O Lazareto do Porto do Francês em Marechal Deodoro

Ruínas do Lazareto do Francês

Quando Antônio Coelho de Sá e Albuquerque assumiu a presidência em 13 de outubro de 1854, após ter sido nomeado em 8 de julho de 1854, a Província de Alagoas ainda se recuperava dos estragos causados pelo “flagelo da febre amarela”, como constatou o presidente anterior, dr. Manoel Sobral Pinto.

Em 1º de março de 1855, Sá e Albuquerque ainda cobrava um cemitério para a capital quando teve que também anunciar que desde o final do ano anterior havia uma epidemia de Cólera-morbo se espalhando pela Europa e que havia recebido do Governo Imperial do Brasil recomendações para que adotasse medidas sanitárias e preventivas, entre elas a construção de um Lazareto em lugar conveniente.

O Lazareto do Porto do Francês foi construído em 1855

Após receber a colaboração de uma “Comissão composta de homens habilitados” para a escolha do local, Sá e Albuquerque anunciou: “Escolhi a costa do Porto do Francês, três léguas ao Sul desta Capital, aonde as correntes dos ventos não podem danificar os povoados vizinhos, e podem ancorar em porto seguro os navios que trouxerem doentes a bordo, e que deverem ser infectados”.

No Diário de Pernambuco de 27 de fevereiro de 1855, o seu correspondente em Alagoas descreve alguns eventos promovidos pelo presidente da Província, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, em Alagoas (Marechal Deodoro) e em São Miguel, entre eles o assentamento da Pedra Fundamental do Lazareto, que aconteceu às 16h30 na Praia do Francês. Estavam presentes o capitão do corpo de engenheiros Marcolino Rodrigues da Costa, José Alves, que liderava o mestre de obras e os outros trabalhadores, e o Padre Mello, que abençoou a primeira pedra ali colocada, considerando que os alicerces já estavam prontos.

“Foi um ato bem simples, grave e majestoso o que ali se celebrou: aquele padre revestido dos veneráveis paramentos sacerdotais, abençoando a primeira pedra de um edifício destinado a segregar infelizes da comunhão dos outros homens, tendo por templo a abóbada celeste, por altar a natureza em seu aspecto mais pomposo, por pavimento a areia, por música o bramir do oceano e o sibilar dos ventos, e por acólitos e espectadores alguns homens silenciosos e reverentes, tinha um não sei que de sublime e grandioso que impunha sentimentos de adoração, respeito e compunção, e fazia elevar-se o pensamento até as alturas da imensidade e onipotência do Criador de todas as coisas!”, assim descreveu aquele momento o correspondente.

Em maio de 1855, quando entregava o governo a Roberto Calheiros de Mello, Sá e Albuquerque apresentou relatório aos deputados informando que o Lazareto estava pronto e elogiou o encarregado de sua construção “não duvidou sacrificar o próprio interesse dando a obra mais sólida do que a que estava recomendada pela planta”.

Ruínas do Lazareto do Francês

Cobrou a necessidade de uma cozinha e uma cisterna para o prédio e comunicou que havia indicado Antônio Tavares Bastos para zelar pelos “móveis deste Estabelecimento”, gratificando-o anualmente com 240 mil réis. Um estudo recente da arquiteta Sara Azevedo Martins identificou que o Lazareto era pequeno e retangular, medindo 19,50m por 13,50m e coberto por duas águas. Internamente tinha uma grande enfermaria e mais três áreas de serviços, além de uma cisterna.

Em 19 de outubro de 1855, correspondência enviada de Alagoas foi publicada do Diário de Pernambuco informando que o Lazareto do Francês tinha entrado em funcionamento no dia 16 de setembro e que os passageiros do vapor Santa Cruz, da companhia do mesmo nome, foram os primeiros ali recolhidos. O paciente contaminado nele embarcado foi tratado pelo dr. Constantino Teixeira Machado e ficou completamente reestabelecido.

