O início da modernização na província de Alagoas

Estação Ferroviária da Great Western em 1906

Douglas Apratto Tenório

A partir do final da década de 40, e por toda a segunda metade do século XIX, o império brasileiro assistirá a um acelerado surto de progresso e melhoramentos materiais, resultante não apenas da extraordinária expansão da economia cafeeira mas também pelo aumento populacional, pelo florescimento de centros urbanos. a chegada intensa de imigrantes estrangeiros, aparecimento do trabalho livre em choque com o trabalho escravo e, principalmente, pela ampliação do mercado externo.

Alguns autores, referindo-se ao inusitado surto de desenvolvimento da época, chegam a considerá-lo como o momento de maiores transformações econômicas da história brasileira.

A província de Alagoas, como as demais, participou dessas vigorosas transformações, dividida entre os surtos progressistas e as forças tradicionais, influenciada pela presença do capital inglês que dominava os novos empreendimentos econômicos.

No início do segundo quartel do século XIX, a antiga Comarca de Alagoas, já desmembrada da Capitania de Pernambuco, apesar dos óbices e percalços naturais com que se defrontavam as demais províncias apresentava saudáveis indicadores que justificavam plenamente a conquista do governo próprio, iniciada com Melo e Póvoas. Emancipação, aliás, provocada, acima de tudo, por “fatores econômicos e demográficos que, operando o desenvolvimento da comarca, haviam preparado o drama histórico da autonomia”. (1).

Sua população de 89.589 habitantes, na época de sua emancipação política, conforme inquérito censitário efetuado pelo famoso Ouvidor Ferreira Batalha, aumentara para 249.687 habitantes em 1870, e nos resultados do recenseamento levado a cabo em 1870 – um dos mais regulares e coerentes entre os desencontrados e inúmeros trabalhos censitários, ela acusava 341.316 pessoas entre livres escravos, num aumento realmente considerável, de acordo com o que nos apresenta o quadro abaixo.

Operosos povoados transformados em vilas, disseminados pelo “hinterland“, exigiam a organização regular, os benefícios e as garantias da legislação: surgem as comarcas, freguesias, municípios, nesses núcleos que se formam naturalmente como efeito da ação povoadora. A densidade demográfica já alcança níveis razoáveis e a população da província supera muitas outras, como a do Amazonas, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Mato Grosso, Espírito Santo e Santa Catarina.

As desencontradas apurações dos diversos censos provinciais assinalam um dado constante e real: as cifras da população escrava ainda são significativas. Ela que carrega sobre os ombros o arcabouço econômico das Alagoas, fundamentado na agricultura monocultura, particularmente do açúcar e algodão, vai decaindo a cada censo promovido, enquanto, simultaneamente, a população livre vai se elevando.

No início daquela mesma década, o painel administrativo da Província discriminava nove comarcas que, em breve, se elevariam para catorze: Maceió, Passo de Camaragibe, Porto Calvo, Atalaia, Imperatriz, Alagoas, Anadia, Penedo e Paulo Afonso. “Essas nove comarcas abrangiam dezoito termos. Os municípios eram dezoito, com quatro cidades, catorze vilas e cento e dez povoados, inclusive oito aldeamentos de índios – eram Maceió, Santa Luzia, Porto Calvo, Porto de Pedras, Passo de Camaragibe, Alagoas, São Miguel, Pilar, Atalaia, Imperatriz, Assembléia, Anadia, Coruripe, Palmeira, Traipu, Matta Grande e Pão de Assucar”. (3)

Descida da Catedral e Rua Floriano Peixoto, atual Rua do Imperador

Maceió, cujo desenvolvimento comercial e privilegiada situação geográfica lhe tinham valido, em 1839, a condição de capital da Província, em substituição à vetusta vila de Alagoas (4), já contava com cerca de 53 ruas e várias povoações ou arrabaldes em torno de seu perímetro urbano. Entre essas povoações, estavam Jaraguá, Trapiche da Barra, Poço, Bebedouro e Mangabeira, atualmente bairros da capital. A povoação de Pioca (5), que fazia parte da freguesia de Maceió, dentro da circunscrição eclesiástica, destacava-se no quadro geral da Província por apresentar uma alta taxa de escravos na sua população: 3.326 para 10.668 homens livres, segundo o abalizado trabalho de Espíndola.

A economia provincial repousava basicamente no açúcar. Os núcleos urbanos mais importantes estavam encravados na área açucareira. Nela formaram-se as oligarquias que, vindas do período colonial, sedimentaram o seu prestígio social e político, detendo o poder das grandes decisões e das diretrizes assumidas pelos governos que se sucederam na Província.

Ele está de tal sorte ligado à História de Alagoas que, para a interpretação do seu passado, da sua evolução, para o conhecimento do homem alagoano, da sua sociedade colonial, imperial ou republicana não se deve, em nenhum momento, ignorar a presença do açúcar. Razão de sobra tem um conhecido historiador ao afirmar que “somos herdeiros das tradições seculares do plantio de canas e da criação de bovinos que o velho Martim Afonso de Souza nos trouxe da Ilha de Madeira, na época embrionária da colonização” (6).

É verdade, pois, que a posição do açúcar como principal sustentáculo da economia da Província é decorrência da tradição histórica que ele adquiriu durante a evolução de toda a vida econômica. Datando do alvorecer da colonização, foi introduzido por Duarte Coelho, o mais bem-sucedido e esclarecido dos donatários que nele baseou a prosperidade de sua capitania. Alagoas, como parte componente do território de Pernambuco até 1817, também “teve na cultura da cana a sua única riqueza apreciável e os engenhos, movidos a água ou tangidos a bestas, eram os centros de toda a atividade industrial” (7).

A evolução dessa cultura perdurou durante todo o período colonial. Ela era a única indústria da Província, a atividade mais vantajosa e foi indubitavelmente aquela que proporcionou hábitos sedentários aos seus responsáveis, contribuindo para a fixação dos primeiros núcleos populacionais. Nas primeiras décadas do século XVIII, existiam já cerca de 47 engenhos. Na época de emancipação, 300.

