O assassinato do Padre Durval em 1959
Por volta das 22 horas do domingo, dia 22 de março de 1959, o padre Durval Inácio da Silva se despediu do amigo José Ferreira da Costa, com que gostava de conversar. “Seu” Zezinho era o avalista da Justiça em São Luís do Quitunde. Como sempre fazia nos finais das noites, se dirigiu ao gabinete ao lado de sua residência, onde costumava a ler ou a escrever.
Abria o cadeado quando foi atingido nas costas por um disparo de rifle (fuzil) calibre 44. Cambaleou por dez metros em direção ao portão da rua e caiu agonizando no alpendre.
Alguns vizinhos correram para socorrê-lo, mas quando se aproximaram o religioso já dava os últimos suspiros. A bala que o matou atravessou seu corpo e se alojou metros depois na parede do “hall”.
Para alguns analistas da época, esse crime foi mais um dos relacionados como desdobramento do conflito entre os grupos liderados por Arnon de Mello/Lamenha Filho e as forças políticas que se alinhavam com Muniz Falcão.
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Quem foi o padre Durval Inácio da Silva
Sabe-se pouco sobre suas origens. Nasceu em 1904, filho de uma família muito pobre. Foi criado por uma tia em Fernão Velho, na capital alagoana, e ainda criança passou a viver, no mesmo distrito, aos cuidados de D. Rosinha Machado, irmã de Arthur, Antônio e João Machado.
Em Fernão Velho, foi sacristão e depois ingressou no Seminário Diocesano de Maceió, por conta da família Machado. Ordenado em 1927, somente foi designado vigário da paróquia de São Luís do Quitunde em 1947.
Como pároco, adquiriu larga influência popular e, quando foi assassinado, era o chefe político do governo de Muniz Falcão e filiado ao Partido Social Progressista.
Nesse período tinha familiares morando na Rua do Hospital, n° 166, atual Rua Barão de Maceió, no Centro da capital.
O Correio da Manhã do Rio de Janeiro (26 de março de 1959) o qualificou como “um homem violentíssimo e intransigente com seus inimigos. Rústico no temperamento e nas ações, não perdoava os adversários e chegava até vias de fato” e que por isso sua morte foi aceita com naturalidade pela população, “uma espécie do ‘tinha que acontecer’”.
Revela ainda o jornal alinhado com a UDN de Arnon de Mello, que não tolerava que o olhasse desconfiado, que logo tomava satisfações, ameaçando brigar.
Ninguém negava que ele era impulsivo, mas reconheciam nele um religioso trabalhador e honesto.
Primeiro incidente
Com o afastamento temporário do governador Muniz Falcão, após o tiroteio de 13 de setembro de 1957 na Assembleia, assumiu o governo o vice Sezinando Nabuco, que logo se passou para o grupo oposicionista.
Dias antes de Muniz Falcão retornar ao cargo (24 de janeiro de 1958), o padre Duarte foi vítima de violenta agressão.
Segundo depoimento do próprio religioso, essa agressão foi provocada por causa de uma imagem do Padre Cícero do Juazeiro colocada na igreja de Flexeiras por Manoel Beato, e que ele mandara retirar.
Os jovens filhos do chefe político de São Luís do Quitunde (ligado ao deputado Lamenha Filho) Elpídio Cavalcanti — Luiz e Ernesto —, contando ainda com a proteção do sargento Áureo Azevedo, não gostaram da atitude do padre e declaram publicamente que o pároco de São Luiz do Quitunde não mais rezaria missa em Flexeiras.
Mesmo sabendo desta ameaça, padre Durval, na boleia de um caminhão da Usina Peixe, viajou para a Fazenda Sequidão na manhã de 9 de dezembro de 1957.
Nas imediações do Engenho Vitória, às 7h30, o automóvel foi interceptado pelos irmãos Cavalcanti armados de rifles e, enquanto Ernesto mantinha os fiéis que viajavam na carroceria sobre a mira da arma, Luiz foi até a boleia iniciou as agressões com várias coronhadas na cabeça do padre.
Após o ato violento, levaram uma valise com 2.500 cruzeiros e um revólver calibre 38, denunciou o padre, que também identificou outros dois irmãos Cavalcantis escondidos na mata próxima.
Caído no chão e perdendo muito sangue, o padre foi socorrido e levado para a Casa de Saúde Lessa Azevedo, em Maceió, onde foi medicado e recebeu a visita do arcebispo coadjutor Dom Adelmo Machado. Teve fraturas no crânio em quatro lugares.
Em entrevista aos jornais, acusou como principal responsável pelas agressões o juiz de Direito de São Luiz do Quitunde, dr. Amaurílio Santos, que havia pedido o afastamento do delegado daquele município e do subdelegado de Flexeiras, que vinham lhe prestando uma grande ajuda.
