O cinema alagoano 90 anos depois

A volta pela Estrada da Violência completou 50 anos do seu lançamento no último dia 3 de outubro de 2021

Cena de A Volta pela Estrada da Violência

Os primeiros registros cinematográficos produzidos em Alagoas aconteceram no início da década de 1920 por iniciativa do italiano Guilherme Rogato, que veio a Alagoas em dezembro de 1918 para realizar, em parceria com o argentino Ramon Spá, uma exposição de retratos em esmalte.

Rogato, que já havia trabalhado como fotógrafo em São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro, realizou sua mostra em janeiro de 1919 no Teatro Cinema Floriano, na Rua do Comércio.

Depois de uma rápida passagem pelo Rio de Janeiro, em junho de 1919 o italiano voltou a Maceió atraído pela possibilidade de bons negócios. Os resultados foram tão expressivos que no início de 1921 já tinha fixado residência na Rua 15 de Novembro, nº 89 (atual Rua do Sol).

O jovem Guilherme Rogato

Foi contratado como fotógrafo oficial do Governo do Estado e em pouco tempo inaugurou o estúdio Rogato Film, oferecendo serviços fotográficos e cinematográficos. Suas fotografias eram divulgadas nas vitrines da loja A Carioca, no Centro da cidade.

Na cinematografia uma de suas primeiras filmagens foi uma partida de futebol entre CRB e Ypiranga. Fazia parte das festividades da posse de Fernandes Lima no governo de Alagoas em junho de 1921.

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A primeira grande produção cinematográfica realizada em Alagoas somente começou a ser planejada no início de 1931, quando o pernambucano Edson Chagas esteve em Maceió com a intenção de produzir o primeiro filme ficcional em terras alagoanas.

Um Bravo do Nordeste

Edson Chagas era pernambucano de Catende, onde nasceu em 18 de janeiro de 1903. Muito cedo, seguindo o caminho de muitos nordestinos, foi tentar a vida no Rio de Janeiro, onde aprendeu a profissão de ourives e trabalhou por algum tempo numa produtora de filmes.

De volta a Pernambuco, fundou a Aurora Filme em 1924, numa parceria com Gentil Rols. Em 1927, Edson Chagas criou a Liberdade Filme em sociedade com Dustan Maciel (tinha 18 anos de idade) e Ary Severo.

Naquela década foi diretor de fotografia de nove dos 13 filmes produzidos em Recife, entre eles Filho sem Mãe, considerado o primeiro filme brasileiro sobre o cangaço. Essas produções eram exibidas no Cinema Royal graças à amizade que o proprietário tinha com os produtores.

Almery Steves, Edson Chagas e Ary Severo, pioneiros do Ciclo do Recife (1923 a 1931)

Num depoimento em 1970 para o MISA, no Rio de Janeiro, Dustan Maciel lembrou que brincavam com o nome da empresa. “Foi até engraçado que se chamasse assim (Liberdade Filme), pois o Edson passou muito tempo fugindo da cadeia, por causa das marmeladas que fazia”, lembrou rindo.

Ary Severo, Edson Chagas, Luiz Maranhão e Pedro Neves cortando o negativo de Aitaré da Praia da Liberdade Film. Revista Cinearte de março de 1928

Decido a ir morar no Rio de Janeiro, no início de 1931 Edson Chagas esteve em Maceió e agitou a cidade ao propor a produção do primeiro filme alagoano. Com o apoio de Rogato e a mobilização de alguns investidores, criou a Alagoas Film (Luiz Júnior era o diretor comercial).

Dias depois, ainda em janeiro de 1931, já produzia dois curtas como mostra da capacidade da empresa.

Um dos investidores mais entusiasmados foi o empresário rural Francisco da Rocha Cavalcanti Filho (1897 – 1970), o Chico Rocha. Era proprietário da Fazenda Santo Antônio da Lavagem em União dos Palmares, herdada do seu pai, o ex-governador Francisco Rocha Cavalcanti.