Segundo anotações de Kidder e Fletcher, em seu diário de viagem, durante as suas andanças pela região, era evidente o desenvolvimento da economia alagoana, sobretudo da cana de açúcar e do algodão, sendo o produto fabricado com a primeira de excelente qualidade e de preços competitivos com os demais centros produtores. “Maceió armazena grande quantidade de algodão e açúcar, trazidos do interior. Açúcar mascavo de boa qualidade pode ser comprado em Maceió pelo preço de $ 2,50 por cem pesos, e os produtores acham que podem vender o açúcar com lucro a menos de $ 2,00” (8).

Mesmo durante o “boom” algodoeiro, cujos alicerces sólidos foram fincados na região em consequência da guerra civil norte-americana, que provocou um imenso vazio na produção e no mercado internacional, o açúcar, malgrado o aviltamento de preços a que se viu submetido no comércio mundial, não perdeu a sua condição primacial na produção da economia de Alagoas. Na segunda metade do século XIX, crescia a produção do açúcar, registrando o porto de Maceió índices ascendentes de movimento.

“O açúcar continuava a liderar a produção, sempre seguido do algodão. As estatísticas consignavam:

De 1856 a 1859
Produção do Algodão – Rs 4.766:685$100
Produção do Açúcar – Rs 9.845:818$175

De 1878/1879
Açúcar 299.897 sacas – Algodão 25.560 sacas

De 1887/1888
Açúcar 659.478 sacas – Algodão 54.421 sacas”. (9)

Enfermaria Militar, hoje é a Circunscrição do Serviço Militar do Exército

A cultura do algodão, a segunda em importância, foi iniciada muito mais tarde, em 1779, pelo Ouvidor José de Mendonça Manos Moreira, e atingiu, no século XIX, níveis de produção e expansão dos mais altos. Ele foi o grande responsável pelo povoamento do interior, agreste e sertão, ao lado da pecuária, e também pela preocupação com a construção de estradas de penetração. O empolgamento que proporcionou, em face das condições motivadoras do mercado internacional, atingiu até certos senhores de engenho que diversificaram suas colheitas, plantando-o ao lado da cana, em suas fazendas. Pessoas de poucos recursos enriqueceram rapidamente, subindo de “status” social, concorrendo com as orgulhosas aristocracias açucareiras.

Em escala bastante reduzida, sem deixar quase vestígios no futuro, deve-se apontar o café, cujo cultivo foi iniciado no Engenho Riachão, em 1876, em Santa Luzia do Norte, pelo magistrado e fazendeiro Barnabé Elias da Rosa Oiticica, verdadeiro apóstolo da cafeicultura nas Alagoas e que, em vista das dificuldades que atravessavam os dois grandes e tradicionais produtos, “sentindo o estado de aniquilamento por que vem passando a agricultura e o comércio da província em face da séria crise que atravessa a economia da região” (10), propugnava pela implantação da cultura cafeeira, que acreditava ser mais vantajosa que a cana e o algodão, citando o exemplo do sul, onde a situação tinha cores diferentes, graças às benesses oferecidas pela preciosa rubiácea.

Com importância pouco significativa no contexto exportador, mas de grande importância na economia interna, estavam o feijão, o milho, o fumo, o arroz, a mandioca e o coco, alguns cambiados com outras províncias. Uma visão interessante da economia alagoana, naquele período, nos é fornecida pelo Almanak Administrativo da Província, observando-se, no entanto, os rasgos ufanistas:

“Esta Província é essencialmente agrícola, e seu solo fertilíssimo presta-se a todo o gênero de lavoura, mas é dedicado especialmente a cultura do algodão e da canna de assucar, de que faz-se annualmente grande e rica exportação. Os municípios mais próximos do litoral e mais regados por rios ou lagoas são cheios de propriedades de engenhos de fazer assucar, e o número desses engenhos é superior a 400.
Os municípios mais distantes do mar abundam em fazendas de gado e plantações de algodão.
Além dos dois principais gêneros de sua agricultura, produz abundantemente esta província, milho, feijão, café e muitos legumes. Apura-se farinha de mandioca e azeite de mamona para o seu consumo e alguma exportação.
A pesca exerce-se com grandes vantagens por ser toda a província rodeada de lagoas, sendo os dois principais o do Norte e o Manguaba, ligados por um braço tortuoso de águas correntes uma distância de quase oito léguas, formando importantes canaes em comunicação com o oceano.
Os cajueiros formam uma basta linha que circunda quase todo o litoral”. (11)

Estação Ferroviária da Great Western em 1906

A exportação, mais ou menos parcimoniosa no período colonial e no primeiro reinado, aumentou gradualmente durante o segundo império, saindo do porto-enseada de Jaraguá e crescendo substancialmente com o estabelecimento das casas inglesas que tutelavam este tipo de comércio. Por outro lado, o predomínio dos gêneros de exportação provocou o aumento dos preços dos víveres básicos, cujo cultivo foi posto de lado, provocando dificuldades nas classes menos favorecidas, não vinculadas aos lucros de exportação, as quais lutavam com muita dificuldade para a sua subsistência. (12)

Conquanto a província estivesse colocada entre os dois grandes polos comerciais da região, Bahia e Pernambuco, através dos quais exportavam boa parte de sua produção, já em meados do primeiro reinado zarparam os primeiros navios britânicos do porto de Jaraguá (13), conduzindo produtos alagoanos em demanda dos portos europeus. A exportação direta foi aumentando e na década de 70, inaugurou-se a navegação direta e regular com a Europa.

O açúcar, o algodão, as madeiras, carnes, cocos e outros produtos alagoanos eram enviados a vários portos do Império inglês, tais como Cowes, Falmouth, Liverpool, Gibraltar, Alexandria e para o próprio coração Império Londres. Outras nações também mantiveram, em menor escala, intercâmbio conosco, como Estados Unidos, Bélgica, Áustria, Alemanha e Itália. Vejamos os principais produtos de exportação que passavam pelas repartições fazendárias do porto de Jaraguá:

O incremento das exportações provocou também mudanças no movimento importador da Província. Diversifica-se a importação tanto quanto a exportação, concentrada esta sobretudo no açúcar e no algodão. Elevou-se bastante a participação dos alimentos importados, acompanhando não só o requinte das classes mais abastadas, mas o próprio crescimento populacional. Tal fato, já mencionado anteriormente, vai provocar uma redução nos índices de produção das culturas de subsistência determinando o aumento desenfreado do custo de vida, que tantas inquietações causou em Maceió, Pão de Açúcar, Imperatriz, Quebrangulo, Pilar, Murici e outras cidades, fazendo Alagoas provar o gosto amargo da crise brasileira (15).