Disse ainda que o vereador Jorge Raposo tornou público que aplicaria “dentro de poucos dias, uma surra no padre”. Além do juiz e do sargento, acusava também ao deputado Lamenha Filho, que concordou com tudo o que ocorreu, segundo ele.
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Padre Durval criticava duramente o ex-prefeito de São Luís do Quitunde, Lamenha Filho. Atribuía a ele a situação de miséria da cidade: “Não temos nem água, a lata d’água é vendida a dois cruzeiros”, denunciava argumentando ainda que o povo local era bom, “mas os políticos atrapalham”.
Disse ainda que “o sr. Lamenha Filho gastou todo o dinheiro visando a sua eleição, entregando, assim, o município ao deus-dará”.
Os irmãos Cavalcanti foram presos por algum tempo, mas disseram que a origem do problema era de ordem pessoal e não política.
O juiz de Direito de São Luiz do Quitunde também reagiu às acusações e culpou o padre. “Lamento afirmar que tudo foi provocado pelo padre Durval. Temperamento impetuoso, impulsivo, violento, é ele o responsável pelo incidente”.
Mesmo assim, o governador Muniz Falcão denunciou a violência e se solidarizou com o correligionário.
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O padre ainda respondeu ao juiz de Direito, classificando-o como inimigo pessoal. Em sua defesa invocou o testemunho do secretário do Interior, Mendonça Braga; de Mendonça Júnior, um dos diretores da Caixa Econômica; e do coronel Alves Mata, “pois os mesmos foram testemunhas da minha conduta naquele município do norte do Estado”.
Pediu para que dissessem se ele foi “um atrabiliário e arruaceiro contumaz, conforme declarou o Juiz”.
Depois disse que não ia falar mais nada, reservando-se para dar mais explicações em sua defesa no processo, que já estava aberto.
Segundo incidente
Com o dia 13 de janeiro de 1959 começando a clarear, o padre Durval, em companhia de um oficial de Justiça e do sargento José Figueiredo dos Santos (delegado de São Luiz de Quitunde), chegou à sua propriedade agrícola perto da Barra de Santo Antônio para tomar posse.
Havia arrematado a área em hasta pública no ano anterior e a pedido de um antigo morador de nome José Preto, tinha permitido que ele permanecesse por mais algum tempo na terra para poder colher o que plantara em 30 dias.
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Quando decidiu arrendá-la para um terceiro, José Preto lhe disse que não sairia mais do lugar. Depois de muita conversa, o padre lhe concedeu mais 30 dias explorando a terra.
Ao final desse prazo e sabendo que o morador não pretendia sair de jeito nenhum, muniu-se de mandato de posse e dirigiu-se para a fazenda naquele amanhecer de 13 de janeiro.
Chegou ao local acompanhado por dois soldados e pelo sargento delegado. Soube então que o morador não estava mais ali. Esperaram alguns minutos e como ninguém aparecia, o sargento resolveu dar uma busca no interior da casa do trabalhador.
Quando caminhava pelo corredor da habitação, José Preto surgiu de um dos quartos e disparou um bacamarte nas costas do delegado. Diante da agressão, um dos soldados correu em direção ao criminoso, mas foi atingido no tórax por um tiro disparado pelo filho do agricultor. Caiu e morreu incontinente.
O segundo policial e o padre Durval Silva reagiram ao fogo cerrado que partia também de um matagal em frente à casa. Haviam caído em uma emboscada.
Terminado o tiroteio, jaziam mortos no solo José Preto e um dos soldados. O sargento agonizava gravemente ferido. Foi tratado e sobreviveu.
O assassinato do padre Durval
Naquele domingo, 22 de março de 1959, poucas horas antes de morrer o padre Durval havia dito a um amigo que esperava ser assassinado a qualquer momento, mas dizia que o criminoso só o mataria se fosse de emboscada ou à traição, porque pela frente ele morreria antes de puxar o gatilho.
E assim aconteceu naquela noite: ele foi fuzilado pelas costas.
A notícia do crime logo chegou a Maceió e imediatamente o governo enviou a polícia para o município do Norte de Alagoas.
Às 2 horas da madrugada todo o quarteirão já estava isolado pelos policiais, que revistaram todas as residências, com autorização dos moradores.
As primeiras prisões atingiu um grupo que estavam num bilhar próximo na hora do crime. Entre os interrogados, um deles apontou a pista que levou a prisão de José Benedito Filho, o Deca, identificado como elemento perigoso e ligado ao grupo político do deputado Lamenha Filho, de quem foi guarda-costas.
Outro suspeito foi apontado pelo amigo do padre, José Ferreira da Costa, o Zezinho. Ele informou à polícia que estava certo que o criminoso teria sido o comerciante Antônio Pacheco, mais conhecido como Tempero, que também foi detido. Este era casado e pai de nove filhos, quase todos menores.