Apaixonado pelo cinema e sonhando em participar de um filme, resolveu bancar os custos da produção, estimados em 30 contos de réis. Mas exigiu que fosse rodado em União, futura União dos Palmares, nas fazendas Anhumas e Santo Antônio da Lavagem.

Assim surgiu “Um Bravo do Nordeste”, cujo roteiro foi escrito por Edson Chagas e Ernani Passos, o galã do filme, a partir do enredo proposto por Chico Rocha. O diretor de fotografia foi Antônio Rogato (provavelmente Guilherme Rogato) e o produtor Guilherme Gaudio.

Era uma história de amor, roubo de gado e tiroteios. Alguns pesquisadores consideram que esse filme foi o primeiro do país a copiar abertamente os faroestes produzidos nos EUA.

Contando com Chico Rocha como o vilão, o filme mobilizou os seguintes atores: Ernani Passos, Nice da Rocha Aires, Adalberto Montenegro, Elizabeth Montenegro e Walmira Graça. Há registro em Filme & Cultura nº 16 (1970) da participação de Moacir Miranda.

Edson Chagas durante a filmagem de Um Bravo do Nordeste em União dos Palmares

Uma nota na revista Cinearte informa que em abril de 1933 o filme foi exibido em sessão especial no Rio de Janeiro, revelando que a sua montagem aconteceu naquela cidade. O crítico da revista considerou Um Bravo do Nordeste como “um dos mais fracos filmes brasileiros que temos visto, mas tem a originalidade do seu ambiente nordestino, poucas vezes apresentado no cinema”.

Depois de montado, o filme retornou a Maceió e em 8 de maio de 1931 foi lançado festivamente no Cine Capitólio (esquina da Rua do Comércio com o Beco do Moeda), contando com a presença das principais autoridades do Estado. Sabe-se ainda que em Alagoas, além de Maceió, o município do Pilar também viu as imagens de Um Bravo do Nordeste.

A partir de 1º de agosto, o primeiro longa-metragem produzido em Alagoas passou a ser exibido em Recife.

Um Bravo do Nordeste anunciado para o Cine Royal em 6 de agosto de 1931 no Jornal do Recife

O Diário de Pernambuco de 2 de agosto de 1931 informou em uma nota que o filme foi rodado em três meses e destacava o ator principal, Ernani Passos, como um galã, “verdadeiro tipo de atleta”, que mostrou um trabalho digno de admiração, “pois como estreante na arte muda portou-se como um verdadeiro herói e perigoso rival de Hoot Gibson e Tom Mix”.

Continuava a crítica: “Outros artistas: Nice Rocha, uma formosura das terras das Alagoas é a ‘estrela’ do filme; Elizabeth Montenegro, Francisco Rocha Filho e Adalberto Montenegro (fazendeiros em União – Alagoas), além de um grande número de vaqueiros”.

Outra nota, de 5 de agosto, revelou que “as cenas das vaquejadas e outras da vida do sertão são de apreciável sabor de realidade”.

As exibições em Recife foram as últimas mostras do filme. A partir daí não se sabe o destino que ele tomou.

Edson Chagas, que se estabeleceu no Rio de Janeiro, teve seu nome citado como ator em 1933, ao participar do filme Ganga Bruta.

Era um dos profissionais mais requisitados na capital federal para filmagens. Se tornou um dos melhores cinegrafistas do país em sua época.

Em 1935 era o diretor técnico da Sociedade Anônima de Filmes Limitada Edson Filme, fundada em novembro daquele ano. Sua atuação nas filmagens do filme Maria Bonita, em 1937, foi muito elogiada pela crítica. Em 1950 dirigiu o filme católico O Poder da Santíssima Virgem, baseado na história de Senhora Aparecida.

Edson Chagas foi roteirista, cinegrafista, diretor, argumentista e produtor, um verdadeiro “bravo” dos primeiros tempos do cinema brasileiro.