O comércio foi inundado de artigos como tecidos de algodão, chitas, objetos de lã e seda, carne salgada, bacalhau, farinha de trigo, vinhos variados, ferragens, azeite de oliveira, manteiga, sal, drogas medicinais, todos procedentes dos portos europeus. Também se importavam gêneros nacionais, como charque, moedas metálicas, charutos, cigarros, fumo, panos de algodão, rapé e café.

O comércio de confecções era um dos mais dinâmicos e sofisticados. A imprensa maceioense divulgava notícias das casas comerciais, anunciando “palitós de casimira de diversos padrões a 12$000; palitós de brim de linho de côr a 5$000; palitós de alpaca para menino a 3$500; chapéus de sol de menino a 3$500; chapéus francêses, de pêlo, de copa alta, modernos, a 9$000; chapéus de sol de sêda de 16 hastes a 12$000 e chitas percalias muito finas de gosto moderno a 440 e 560 réis” (16).

Sem dúvida, os níveis de importação nunca chegaram a ultrapassar os de exportação, muitos chegados ainda de Pernambuco, da Bahia, mas é certo que eles aumentaram bastante em relação às transações verificadas em todos os períodos anteriores. Cabe comparar aqui os índices dos dois comércios, através das informações da Alfândega de Maceió:

Se era inconteste o desenvolvimento econômico, o movimento financeiro não poderia destoar desta linha, apresentando bons resultados; o incremento do comércio, o aumento das exportações, possibilitaram a elevação da renda provincial e a quebra de um preceito tantas vezes observado nos dois primeiros quartéis do século XIX: os déficits constantes do orçamento provincial. Naquela oportunidade, somente no ano de 1845, o orçamento acusou saldo:

O avanço auspicioso da arrecadação proporcionou excelente média da receita provincial durante todo o segundo reinado, uma prova eloquente do progresso da província, atingida pelos ventos da transformação econômica que sopravam no cenário mundial, com duas faces, uma vez que os efeitos negativos também se fariam sentir nas flutuações dos preços dos produtos exportáveis e dependência dos gêneros importados. Se dermos razão aos que defendem o vigor das arrecadações como termômetro ideal para se aquilatar o desenvolvimento de uma região, então concluímos que o período foi de franco progresso, uma vez que os cofres da fazenda provincial, a cada ano fiscal, aumentavam o seu volume. A renda da Província demonstrou notável acréscimo até fins da década de 70.

Os saldos passaram a ser uma constante nos exercícios orçamentários até 1867, com exceção de três anos, cujo decréscimo foi atribuído a condições meteorológicas desfavoráveis, à queda do açúcar e principalmente à terrível epidemia de cólera-morbus, que assolou a Província, iniciada na região sanfranciscana e irradiando-se por todo o território alagoano, prejudicando tremendamente a sua vida econômica e até afetando seus contatos regulares com outras províncias e com o exterior. A calamidade atingiu as cidades e os campos, canalizando os esforços do governo na ajuda aos flagelados e ao socorro aos lugares infectados, cujas populações foram praticamente dizimadas, principalmente os escravos (19), esteio da produção.

Largo dos Martírios com a igreja e sua longa escadaria

Alguns aspectos merecem ser considerados nessa expansão arrecadadora. Um deles é o aumento de impostos, velha e nefanda herança colonial, que se apresenta também sempre em ritmo ascendente, acompanhando implacavelmente, e com exageros, o desenvolvimento da riqueza provincial. Ano a ano, duplicavam os impostos em suas tríplices formas gerais, provinciais e municipais. Multiplicam-se as repartições fiscais, coletorias, agências de rendas, mesas de rendas e outras são promovidas como as agências de Penedo, Maceió, São Miguel, Pilar e Passo de Camaragibe. Havia imposto para tudo! (20).

Armando Souto Maior, em sua obra “Os Quebra-Quilos no Nordeste”, chama a atenção para o fato de que esse excesso de cargas fiscais, “continuadores de uma velha fórmula a que estavam habituados os brancos colonizadores dos antigos tempos da metrópole e da Colônia” (21), constituiu-se num dos componentes mais fortes, aliado a outros fatores estruturais, da instabilidade social a que se submetia a região nordestina durante as últimas décadas do segundo império, atingindo níveis comprometedores.

A partir de 68, os déficits voltam a emergir, embalados por fatores conjunturais, como a destruição da agricultura e do comércio pelos capitalistas e usuários que passaram a deter a posse dos instrumentos do trabalho, os elevados dispêndios com a guerra do Paraguai, a desorganização da lavoura com o alto preço dos salários oferecidos pelo sul cafeeiro, pela recuperação da produção algodoeira americana após a guerra civil e, sobretudo, com os baixos preços do açúcar, enfraquecidos pelos concorrentes, detentores de técnicas de produção mais modernas e pelo avanço da cultura da beterraba na Europa.

Em 1869, o déficit da Província atingiu a cifra de 251:522$606. No ano seguinte, 333:319$524. Em 71 foi de 67:884$500 e 69:651$356 no próximo ano.

Outro fato a ser destacado nos orçamentos provinciais é a intenção dos seus formuladores ao decretarem despesas acima do que comportavam os limites da arrecadação, compelindo os governos a jamais cumprirem a lei orçamentária, obedecendo às despesas fixadas e às autorizadas. É provável que esse estranho gosto por orçamentos fictícios se devesse a interesses políticos menores, pulverizando-se as metas mais importantes para a província nas questiúnculas municipais e partidárias, nas zonas individuais de Poder. Até a década de 50, início da próxima, esse comportamento pouco salutar é observado, como, por exemplo, no exercício 45-46, com a despesa fixada em 154:992$547 e com a despesa efetuada de 140:535$838.

