da Welcone.
A droga também passou a ser utilizada em Alagoas ainda nos primeiros anos da década de 1950, coincidindo com o período de governo de Arnon de Melo (1951-56), que soube capitalizar como uma conquista da sua administração os bons resultados obtidos com o tratamento, o que o levou, no dia 31 de janeiro de 1954, a visitar a Colônia Eduardo Rabelo, às 11h30, para acompanhar a alta concedida a 10 pacientes.
Em 29 de outubro de 1954, em O Jornal, o dr. Aldo Cardoso, diretor da Colônia Eduardo Rabelo, anunciou que até dezembro daquele ano o estabelecimento seria fechado por falta de doentes, informando que naquela data somente existiam cinco enfermos “em vias de cura e de ter alta em dois meses”. O jornal avaliava que está colônia seria a primeira a fechar no Brasil por ser desnecessária.
Somente em 24 de abril de 1956 foi que de fato o conjunto de edifícios no Tabuleiro do Martins deixou de funcionar como leprosário para dar lugar, nos anos seguintes, à Cidade de Menores Humberto Mendes. Foi reformada em 1974, durante o governo de Afrânio Lages.
O Diário de Pernambuco, em 21 de abril de 1957, confirmava a falta de pacientes com nova declaração do chefe do Serviço de Lepra em Alagoas, dr. Aldo Cardoso. Ele afirmara ao Jornal de Alagoas que a Colônia havia sido fechada “por não mais existirem hansenianos contagiantes no Estado”.
Aldo Cardoso revelava ainda que a média mensal dos internos era de 30 indivíduos e que “desde 1937, quando se fez o primeiro censo de lepra, até esta data, [foram tratados em Alagoas] 152 doentes. Destes, 45 faleceram, 38 não contagiantes e com alta hospitalar estão sob a vigilância deste Serviço e nos restantes 70 estão agrupados os recambiados, transferidos e foragidos para outros Estados”.
A Colônia fechou e o governador Arnon de Melo propagou em quase todos os jornais do país que era um grande feito da sua administração. Um fato inédito no país: um hospital fechar por falta de pacientes.
Entretanto, a realidade não era bem essa. Os pacientes continuaram a existir, mas passaram a ser tratados em Pernambuco, como revelou uma nota publicada no Diário de Pernambuco de 21 de junho de 1961.
A informação divulgada naquele periódico era a de que houve uma reunião para discutir um convênio que garantia o internamento dos pacientes de hanseníases oriundos de Alagoas na Colônia de Mirueira, em Paulista, Pernambuco.
Quem representou a Saúde alagoana no ato foi o dr. Armando Lages, secretário da área. Estavam presentes também o delegado Federal da Saúde em Pernambuco, Costa Carvalho, e o secretário de Saúde e Assistência Social de Pernambuco, Bertoldo Kruse.
“Durante o encontro, foi reajustado o convênio existente entre o Governo de Pernambuco e o de Alagoas, no sentido de serem internos na Colônia da Mirueira os leprosos enviados de Maceió. Isto já vinha sendo feito, desde há algum tempo, em virtude de não existir leprosários nas Alagoas”.
Oito décadas após ser inaugurada a primeira grande instituição voltada para o tratamento desta enfermidade, ela continua presente entre nós. Em janeiro de 2019, a Secretaria Estadual de Saúde anunciou que os novos casos de hanseníase detectados em Alagoas haviam crescido de 307 em 2017 para 334 em 2018.
Os profissionais em saúde alertam que a maior dificuldade com os hansenianos é a de manter o paciente medicado até o final do tratamento, que pode durar seis meses quando a forma é falciforme, podendo atingir até 12 meses em casos mais específicos. Quando se abandona o tratamento, a hanseníase volta a se desenvolver, aumentando sua resistência à medicação.
Matéria muito boa. Uma pesquisa muito importante para nossa história. Só queria fazer uma pequena correção o nome oficial do Bairro é Tabuleiros DO Martins. Se possível editar o texto .
Muito boa essa matéria, nunca soube da existência desse hospital, hoje o numero de doentes ainda é grande.
Desde essa época um Collor de Melo faz merda. Uma verdadeira lepra para o povo alagoano.
Essa pejoracão continua em usar palavras que não nos representa é problemático.
Hanseníase tem cura e as antigas denominações devem ser substituídas.
Matéria excelente.
Matéria muito boa que evidencia todo o processo de tratamento da Hanseníase em nosso Estado
Fiquei surpresa com o grande número de casos em 2018😱.
E eu que acreditava que era uma obra dos holandeses na época que eles desbravaram os nossos continentes. Me refiro as ruínas do leprosário na praia do Frances em Alagoas. Se alguém souber mais sobre essa história, me avisa pois eu estudo sobre esses eventos. 84 982002006 Cleber Guilherme é o meu nome.