Faleceu no Rio de Janeiro em 17 de março de 1952, aos 49 anos de idade.

Cinema Capitólio em 11 de outubro de 1930. Esquina do Beco do Moeda com a Rua do Comércio

Casamento é Negócio?

A revista carioca Cinearte, de 15 de maio de 1933, publicou uma página sobre o “Cinema brasileiro” e citou que Um bravo do Nordeste, de Edson Chagas não era então a única contribuição “do pequeno Estado nordestino” para o cinema nacional: “Gaudio-Film, de Maceió, confeccionou há pouco a sua primeira produção ‘Casamento é negócio?’, que já está no Rio e foi mostrada a Cinearte pelo produtor Guilherme Gaudio”.

A crítica foi dura: “É um filmezinho que não resiste a uma análise, mas como estreia de um elemento que desconhecia completamente a técnica de fazer filmes, não é mau e temos visto mesmo, filmes produzidos por profissionais, que não tem o interesse do filmezinho do Gaudio…”.

A revista revela que “Guilherme Gaudio, que foi ao mesmo tempo o escritor do argumento, o ‘camera-man’ e o diretor… tem gosto e com os conhecimentos que agora levará do Rio, poderá melhorar extraordinariamente na sua segunda produção”.

Cena de Casamento é Negócio? na Praça Deodoro em Maceió

O crítico avaliou o enredo como não sendo dos piores e ressaltou os galãs como tipos raramente vistos nos nossos filmes. Moacyr Miranda e Luiz Girardi são fotogênicos e agradáveis. A estrela Morena Mendonça foi identificada como não tendo o “bom tipo de cinema”. Armando Montenegro e Agnelo Fragoso tinham “bom tipo” e o casal de velhos, Bonifácio Silveira e Josepha Cruz, mereciam ser aproveitados.

Por fim, a recomendação para o interventor de Alagoas: “O capitão Afonso de Carvalho que tem sido tão amigo do Cinema Brasileiro e no seu contato frequente com o Studio da Cinédia, conhece tão bem as dificuldades do nosso Cinema, deve estimular a ‘Gaudio-Film’, prestigiando-a. Guilherme Gáudio é um elemento que nos parece sincero e sobretudo modesto, qualidade tão rara nos nossos produtores dos Estados, merece continuar”.

A revista informou ainda que na sua rápida passagem pelo Rio de Janeiro, Gáudio esteve na Cinédia e conheceu seus estúdios.

Concluiu aplaudindo o esforço na produção de “Casamento é negócio?” e afirmou que a “Gaudio-Film poderá fazer filminhos bem agradáveis, aproveitando os ambientes encantadores que Alagoas possui. Nós sempre afirmamos que o Norte é um grande Studio, com ambientes inéditos para o mundo inteiro”.

A reportagem da revista trouxe informações importantes sobre o filme, mas revelou não saber quem era Guilherme Gáudio, tratado como um elemento que desconhecia completamente a técnica de fazer filmes.

A informação não era verdadeira. Em 1930, na Bahia, esse cineasta iniciante já havia dirigido Lampião, a Fera do Nordeste, um filme que contou a história da chacina do Rio do Peixe ocorrida naquele Estado e revelou as monstruosidades cometidas por Lampião, que matava criancinhas jogando-as para cima e aparando-as com seu punhal.

A revista Cinearte, de 16 de abril de 1930, criticou a produção: “Tudo filmado com a pior fotografia do mundo, sem noção alguma de arte e sem realidade. A interpretação é pavorosa! Tudo horrível! Como filme, ‘Lampião’ é mais prejudicial à Bahia que o próprio bandoleiro”.

Dias depois a mesma Cinearte (30/04/1930) informou que a Polícia proibiu a exibição do filme no Teatro Olímpia de Salvador.