A elaboração de um orçamento racional, voltado para as medidas prioritárias e realistas reclamadas pela comunidade alagoana, era dificultada pela falta de empenho e prolongamento por um tempo mínimo de vida dos governos nomeados, os quais não podiam concentrar-se, como deviam, em nenhum programa. As administrações que estiveram à testa da Província das Alagoas foram de tão curta duração, tão efêmeras, que poucas puderam realizar efetivamente um trabalho de vulto, deixando um marco duradouro de sua passagem. Jayme de Altavila (22) registra que durante o período de 1818, ou seja, um ano após sua emancipação política, até 1889, término do período imperial, Alagoas teve a espantosa cifra de 139 administradores (23) e destes apenas dois presidentes eram alagoanos. Com essa contínua contradança de administradores, verdadeiro recorde, iniciado com D. Nuno Eugênio Lóssio e Seiblitz (24), Alagoas sofreu bastante pela falta de continuidade administrativa, constituindo-se a província que teve o número mais alto de governantes durante toda a época do Império.

Por conseguinte, a volubilidade governamental, a descontinuidade administrativa e as futricas políticas, que grassavam com veemência em terreno tão fértil, decerto prejudicavam o atendimento a muitos melhoramentos reclamados pelo progresso, que era latente no terceiro quartel do século. Até a década de 50, sua capital não tinha sequer uma rua calçada, nem edifícios condignos para as repartições públicas. Seus habitantes reclamavam da poeira levantada pelos ventos no verão e contra o lamaçal no inverno.

Ponte dos Fonsecas e a Praça Sinimbu

Acrescente-se, ainda, que as disputas partidárias no Rio de Janeiro refletiam ativamente na província com uma intensidade incontroláveis, produzindo lutas e violências, principalmente nos pleitos eleitorais. Esses desatinos não escaparam à repulsa de alguns historiadores que deixaram lavrado o seu protesto apaixonado:

“Os sindicatos negros rotulados com os nomes pomposos de partidos e formados para a exportação do burgo podre que era Alagoas, estavam sempre dispostos a fustigar e a vulnerar aquelles que, vindos doutros meios corruptos, não se queriam aparceirar com os transfugas da honra e do brio que, depois de bestializar o povo, o avassalaram sem dó nem piedade, sugando toda a seiva da província, como polvos infartáveis que eram” (25).

Maceió, que era quase uma aldeia crescida ao abandono público, sem os serviços básicos de uma edilidade, como coleta de lixo, saneamento, água encanada, calçamento, iluminação, e também pobre de boas construções públicas, modificou bastante sua feição com o advento do segundo reinado, recebendo o eco das transformações que alcançavam o país. Ela “não chegou a conhecer de verdade a vida colonial. Sua existência mesma começa com o Império, de forma que as linhas arquitetônicas das suas edificações são características do Segundo Reinado: o gosto pelo azulejo nas fachadas, nos enfeites no alto das casas, as pinhas, as figuras mitológicas, os abacaxis, as casas imprensadas uma nas outras quase sem ar” (26) devido ao forte crescimento urbano que sofreu.

Os ventos da modernização e o desenvolvimento verificado naquele período favoreceram a introdução de inúmeros melhoramentos urbanos na capital, no campo dos serviços públicos. Contudo, alguns dos regulamentos tradicionais, das posturas municipais, permaneceram levemente modificados, como esse que foi mantido em 1861 pela Câmara Municipal de Maceió, a propósito do lixo e dejetos caseiros que eram carregados em barricas pelos escravos, enterrados nos fundos dos quintais ou atirados ao mar, em qualquer lugar, ao capricho dos carregadores.

“Os lixos poderão ser conduzidos a qualquer hora do dia; as imundícies e matérias fecais só à noite dentro de vasos bem cobertos para não incomodar o público.
Os infratores que forem forros serão multados na quantia de cinco mil réis, e na falta de pagamento dentro de quarenta e oito horas em dois dias de prisão, e sendo escravos sofrerão doze paumatoadas e o duplo na reincidência” (27).

Rua 2 de Dezembro e a Rua do Comércio

O surto de melhoramentos que irrompeu na capital, naquela época, é revelado pela edificação de prédios públicos, como os da Câmara Municipal, Tesouraria da Fazenda, Santa Casa de Misericórdia, Casa do Júri, Casa da Detenção, o Jardim Público do Largo da Matriz, o Quartel da Tropa de Linha, o Mercado Público, Assembleia Legislativa, Alfândega, Inspeção de Algodão, de particulares, como o Palácio do Barão de Jaraguá (28), calçamento de várias artérias, iluminação a querosene e depois a vapor, abastecimento d’água potável, pontes, construção da ponte de desembarque e outros aperfeiçoamentos do porto de Jaraguá, matadouro municipal, na comunicação da capital com as principais vilas do interior, como S. Miguel dos Campos, Camaragibe, Coruripe e Porto de Pedras pela navegação a vapor.

Quanto aos transportes urbanos, “em 1866, por iniciativa do presidente Pimentel, o problema da viação urbana teve uma solução considerada, no tempo, a última palavra. Autorizado pela Assembleia Provincial, o presidente contratava com a Companhia Baiana de Navegação um serviço de tramway, entre Maceió e Jaraguá e Trapiche da Barra, pequeno povoado que se formara em um areal a mais de 500 jardas a oeste de Jaraguá, interposto de madeira e gêneros agrícolas vindos das propriedades rurais das margens do rio Paraíba e da lagoa Manguaba, onde as necessidades mesmas desse comércio haviam determinado a construção de um trapiche, que deu nome ao povoado, que se formou em torno da capela de N. Sa. da Guia. A ligação de Jaraguá e Trapiche da Barra com um ramal para o centro da cidade foi o objeto desse contrato, melhoramento considerável, de vantagens indiscutíveis, para o serviço de cargas e passageiros que se destinavam a Alagoas e Pilar e também às localidades ribeirinhas de Manguaba”. (29).