Os passageiros do Paraná também foram recolhidos ao Lazareto. Estavam embarcados nele os deputados Titara, Silverio, Sobral e Manoel Joaquim. Este, com sua esposa, receberia em Jaraguá festiva recepção dos amigos e parentes, mas foram malogrados pela “maldita quarentena”. Passou dez dias no Lazareto.

Em 8 de outubro, o vapor Tocantins ancorou em Jaraguá, mas os sete passageiros que ali desembarcariam foram levados para o Lazareto, “onde se conservaram sob a guarda e a vigilância de um destacamento”.

De volta ao poder no início de 1856, Sá e Albuquerque tornou a tratar do Lazareto, esclarecendo que a sua finalidade era o de isolar em quarentena os passageiros procedentes de lugares infecionados, onde receberiam medicamentos e a atenção de dois cirurgiões do corpo de saúde do Exército.

Ainda em 1856, quando a epidemia já estava controlada, o governante constatou que 17 mil vidas “foram ceifadas no solo alagoano”.

Localização do Lazareto do Francês

Em 1870, o Lazareto foi citado no orçamento do Império com a destinação de recursos para gratificar o guarda do prédio.

Essa situação foi confirmada por Thomas Espíndola em sua Geografia Alagoana de 1871. Descreveu que o Lazareto estava em ruínas e explicou que a instituição se inviabilizou por ser de difícil acesso, principalmente por não oferecer cais para as atracações, dificultando a chegada de remédios, mantimentos e o desembarque dos pacientes e médicos.

No início de março de 1872, a febre amarela voltou a ameaçar Alagoas. No porto de Jaraguá, três marinheiros da barca inglesa Lady Milne, oriunda de Pernambuco, tiveram que ser desembarcados e levados para o Hospital da Caridade em Maceió. O presidente da Província, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, imediatamente ordenou que todas as embarcações com doentes a bordo ou procedentes de portos infeccionados, incluindo Pernambuco, fossem para a quarentena no Porto do Francês. O Lazareto foi reativado e nomeado para dirigi-lo o médico dr. João Francisco Dias Cabral.

O Lazareto ainda foi citado entre 1891 e 1898 nos almanaques e nos relatórios do Ministério da Fazenda sobre seus prédios próprios nos Estados: “Uma casa em Alagoas. Estado sofrível. Serve de lazareto no Porto Francês” (1892). Tinha como guarda José da Neves Moraes.

Nos relatórios entre 1896 e 1898, o Ministério da Fazenda reforça a função do lugar: “Uma casa térrea, isolada, no porto do Francês. Hospital marítimo para quarentena de navios”.

Em outubro de 1903, os deputados alagoanos Wanderley de Mendonça, Euzébio de Andrade e Arroxellas Galvão tentaram aprovar uma emenda destinando 15:000$000 para consertos e reparos no Lazareto do Porto do Francês. A Comissão de Orçamento rejeitou a proposta sob o argumento que o estabelecimento não era a cargo da União. Contraditoriamente, nesse mesmo ano um relatório da República revelava que se despendia anualmente 175$000 com o guarda do Lazareto, que passou a ser tratado como Hospital de Isolamento. Dois anos depois já pagava 660$000 pelo mesmo serviço.

A emenda foi reapresentada em 1904 e novamente rejeitada, mas, desta feita, utilizando-se novo argumento: “O Lazareto do Francês, em Maceió (sic), no Estado de Alagoas, não está em condições de necessitar reparos e consertos. A Comissão não aceita a emenda”.

O deputado Raimundo de Miranda insistiu na sua aprovação afirmando que a emenda era uma “necessidade indeclinável”, e justificou: “O Lazareto do Porto do Francês é um edifício em ruínas; é um ótimo hospital, esplendidamente situado. O Lazareto não pode deixar de ter utilidade pública principalmente quando já se avizinha das Alagoas a peste bubônica que já está na Bahia”. Não adiantou o apelo e a emenda foi rejeitada.