Não se tem informações detalhadas sobre a origem de Guilherme Gáudio, a não ser que era descendente de italianos e tinha uma família em São Paulo (filho de Bruno Isola e Zaira Gaudio Isola). Também não foi possível identificar o que o levou a participar como produtor em Alagoas de “Um Bravo do Nordeste”, em 1931, e em 1933, já com a Gaudio-Film, de Casamento é negócio?.

A presença do produtor Guilherme Gáudio em Alagoas nesses dois momentos precisa ser mais pesquisada para dimensionar corretamente o seu papel nos projetos com Edson Chagas e Guilherme Rogato.

Há registros de que em Casamento é negócio? Guilherme Gáudio teria escrito o argumento e operado a câmera. Quem assiste ao filme percebe que na abertura é a Gaudio-Film, com sua marca — um cavalo empinando — que apresenta o título.

A produção e direção também foi assinada pela Gaudio-Film e “Casamento é negócio?” teve o financiamento da Companhia de Petróleo Nacional S. A., uma empresa liderada pelo alagoano Edson de Carvalho, que naquele período lutava para provar a existência de petróleo em Riacho Doce e acusava o governo de Getúlio Vargas de boicotar seu empreendimento com o objetivo de atender interesses estrangeiros.

O enredo do filme utilizou a fórmula romanceada da mocinha disputada por dois pretendentes, um rico e outro pobre, mas o plano de fundo era mesmo a denúncia da ação de agentes estrangeiros que tentavam impedir às pesquisas sobre petróleo em Alagoas, como propagava a empresa patrocinadora do filme.

Os protagonistas do filme foram: Luis Girard, Morena Mendonça, Moacir Miranda, Josefa Cruz, Agnelo Fragoso, Armando Montenegro, Orlando Vieira, Antônio Portugal Ramalho, Cláudio Jucá e o Major Bonifácio Silveira. O nome de Etelvino Lima também é citado como parceiro de Rogato na direção e Carlos Paurílio produziu as legendas.

Armando Montenegro ator de Casamento é Negócio?

Por ter motivação política, o filme foi censurado em 8 de fevereiro de 1933. Somente em 3 de abril do mesmo ano foi liberado pela Censura Federal para que fosse exibido naquele mesmo dia em sessão especial, somente para convidados, no Cine Capitólio, em Maceió. O público somente viu a película a partir do dia 7 daquele mês.

Pelo volume de informações sobre a participação de Guilherme Rogato no filme, depreende-se que além de liderar o projeto, fez de tudo um pouco como deixa perceber as publicações do Jornal de Alagoas.

No dia 5 de abril de 1933, na coluna Telas e Palcos, o filme era tratado como “a nova e interessante película da Gaudio Film, dirigida pelo competente cinematografista Guilherme Rogato.

O Diário de Maceió, no mesmo dia 5, identifica as “carências” do filme, mas ressalta que representava “um atestado de esforço e de competência, não só por parte do artista Rogato, como pelos demais elementos indispensáveis à sua confecção”.

Uma nota de 6 de abril de 1933, no Jornal de Alagoas, deixa claro que o filme foi o “resultado de um esforço elogiável do foto-artista Guilherme Rogato e de um punhado de ‘Jeune homme á la mode’ de nossa sociedade.

Moacyr Miranda também foi ator em Casamento é Negócio?

Ainda no dia 6, o Diário de Maceió trouxe uma entrevista com o ator Louis (ou Luís) Girard confirmando o empenho do produtor: “Pode ficar certo que o primeiro filme realizado pelo artista Rogato é um verdadeiro milagre de trabalho enérgico e sem desfalecimento”.

O Jornal de Alagoas, de 7 de abril, cita a produção como sendo da Gaudio-Film e confirma o envolvimento maior por parte de Rogato: “Essa iniciativa do foto-artista Guilherme Rogato, dada a escassez de recursos sensíveis em nosso meio no que se refere cinematografia, constitui uma vitória bem significativa para a nossa população”.