Quanto aos transportes terrestres no interior da província, ressentiam-se estes tremendamente da falta de boas estradas, já que poucas eram dignas desse nome. Havia duas estradas que se sobressaíam pelo movimento: a do Norte, que levava a Porto Calvo e povoações circunvizinhas e, beirando o litoral, conduzia a Recife, antiga trilha das andanças flamengas; e a do Sul, que seguia o curso do Mundaú, ramificando-se em várias direções, à proporção que se abriam oportunidades de expansão comercial. Espíndola, em sua Geografia Alagoana, menciona sete estradas principais: a do vale do São Francisco, a do vale do Paraíba, a da cidade de Maceió a Pernambuco, de Maceió a Penedo, a do vale do Mundaú, a da cidade de Alagoas à vila de Palmeira dos Índios e desta mesma vila a Coruripe. Todas em péssimo estado.

Os outros caminhos, que penetravam o interior, eram lastimáveis e não obedeciam a traçados previamente programados. “As necessidades de locação iam abrindo, ao acaso da penetração, longas trilhas aos comboios e veículos pesados que os bois arrastavam, ao trote dos cavaleiros e ao parmilhar penoso dos peões. Por eles se faziam as morosas comunicações do governo, do comércio e da sociedade (30).

Algumas administrações melhoraram as vias principais e rasgaram outras, sem registrar, entretanto, um trabalho de envergadura nesse setor de transporte. A navegação, sim, recebeu substancial melhoria. Embora a navegabilidade na província não estivesse em proporção aos inúmeros cursos fluviais que recortam todo o seu território, cujos “percursos aproveitáveis à navegação só permitiam pequena cabotagem em rios como o Camaragibe, São Miguel, Coruripe, São Luiz do Quitunde, Santo Antônio e nas lagoas (31).

Todas essas cidades e outras, como Porto de Pedras, Porto Calvo, Pilar, Alagoas e Penedo, foram servidas por transportes fluviais lacustres ou marítimos de pequena cabotagem. Vapores, alvarengas, sumacas, barbaças e escunas, que trouxeram considerável desenvolvimento comercial a localidades como São Miguel dos Campos, por exemplo, que mantinham relações comerciais com as praças de Maceió, Recife e Salvador. A navegação a vapor, que alteraria profundamente os transportes mundiais, foi estabelecida para as vilas mais destacadas. Os barcos sulcavam frequentemente as águas dos rios da zona da mata litorânea carregados de açúcar, madeira, algodão, fumo e outros produtos de exportação.

Rua 15 de Novembro, atual Rua do Sol em 1911

O porto da capital, que recebeu muitos melhoramentos, era frequentado mensalmente por vapores das companhias pernambucana e baiana e pelos navios da Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor. O porto de Penedo era visitado uma vez por mês por barcos dessas companhias, apresentando, também, notável progresso.

A Royal Mail Steam Packet Company, agenciada por John H. Boxwell and Company, fazia duas viagens por mês para a Europa, aportando em Lisboa e Southamptom e fazendo também a linha Maceió-Montevidéu e Maceió-Buenos Aires. Os vapores de carga da Harrison, agenciada por A. Pohlman, faziam em caráter regular a linha Liverpool-Maceió. Vejamos, apenas durante um ano, o movimento da navegação na província:

“Durante o ano de 1866, daqui saíram para portos estrangeiros, 53 embarcações inglesas, 4 portuguesas, 2 bremenses (alemã), 2 suecas, 1 dinamarquesa, 1 francesa e 1 holandesa, num total de 64 embarcações, sendo que destas 13 eram a vapor e o restante a vela: 21 barcas, 14 brigues, 8 galeras, 5 patachos e 3 escunas, num total de 34.430 toneladas, incluindo-se os vapores e com uma equipagem de 1.071 pessoas.
Quanto às nacionais, de Jaraguá zarparam para portos do Império, 851 embarcações, sendo 60 vapores, 2 barcos, 8 cúteres, 1 brigue, 4 patachos, 1 sumaca, 3 escunas, 3 iates, 769 barcaças, totalizando 43.685 toneladas, e com 4.659 tripulantes, dos quais 95 eram escravos” (32).

A era das estradas de ferro, que será objeto de estudo mais acurado nos capítulos seguintes deste trabalho, também foi iniciada. Ela começa efetivamente a 25 de março de 1868, “quando fora inaugurado o ramal de perto de 6 Km indo da ponte de desembarque de Jaraguá até o Trapiche da Barra. A empresa responsável chama-se Companhia Baiana de Navegação” (33) dirigida pelo engenheiro britânico Hugh Wilson.

Rua 15 de Novembro, atual Rua do Sol, esquina com a Av. Moreira Lima

O prosseguimento dessa linha foi um outro ramal que se bifurcava na rua do Livramento, hoje Senador Mendonça, e chegava no povoado de Bebedouro, inaugurada com a extensão de 5 Km, a 19/10/1872, pela concessionária The Alagoas Brazilian Central Railway Company Ltd., também conhecida como Companhia Anônima da Imperial Estrada de Ferro de Alagoas. Outra férrea importante, além da Maceió-Imperatriz, foi a Estrada de Ferro de Paulo Afonso, com 116 Km ligando o alto ao baixo São Francisco.

Novos segmentos do comércio aportaram aqui, com os novos rumos que a economia tomou. Seguros terrestres e marítimos de toda espécie contra riscos de fogo, naufrágio, roubo, para as mercadorias embarcadas para qualquer parte do globo. Monopolizadas nas mãos dos estrangeiros, como a maioria dos empreendimentos modernizadores, alimentavam-se as companhias Northern Assurance Company of London and Aberdeen e a New Life Insurance Company.

Elas e as grandes casas comerciais exportadoras e importadoras, tais como Borstelman and Company, John H. Boxwell and Company e Silva Leão e Companhia, preferiam estabelecer-se em Jaraguá, nas proximidades do porto. Outras, como J. Rippel and Company, Liberato Mitchel, Robert John Pacey e P. Frank South também escolheriam aquele bairro, verdadeiro empório do comércio maceioense.

O período assinala de igual forma o surgimento de diversas associações, como a Caixa Comercial da Cidade de Maceió, Caixa Econômica, a Companhia União Mercantil, fundada por José Antônio de Mendonça, o Barão de Jaraguá, que, com o capital de Rs. 150:000$000, iniciou a indústria têxtil em Alagoas, o Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas, a Associação Beneficiente Typográfica, clubes recreativos, literários, associações classistas para caixeiros, professores, tipógrafos e artistas.