Em 30 de outubro de 1906, o deputado Euzébio de Andrade voltou a tentar aprovar emenda orçamentária para beneficiar o Lazareto. Reduziu o valor para 12:000$000. Não se tem informações sobre o que aconteceu com ela, mas é provável que tenha sido rejeitada.

Com o crescimento das populações das cidades e a adoção de novas formas de transportes, a quarentena de navios foi sendo abandonada, passando-se a adotar os Hospitais de Isolamento. O de Maceió começou a ser projetado em março de 1895 e foi autorizada a sua construção pela Lei nº 89 de 25 de julho de 1895. Entretanto, somente em 2 de maio de 1912 foi inaugurado no Trapiche da Barra, onde atualmente estão algumas unidades da Polícia Militar. Ainda em 1896 foi instalado uma unidade de isolamento provisória na capital.

Na Praia do Francês, o Lazareto foi definitivamente abandonado, mas a solidez da obra elogiada por Sá e Albuquerque ainda pode ser comprovada. As paredes do Lazareto permanecem de pé na Praia do Francês.

Essa pesquisa encontrou alguns estudos mais recentes que se referem ao Lazareto como Leprosário do Francês. Mesmo considerando que as expressões são sinônimas, não foi encontrado registro algum indicando que aquele prédio recebeu, além dos passageiros de navios, pacientes doentes com a Peste, Febre Amarela ou Cólera, ou que também tenha sido utilizado como colônia para tratamento de hansenianos.

7 Comments on O Lazareto do Porto do Francês em Marechal Deodoro

  1. Fetnando Augusto // 10 de maio de 2019 em 00:24 //

    As ruinas sao popularmente conhecidas como LEPROSARIO. Os natibos assim o conhebem. Logo se forem visitarbe perguntatem peli lazateto, nao terão exito.

  2. André Soares // 10 de maio de 2019 em 05:39 //

    Informação sempre precisa.
    Parabéns.

  3. Pessoal, quem tiver interesse em ler mais, uma cópia do meu trabalho encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Fiz um levantamento histórico e arquitetonico do Lazareto (Leprosário). Um ano depois, na Pós Graduação em Conservação e Restauração de Patrimônio Histórico na UFBA, elaborei uma proposta de revalorização da área e conservação das ruínas. Uma pena que o poder público não manifesta interesse em preservar essa ruína, que é um dos últimos exemplares existentes no país.

  4. Claudio Ribeiro // 12 de maio de 2019 em 19:02 //

    Lamentável o abandono de uma instituição dessa, pública, construída com recursos públicos e com uma finalidade humanitária.
    Caro Ticianelli, imensamente grato pela publicação das edições de História de Alagoas.
    Comento que ocorreu um equívoco de digitação – 1º de março de 1955, quando o correto, suponho, seja 1º de março de 1855.
    Muito grato,
    Claudio Ribeiro – C. Abreu, RJ.
    Alagoano – de Fernão Velho

  5. Ticianeli // 12 de maio de 2019 em 20:55 //

    Obrigado, Cláudio. Corrigimos. Esse é o erro mais cometido (1900 por 1800).

  6. Aline Moura // 30 de março de 2020 em 22:58 //

    Conheci o Lazareto guiada por um nativo. As ruínas contam a história do local. Os nativos de Marechal alimentam uma história de que os franceses no seculo XIX escondiam tesouros aos fundos do leprosário, assim chamado por eles, para fugirem do pagamento de impostos. E como todos tinham medo de ir até o local, tornou-se um esconderijo perfeito. Por isto alimentavam a história de que o recinto abrigava hansenianos.
    O trecho até as ruínas é muito lindo, mas aconselho irem acompanhados por nativos, pelo risco de assaltos.

  7. Excelente material sobre as o Lazareto. Obrigada @

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