Em 1933, Rogato era um profissional experiente, tendo colhido suas primeiras filmagens em Maceió ainda em 1921. O resultado dessas imagens pioneiras foi exibido no dia 7 de abril daquele ano, quando a tela do CineTeatro Floriano recebeu os curtas: Carnaval de 1921 e A Inauguração da Ponte de Cimento em Vitória.

Paulo de Castro Silveira, em artigo publicado no Jornal de Alagoas de 13 de setembro de 1966, quatro dias após a morte de Rogato, o cita como “Diretor Cinematografista, Laboratorista, Roteirista e Cenarista” do filme de 1933.

Como Casamento é Negócio? foi seu último filme, pode-se concluir que o cinema esteve na vida desse ítalo-alagoano por apenas 12 anos em Alagoas.

Como empresário, chegou a montar uma cervejaria e uma fábrica de macarrão. Segundo Elinaldo Barros em Rogato, a aventura do sonho das imagens em Alagoas, esses investimentos não deram certo, empurrando-o de volta à fotografia em seu estúdio na Rua do Comércio, nº 422.

Guilherme Rogato

Guilherme Rogato faleceu em 9 de setembro de 1966. Seu corpo permaneceu por horas na Igreja de São Benedito para ser velado. Segundo a escritora Heliônia Ceres, em uma crônica publicada na Gazeta de Alagoas, ele ficou sozinho na igreja “aguardando o próprio funeral, entregue a Deus, sem amigos, sem carinho, sem amor, como um grande solitário que descansou“.

A volta pela Estrada da Violência

O projeto deste filme começou a tomar corpo num encontro casual, no Rio de Janeiro, entre seu idealizador, Aécio de Andrade, e José Wanderley Lopes da Caeté Filmes do Brasil, que montava seus documentários produzidos em Alagoas no Estúdio Souza Júnior.

Aécio Florentino de Andrade nasceu em 1931 em Jequié na Bahia e foi o ator Gharles Florentino, que em 1958 atuou como galã do seu primeiro filme (também foi o produtor), Juventude sem Amanhã. Era dele a Kratex Cinematográfica.

Foi numa dessas viagens ao Rio, em 1971, que Wanderley ouviu de Aécio sua intenção de filmar A Longa Volta pela Estrada da Violência, título provisório.

Após os acertos iniciais, Wanderley apresentou Adnor Luna Pitanga a Aécio, que o indicou como assistente de direção.

Um mês depois do primeiro contato, duas kombis já chegavam a Alagoas com os equipamentos para o início da produção.

Aécio de Andrade em 1958 na Revista Cinelândia. Ainda era o ator Garles Florentino

José Wanderley, em depoimento para o excelente documentário Memórias de uma Saga Caeté (agosto de 2012), de Pedro da Rocha, revelou que o dinheiro para iniciar a produção foi obtido correndo o pires entre amigos e que mesmo assim pouco arrecadou. Ficou devendo metade da produção, que foi pago parceladamente em um ano, após se desfazer de parte do seu patrimônio (um terreno e uma casa).

Santana do Ipanema foi a principal locação, por contar com o apoio do prefeito Adeildo Nepomuceno e por ter o agricultor Paulo Ferreira, amigo de Wanderley, oferecido a Fazenda Lagoa do Mato para as filmagens. Os outros cenários foram: Usina Brasileiro, em Atalaia – AL, Maceió e Pilar.

O longa-metragem de 74 minutos de duração, orçado em 100 mil cruzeiros, traz em seu enredo os tradicionais conflitos entre “coronéis” e sertanejos num ambiente de seca, gerando crimes, vingança, cangaço e injustiças. Lugar comum em vários filmes sobre o Nordeste.

A pré-estreia nacional do filme, numa sessão especial, aconteceu no cinema São Luiz, em Maceió, no dia 25 de setembro de 1971, um sábado pela manhã, com a presença do governador Afrânio Lages. Dias depois, em 3 de outubro, foi apresentado ao público alagoano.

Luz, câmera, ação!