Rua Boa Vista

Malgrado o pequeno desenvolvimento industrial, o mercado de trabalho se ampliava, a divisão do trabalho, uma das pilastras do sistema capitalista, força a diversificação profissional, outrora tão hermética e estática no edifício colonial. O “Almanak Administrativo da Província” divulga uma série de profissões e atividades em suas páginas, as quais poderão ser comparadas com as existentes no início do século: “Profissões Catalogadas: guarda-livros, pharmaceuticos, dentistas, tipographos, caixeiros, armarinhos, padarias, vidraceiros, bazar de bilhetes, fábrica de chapeos, fábrica de charutos, refinações, bilhares, professores de música, capitalistas e proprietários, mestres de capella, afinadores de piano, professores de piano e canto, modista, relojoeiros, ourives, retratistas, entalhadores, pintores, gravador em mármores, encadernadores, barbeiros, selleiros, colchoeiros, bahuleiros, violeiros, armadores, alfaiates, funileiros, marceneiros, ferreiros, latoeiros, pedreiros, tanoeiros, sapateiros, marchantes, cocheiros, condutores de bonde, empregados de trem, machinistas” (34).

É significativa a presença de elementos estrangeiros na província. Em Maceió, funcionam vários vice-consulados e agências consulares. Em 1871, por exemplo, o Consulado da Grã-Bretanha para Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará estava instalado aqui, chefiado por Alexandre Gallan, depois substituído por Gustavo Wilherm Wucherer. Naquele mesmo ano, o “Almanak Administrativo da Província” refere-se ao intenso movimento dos consulados dos Países Baixos, Suécia, Suiça, Noruega, Espanha, Portugal e Estados Unidos, cujo titular era Theodor Brusch. Até Penedo contava com representações diplomáticas estrangeiras: Estados Unidos e Grã-Bretanha, esta última tinha por titular Edward Altaine.

Rua da Alfandega, atual Rua Sá e Albuquerque em Jaraguá em 1906

A instrução, que durante tanto tempo esteve relegada à extrema incúria pelos governantes, vivendo apenas nos claustros, nos seminários ou nas catedrais, melhorou diante dos novos e poderosos fatores de progresso. As solitárias escolas primárias, que a província herdou dos tempos coloniais e do primeiro império, foram multiplicadas. Se naquela oportunidade, de alto a baixo, campeava a ignorância no mais absoluto grau, pois saber ler e escrever era privilégio de poucos, doravante o desenvolvimento do comércio, aperfeiçoando a sua sistemática, sofisticando seus instrumentos de câmbio, impunha um mínimo de alfabetização.

Em 1869, existiam na Província 104 escolas primárias públicas, sendo 64 para o sexo masculino e 40 para o feminino. Elas atendiam uma matrícula de 5.234 alunos, 3.492 dos quais masculinos e 1.742 femininos. “A Primária particular é dada em 64 escolas cujo número ignora-se por falta de registro estatístico nas repartições” (35). A introdução secundária era oferecida através do Liceu (36), criado em 1849, localizado em Maceió, e em 3 cadeiras avulsas na cidade de Penedo. De caráter particular, havia, em 1866, dois estabelecimentos: o Colégio Nossa Senhora da Conceição, exclusivamente para meninas e o Colégio São Domingos, para rapazes.

A Imprensa alagoana, que tinha surgido em 1831, com o íris Alagoense, defensor intransigente da ameaçada independência brasileira e depois porta-voz do federalismo local, deu especial contribuição à formação da “inteligência” cabocla, onde vamos encontrar os principais expoentes da cultura da província. Com o livro um tanto inacessível ao meio provincial, era o jornal o único meio de divulgação com que contavam os cultores do pensamento. É na imprensa de Alagoas que vamos encontrar a fonte principal da sua evolução intelectual e da própria história política desse período.

Rua do Comércio e a esquina com o Beco São José

O historiador Pe. Pedro Teixeira, numa interessante pesquisa que realizou sobre a imprensa alagoana no séc. XIX, não conteve sua admiração com o extraordinário número de jornais que circulavam no interior e na capital da província. “Como se explica um número tão vultoso de jornais numa província tão pequena? Fiz esta pergunta várias vezes e a várias pessoas. A resposta foi quase sempre uma só: o jornal era, praticamente, o único divertimento ou entretenimento da época. Havia teatro, é certo, mas não era constante. O jornal era, pois, grande meio de comunicação. Numa época em que predominava o romantismo literário sem a concorrência da televisão, do rádio e do cinema, era natural que o jornal fosse o veículo de propaganda mais procurado por escritores, poetas e entusiastas das causas políticas, sociais e religiosas. Os jovens das pequenas cidades procuravam mostrar nos jornais a potencialidade de seus talentos e granjear, desta maneira, simpatias e prestígios” (37).

Através de suas páginas, pode-se observar o surto de atividades novas e que são indícios das mudanças que caracterizam a chamada modernização da economia: as companhias de navegação a vapor, os transportes urbanos, estradas de ferro, a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre. Podem-se ver, também, na sociedade alagoana, sensíveis sinais de mudança na posição de suas classes e camadas sociais. Ao lado da preeminente classe dos senhores de terra e dos escravos e agregados, insinua-se uma classe média urbana, particularmente em Maceió, constituída por elementos ligados ao comércio, pelo imenso funcionalismo, pelos profissionais liberais etc., bem como um pequeno contingente operário, que trabalhará nessas atividades modernizadoras ou nas incipientes indústrias maceioenses. A mulher começa a sair do casulo que a sociedade colonial impôs.

“Desta maneira, os primeiros assalariados, as associações de classe, principalmente da parte dos caixeiros, tipógrafos e professores que mantêm na ativa imprensa da época dezenas de jornais classistas e reivindicatórios, são exemplos de novas camadas no palco social a desejar afirmação e “status” num ambiente dominado pelas oligarquias centenárias encasteladas nos dois partidos. Conservador e Liberal, detentores da gangorra do poder político” (38).