A polícia fixou suas investigações nos dois por serem declaradamente inimigos “figadais” do padre. Foram submetidos a interrogatórios, mas negaram reiteradamente que eram os responsáveis pelo assassinato.
Na manhã seguinte, o 1º delegado de Polícia da Capital, João Batista Acioli Sobrinho, realizou a perícia no local e a reconstituição do crime, sendo possível localizar a passagem no quintal utilizada para a fuga do criminoso, notando que havia esterco de galinha no arame farpado onde foi apoiado um dos seus pés.
Relacionado como um dos suspeitos, José Benedito Filho, o Deca, foi preso. Na casa dele também foi encontrado o calçado sujo e com as marcas do arame farpado.
Segundo o Diário de Pernambuco de 24 de março, Deca teve “reações denunciadoras da sua culpabilidade” ao ver seus sapatos nas mãos do delegado. Mas continuou a negar a autoria do crime.
As investigações foram realizadas pelos policiais civis Genésio e Barbosa, tendo ainda a participação do tenente Osman Lins no comando de um grupo de policiais militares.
Após horas de interrogatório sem que se conseguisse qualquer confissão de culpa, os dois suspeitos foram levados para Maceió, onde Antônio Tempero assumiu o crime alegando que vingava a morte de um irmão.
Segundo seu depoimento, o padre Durval havia mandado prender seu irmão Benedito e na cadeia ele levou uns “bolos” da polícia. Benedito, que também era vizinho do padre, teria atirado num dos coqueiros e a empregada da casa do padre ficou assustada dizendo que tinham tentado atingi-la.
Quando posto em liberdade, desgostoso da vida passou a beber e a fumar muito, além de ingerir grandes quantidades de Cibalena e Melhoral, agravando sua úlcera e lhe levando a morte quatro meses depois.
Disse ainda que sempre que encontrava o padre, trocavam indiretas e sabendo que ele andava armado, resolveu prevenir-se também. Revelou que perdeu o controle e resolveu assassinar o pároco quando soube que ele, na tarde do domingo, havia puxado a orelha de sua filha de quatro anos de idade.
Ao depor, Tempero implorou ao delegado que mudasse ele de cela, pois temia ser eliminado: “dr., tire-me desta cela! Vão atirar em mim! Agora que estou preso e confessei tudo deixe que a Justiça resolva e me puna, com vinte ou trinta anos! Quero, doutor, sair daqui, para outra cela, mesmo que seja pior que esta, mais apertada!”.
Suicídio
No dia 15 de maio de 1961, o clima na Penitenciária de Maceió não era dos melhores. Havia muita insatisfação entre os apenados, que iniciaram uma rebelião após assistirem ao filme “Mocidade Indomável”, cujo tema era uma revolta de presos.
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Prenderam os soldados e o sargento comandante da guarnição da cadeia e exigiram a presença do governador do Estado, que entrou na instituição às 2 horas da madrugada.
Como o líder da rebelião havia entregue as armas a alguns presidiários, os mais responsáveis, e orientado eles a somente atirar em caso extremo, um dos presos, que já apresentava sinais de loucura, se atirou de cabeça contra as grades. Levado ao Hospital da Polícia Militar ao lado do presídio, jogou-se do primeiro andar, pondo fim a sua vida.
Esse preso era Antônio Tempero, o homem que confessou ter assassinado o padre Durval.
Sepultamento do padre Durval
Padre Durval foi sepultado no dia 23 de março de 1959, às 10 horas da manhã, acompanhado de grande cortejo, que saiu da Matriz de São Luís do Quitunde.
As cerimônias fúnebres contaram com as presenças de dom Adelmo Machado, então arcebispo coadjutor de Maceió; seus auxiliares, padres Humberto Cavalcanti, Humberto Porto e Luiz Marques; e de José Reis de Campos, secretário do Interior, Justiça e Segurança Pública.
Padre Durval foi quem me batizou na fazenda Bananal em 1944, a história da morte dele que eu conhecia é um pouco diferente, mas provavelmente esta está correta!
Ótima a reportagem da nossa cidade…
Artigo muito bom. É gratificante conhecer a história da nossa terra, mesmo sendo política.
Parabéns! Você faz um trabalho primoroso, passando a história a limpo.
Gente que história parece que lendo a gente vê o acontecimento. o padre foi um grande homem. pena que não conheci, sabia mais ou menos por que ele era tio de minha tia Elenor Calheiros esposa de Nelson Tenório meu tio.
Muito bom trabalho sobre fatos da história alagoana gosteiii Parabéns 👏👏
Era criança, vivia nessa época em São Luís de Quitunde. Meu pai era militar do município na época do acontecimento. Foram muitas pessoas presas como suspeito.