Dias após o lançamento em Maceió, o diretor Aécio de Andrade, em entrevista a Miriam Alencar do Jornal do Brasil, disse que filmou “em condições não privilegiadas, porque a produção é de empresa alagoana, que não recebeu qualquer auxílio oficial. O filme está orçado em 100 mil cruzeiros, conseguidos com a adesão de mais seis produtores associados, recurso usual para quem quer produzir independente de auxílios oficiais”.

Caeté Filmes do Brasil Ltda e Kratex Produtora Cinematográfica Ltda lideraram os produtores associados: Os outros foram Aécio de Andrade, Sebastião Ferreira, Guilherme Barreto, Pedro Ferreira Lima, Arnaldo Bastos Santos, Paulo F. de Andrade e Francisco M. de Oliveira.

A produção executiva ficou a encargo de José Wanderley Lopes e a direção de produção foi exercida por Arnaldo Bastos Santos e Guilherme Barreto.

Aécio de Andrade dirige filmagem de A Volta pela Estrada pela Estrada da Violência

Adnor Pitanga, que classificou o filme como o “Início da produção profissional de cinema em Alagoas” e elogiou os atores locais que foram selecionados, citando Sabino Romariz e José Mendes.

Com Argumento, Roteiro e Direção de Aécio de Andrade, A Volta pela Estrada da Violência contou com Adnor Pitanga e José Mendes como Assistentes de Direção e com Dayse Santos Vale garantindo a Continuidade.

A fotografia do filme foi um dos seus pontos altos, conquistando o Prêmio Coruja de Ouro de 1971, oferecido pelo Instituto Nacional de Cinema (INC). Foi a Melhor Fotografia em Preto e Branco daquele ano. Quem dirigiu a Fotografia foi José de Almeida, que também operou a Câmera com a assistência de Carlos Alberto Totes.

A trilha musical de Pedro Santos, que também foi o regente, utilizou a canção “Formação de Bando” e o “Tema de Geracina”, de Pedro Santos e Marcos Vinicius.

O filme utilizou o seguinte elenco: Margarida Cardoso (Geracina), José Mendes, (Alberto Lopes), Maurino Alves (Calixto), Antônio Carnera, Francisco Santos, Vandik Vandré, Walter Bumucha, Guilherme Barreto, Sabino Romariz, Conrado Veiga, Valberto Souza, César Rodrigues, Márcio Rios, Everaldo Liziário, André Mendes, Cid Nilo Souza, Sidney Souza, Cafuringa, Albérico Aranda, Arnaldo Santos, Antonio Monteiro de Souza, George Leopoldino, Valdomiro Gomes, José Raimundo, Pe. Alberto Oliveira, Luiz Roberto Magalhães e Eugene Mendes.

A presença dos atores e equipes de produção nas locações ainda hoje é lembrada pelos moradores dos municípios onde foram colhidas cenas do filme, principalmente os de Santana do Ipanema.

Cena de A Volta pela Estrada da Violência

Fábio Campos, um santanense que colaborou com o filme, lembra de alguns episódios que revelam as dificuldades nas filmagens.

A cena em que Geracina chega à cidade puxando um jegue carregando o filho morto num caçuá estava prevista para ser numa rua deserta. Não deu: a meninada curiosa invadiu a cena. Percebendo que não conseguiria as condições ideias, Aécio de Andrade resolveu incorporar os figurantes. Argumentou que daquela forma acena era mais autêntica. Filmou novamente com a presença do público.

Ainda com o “morto” no caçuá, um dos figurantes (Tonho Baleia) se aproximou, fez cara feia e tapou o nariz ao ver o “defunto”. Muita gente que viu a cena elogiou o desempenho deste figurante. Na verdade, o realismo foi conseguido ao se usar sangue de boi para dar autenticidade aos ferimentos e como entre a maquiagem e a filmagem houve demora, o sangue perdeu a sua validade.