A espantosa proliferação de jornais se estende por todo o interior alagoano e provam, esses jornais, o progresso dos núcleos urbanos no interior. “Pilar, São Miguel dos Campos, Matriz, Passo de Camaragibe, Pão de Açúcar, Penedo, são cidades de intenso brilho no comércio e na vida intelectual” (39).

Rua do Comércio em 1932

Deve-se registrar, por fim, que o desenvolvimento industrial foi muito lento, uma vez que não havia interesse dos investidores estrangeiros em financiar futuros competidores de seus produtos. Exceto os 500 engenhos de açúcar, os alambiques de aguardente, a indústria fabril de Fernão Velho, fundições, serrarias, fabriquetas de sabão, vinagre etc., não há muita coisa a destacar. Demiurgos de têmpera de Mauá, somente o Barão de Jaraguá se destaca nesse deserto de empreendedores.

Quanto ao comércio, não obstante o excepcional “boom” das exportações, há de se ter em conta a existência de alguns fatores que prejudicaram o seu completo desenvolvimento, que poderia ter sido muito maior e beneficiado maior parte da população. Espremido entre os dois grandes polos comerciais da região, Bahia e Pernambuco, ele sofria com a concorrência que faziam à capital vilas como Pilar e São Miguel, em comunicação com o mar através de rios, lagoas e canais da região e aonde chegavam mercadorias vindas principalmente de Pernambuco sem pagar os impostos provinciais, normalmente pagos na capital.

Outro grande entrave era a inexistência de estradas de ferro e de boas estradas de rodagem para transportar os produtos da região, fazendo com que grande quantidade dos produtos de exportação saísse diretamente para Pernambuco, “já que os agricultores alagoanos atingiam com mais facilidade e menos despesas a capital pernambucana, servida por ferrovia, do que o ancoradouro de Jaraguá, aonde chegavam os produtos onerados pelas despesas resultantes das viagens através de simples veredas, pomposamente denominadas estradas” (40).

Vilas, como Porto Calvo, reclamavam que eram obrigadas a manter relações comerciais com Recife, ao invés de Maceió. Pagavam na capital pernambucana bitributação de seu açúcar para exportá-lo, em virtude das dificuldades de comunicação com a capital da Província (41).

O comércio estrangeiro, impulsionador da cultura algodoeira entre nós, se por um lado provocou intensas modificações na madorrenta sociedade provincial, transformando o seu aspecto com os novos hábitos introduzidos e particularmente com os empreendimentos modernizadores, por outro lado, na opinião abalizada do historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, por paradoxal que possa parecer, foi, “no estágio inicial da economia alagoana, um dos responsáveis pelo atraso do nosso desenvolvimento mercantil. E falar em comércio estrangeiro nas Alagoas dessa época, é o mesmo que referir-se taxativamente aos negociantes ingleses, tal a predominância econômica destes sobre os de outras nações, como a portuguesa, cujos súditos os sobrepujavam apenas em quantidades, sendo muito menos poderosos no resto” (42).

Não é de se estranhar, pois, que os novos empreendimentos surgidos, aqueles que ditavam as linhas mestras da economia, tivessem ligado a esses estrangeiros, agentes das reformulações do sistema econômico mundial e seus maiores beneficiários. A própria Associação Comercial de Maceió, fundada a 7 de setembro de 1886 (43), nascida sob o signo da cultura do algodão por ela influenciada, tinha numerosos negociantes estrangeiros nas várias diretorias que se iam sucedendo. Nomes como Rodolf Fink, Vice-Presidente, em 1869, Peter Borstelmann, Presidente, em 70, Llewelyn Jones, em 1872, Theodor Brasch, Vice- Presidente, em 1880, e Carl Kansing, Edward Martin e Liberato Mitchell, no final da década de oitenta.

*Publicado originalmente na Revista do CHLA (Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Alagoas), Ano II, nº 4, junho de 1987.

* Na época da publicação, Douglas Apratto era Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e História da Universidade Federal de Alagoas e Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é doutor pela Universidade Federal de Alagoas e Vice-Reitor do Centro Universitário Cesmac.

(1) COSTA, Craveiro. A Emancipação das Alagoas. Edição do Arquivo Público de Alagoas. Maceió, 1967, pág. 21.

(2) ESPÍNDOLA, Thomaz de Bonfim. Geografia Alagoana ou Descrição Física Política e Histórica da Província das Alagoas, 2* edição aumentada, Typografia do Liberal, Maceió, 1871, pág. 14.

(3) COSTA, Craveiro. História das Alagoas, Resumo Didactico. Companhia Melhoramentos, edição ilustrada. São Paulo, sem data, pág. 69.

(4) Atual município de Marechal Deodoro.
— A transferência da capital da Província de Alagoas para Maceió ocorreu a 9.12.1939, no governo de Agostinho da Silva Neves, e é um dos episódios significativos da História das Alagoas. O acontecimento deu-se em meio a grandes lutas e sedições, pois os habitantes da antiga capital não aceitaram passivamente a nova situação. Tomaram parte do movimento outras vilas da província bem como figuras notáveis como Tavares Bastos, pai, e João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, o futuro Visconde de Sinimbu, e o Major Manuel Mendes da Fonseca, genitor do Marechal Deodoro.

(5) atual distrito maceioense de Ipioca ou Floriano Peixoto. Nele nasceu o Consolidador da República.

(6) ALTAVILA, Jayme de. História da Civilização das Alagoas, ed. do Departamento Estadual de Cultura. Maceió, 1962, pág. 133.

(7) COSTA, Craveiro. História das Alagoas, op. cit. pág. 158.

(8) KIDDER, Daniel et FLETCHER, J. C. O Brasil e os Brasileiros – Esboço Histórico e Descritivo. Tradução de Elias Diliniti. Notas de Edgar Sussekind de Mendonça, 2 volumes. São Paulo, 1941, pág. 242.

(9) LAGES, Amaury de Medeiros. O Registro do Comércio em Alagoas, Imprensa Universitária, Recife, 1970, págs. 40 e 42.

(10) CALHEIROS, Barnabé Elias da Rosa. Memória sobre a Cultura do Café na Província das Alagoas (Typ. do Jornal de Alagoas, 1876) Reedição do Museu do Açúcar. IAA. Recife, 1967, págs. 12 e 13.