Em outra cena, Zé de Tatá, um dos jagunços, foi “morto” em combate após ser atingido por um tiro, mas, na empolgação e querendo aumentar a sua participação no filme, continuou “vivo”. Só aceitou a sua “morte” quando o diretor gritou que ele estava “morto”.

José Wanderley Lopes e o então bacharel Rubens Vilar, Diretor do Projeto de Televisão Educativa de Alagoas, no dia do lançamento do filme A Volta pela Estrada da Violência

O filme foi exibido nas salas dos cinemas de quase todas as capitais do país. Em 10 de junho de 1974, o Diário de Pernambuco anunciou do filme no Cinema Moderno em Recife. Depois ainda foi mostrado no Cinema de Arte do Cine Coliseu no domingo, 11 de agosto de 1974. A Censura era 18 anos. Permaneceu em Recife até 13 de agosto aquele ano.

Adnor Pitanga, no documentário “Memórias de uma saga Caeté”, ao destacar o pioneirismo do filme em Alagoas explicou a importância histórica dessa produção:

“É um conceito no cinema como negócio que um filme existe quando é lançado, enquanto ele não é lançado ele não cumpriu todo o ciclo de um filme, profissionalmente falando, percorre. Esse filme correu esse percurso porque foi lançado comercialmente. Historicamente o filme cumpriu, e muito bem, essa etapa, ele fez o lançamento comercial nas cidades mais importantes do Brasil — Rio, São Paulo e nas capitais todas. Isso é muito relevante, porque, como eu disse, marca o início da produção profissional de cinema em Alagoas”.

Caetés Filmes

José Wanderley Lopes nasceu no dia 11 de novembro de 1934 em Carmópolis, Sergipe. Filho do alagoano José Bezerra Lopes (de Olho d’Água das Flores) e da pernambucana de Bom Conselho Aurora Araújo Wanderley, foi morar em Maceió ainda muito jovem.

Sua mãe era irmã do famoso fabricante de cofres João Wanderley (João Galego) em Palmeira dos Índios, sogro do radialista Luiz de Barros.

Por falta de condições, em 1956 José Wanderley interrompeu o curso de Direito no 2º ano e, já casado com Deunice Alves Wanderley, foi tentar a vida em São Paulo, onde começou trabalhando nos escritórios da DIPA, Distribuidora Paulista de Filmes.

Depois passou mais dois anos na TITAN Filmes e em seguida foi para a Produtora e Distribuidora Campos Filmes, onde teve contato pela primeira vez com uma câmera, estimulado por seu amigo Sérgio Campos.

De volta a Maceió em 1959 e morando na Rua Santo Antônio, 366, Ponta Grossa, conheceu Pedro Onofre por indicação de um técnico em revelação de filmes de nome Jackson (tinha laboratório na Rua do Comércio, próximo à Praça dos Martírios).

Foi com o apoio de Onofre que criou em 1963 a Caeté Filmes do Brasil, instalada na sala nº 808 do Edifício Breda, no Centro de Maceió. No ano seguinte já era uma “organização cinematográfica” considerada de Utilidade Pública pela Lei Municipal nº 1101, de 16 de março de 1964.

A empresa atuava no mercado alagoano de documentários e reportagens. Durante algum tempo produziu um jornal cinematográfico local, exibido nas principais salas de cinema da capital antes do início dos filmes. O governador Luiz Cavalcanti foi um dos seus clientes e teve algumas de suas viagens pelo interior do estado documentadas pela câmera da Caeté Filmes.

José Wanderley Lopes em depoimento para o documentário a Memórias de uma Saga Caeté de Pedro Rocha

A primeira tentativa da empresa liderada pelo alagoano José Wanderley Lopes em produzir um filme foi tornada pública em 1º de novembro de 1967, quando a Caeté apresentou, no Clube Fênix, o projeto de filmagem do romance “Sidrônio”, então um livro de sucesso do escritor alagoano Adalberon Cavalcanti Lins.