(11) Almanak Administrativo da Província das Alagoas, 1875. IHGA, págs. 14/15

(12) Correspondência ativa do Governo da Província das Alagoas, APA, Mss: Autoridades do Império, 1828/35, f. 25, liv. 122, est 20 apud SANTANA, Moacir Medeiros de. Contrib. à Hist. do Açúcar em Alagoas, op. cit. pág. 27

(13) Segundo afirmações do historiador Moacir Santana, a mais remota estatística sobre exportações alagoanas para o exterior aponta o brigue inglês “Alice” que partiu a 2 de novembro de 1829, do porto de Jaraguá, com destino a Liverpool, na Grã-Bretanha, carregado de algodão, seguido em breve por dezenas de outras embarcações também de bandeira inglesa.

(14) ESPÍNDOLA, Thomaz de Bonfim. Geografia Alagoana ou Descrição Física. Política e Histórica da Província das Alagoas, op. cit. pág. 42.

(15) A respeito de agitações sociais desenroladas em Alagoas no séc. XIX é interessante apreciar o Capitulo 8 do livro “O Quebra Quilos”, do historiador Armando Souto Maior, publicado em Recife, em 1976.

(16) Edição de 2/1/1866 do Jornal “O Progressista”, Maceió, IHGA.

(17) ESPÍNDOLA, Thomaz de Bonfim. Geografia Alagoana ou op. cit. pág. 41.

(18) OITICICA, Leite e, Cem Annos de Economia e Finanças de Alagoas – 1817 a 1917 in O Centenário da Emancipação das Alagoas, edição do Instituto Archeológico e Geográphico Alagoano. Casa Ramalho Editora, Maceió, 1919, pág. 218.

(19) A Fala do Presidente Antônio Souza Carvalho à Assembleia Legislativa Provincial, em 1861, menciona que foi de 3.705 o número de escravos vitimados pela insidiosa epidemia somente durante o ano de 1856, pág. 7, APA, Corresp. ativa do Governo da Província de Alagoas.

(20) O sal importado é incluído no imposto que pagam os gêneros de produção da província. Também os charutos de produção nacional passam a pagar 100 rs por libra, em vez de 10000 por milheiro. Foi criado o imposto de armadilha fixa de pequenos currais. Os cocos passaram a ser incluídos na rubrica de gêneros de produção da província. O rapé foi incluído na rubrica de impostos de cem reis que pagavam os charutos e cigarros.

(21) SOUTO MAIOR. Armando. Os Quebra-Quilos, op. cit. pág. 24.

(22) ALTAVILA, Jayme de. História da Civilização das Alagoas, op. cit. pág. 106.

(23) Incluindo Vice-Presidente em exercício.

(24) BRANDÃO, Moreno. Os Presidentes de Alagoas. Edição póstuma, Departamento de Assuntos Culturais/MEC, Maceió, 1975, pág. 14.

(25) BRANDÃO, Moreno. Esboço da História de Alagoas in O Centenário da Emancipação de Alagoas, edição do Instituto Archeológico e Geográphico de Alagoas, em comemoração à independência política de Alagoas em 16.9.1817, Casa Ramalho Editora, Maceió, 1919, pág. 179.

(26) DIEGUES JÚNIOR. Manuel. Evolução urbana e social de Maceió no período republicano in COSTA, Craveiro, Maceió, Rio de Janeiro, 1939, págs. 200 a 201.

(27) O Progressista, Maceió, edição de 9/1/1866, pág. 4, APA.

(28) atual prédio onde funcionam a Biblioteca Pública Estadual e o Arquivo Público de Alagoas.

(29) COSTA, Craveiro. Maceió, edição da Prefeitura Municipal, Rio de Janeiro, 1939, pág. 170/172

(30) Revista do Instituto Histórico e Geográphico Alagoano. Vol. XIII, ano 56, pág. 12.

(31) MORAES, Tancredo. Resumo Histórico e Antropogeográfico do Estado de Alagoas, 2ª edição, Imprensa Oficial de Alagoas. Maceió, 1960, pág. 24.

(32) SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Uma Associação Centenária, edição da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Cultura/Arquivo Público de Alagoas, Maceió, 1966, pág. 43.

(33) LIMA, Ivan Fernandes. Geografia de Alagoas. Editora do Brasil, São Paulo, 1965, pág. 336.

(34) Almanak da Província de Alagoas, 1876, IHGA, Pág. 132.

(35) ESPINDOLA, Thomaz de Bonfim. Geografia Alagoana ou …, op. cit. pág. 98 e 99.

(36) O tradicional Liceu Alagoano, na época denominado Liceu de Maceió ou Liceu Provincial. Funcionava no velho edifício da Matriz, onde se encontravam vários edifícios Públicos.

(37) CAVALCANTE, Pe. Pedro Teixeira. A Imprensa Alagoana no Arquivo Pernambucano. Recife, 1957, págs. 5 e 6.

(38) TENÓRIO, Douglas Apratto. A Imprensa Alagoana no Ocaso do Império. Recife, 1976, pág. 3.

(39) ???

(40) SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Uma Associação Centenária, op. cit. págs. 54 e 55.

(41) Vide Relatório apresentado pela Câmara Municipal de Porto Calvo ao Presidente da Província em 11/4/1861, APA. Mss. 24, est. 18

(42) SANT’ANA Moacir Medeiros de. Contribuição à História do Açúcar em Alagoas, op. cit. pág. 37.

(43) A Província era então governada pelo Dr. Esperidião Eloi de Barros Pimentel e o Brasil se encontrava em plena guerra com o Paraguai, iniciada no ano anterior. A guerra civil americana tinha deixado grandes feridas na vida econômica da América do Norte, sendo uma das causas do “boom” algodoeiro no Brasil, pois o mercado mundial ressentia-se da lacuna deixada pela produção americana.

1 Comentário on O início da modernização na província de Alagoas

  1. Josivaldo dos Santos Cassiano // 3 de abril de 2019 em 14:53 //

    Ha algum livro com as informações sobre os bairros de Maceió?

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