O evento era também o início das vendas de cotas de coprodução. José Wanderley anunciou na oportunidade que a produção seria de grupos do Sudeste vinculados à Herbert Richers.

Até o governador Lamenha Filho prestigiou o evento e garantiu que o secretário de Segurança, coronel Adauto Barbosa, forneceria os equipamentos utilizados pelos “policiais” do filme.

A equipe técnica foi divulgada: diretor de fotografia, Antônio Thomé; diretor de produção, José Wanderley; diretor de cinegrafia, Paulo Abbott; assistente de direção, Adnor Pitanga; produtor executivo, José Wanderley; produção associada, Maceió, Rio e São Paulo.

Em fevereiro de 1968, José Wanderley divulgava que os preparativos para filmagem continuavam e que o cineasta Adolfo Chadler estaria envolvido com a produção. A captação de recursos atingiu 70% do esperado, mas como contratualmente o filme somente seria rodado com o orçamento fechado, o projeto foi interrompido e os recursos devolvidos, com juros, aos investidores.

Atores e plateia no lançamento do filme A Volta pela Estrada da Violência no Cine São Luiz

Em 12 de setembro de 1972 a empresa passou a ser uma “Limitada” (Caeté Filmes do Brasil Ltda), com José Wanderley Lopes sendo o Sócio Administrador e Deunice Alves Wanderley, sua esposa, a sócia.

O segundo projeto cinematográfico da Caeté surgiu em 1971 com a A Volta pela Estrada da Violência. A expectativa era de se conseguir retorno comercial com esse empreendimento, mas isso não aconteceu. Alguns estudiosos identificam que o problema residia nos exibidores, que somente aceitavam filmes coloridos.

Em 1982, a Caeté Filmes do Brasil Ltda estava envolvida com o seu segundo longa-metragem, Mulheres Liberadas, dirigido por Adnor Pitanga.

Eram três histórias eróticas: “O Pneu” (executivo italiano viaja à noite e pede socorro a uma bela garota que estava com seu carro parado no meio-fio por causa de um pneu furado); “O Telefone” (mulher rica, casada e insatisfeita recebe telefonemas obscenos de um estranho, com quem passa a ter fantasias eróticas); e “A Curra” (Marcinha é atacada por dois assaltantes quando está numa praia deserta).

O filme, que teve locação em Maceió e em Rio Bonito no Rio de Janeiro, teve o seguinte elenco: Rossana Ghessa (Elisa), Ana Maria Kreisler (Luiza), Tânia Moraes (Márcia), Arlindo Barreto (Júlio), Arthur Roverdder (Pietro Boticelli), Reinaldo Genes, Ivan de Almeida, Luiz Oliveira, Carlos Sammero e Wellington Wanderley.

O último projeto de longa-metragem da Caeté foi apresentado à Ancine em 16 de novembro de 2001. José Wanderley conseguiu a autorização para captação pela Lei Rouanet do filme “Alexandrita – Olhos de Fogo”. O orçamento era de R$ 3.452.920. Filme de longa-metragem pretendia abordar a riqueza oculta nas entranhas da terra, na área de mineração de esmeraldas na Bahia. Em 12 de janeiro de 2005 foi cancelada a autorização, após uma prorrogação em 2004.

Em 22 de abril de 2005, o projeto foi reapresentado como “Alexandrita – Olhos de Fogo I”. O orçamento era de R$ 3.938.754,15. Foi cancelado em 17 de julho de 2009, após uma prorrogação em 30 de janeiro de 2008.

José Wanderley não desistiu e em 16 de novembro de 2009 novamente “Alexandrita – Olhos de Fogo” estava autorizado a captar R$ 3.679.670,75. Teve uma prorrogação em 26 de janeiro de 2010, mas foi cancelado em 8 de março de 2013.

A Caeté Filmes do Brasil não mais produziu filmes a partir dessa data e José Wanderley Lopes, pai de nove filhos e aposentado, guardou por décadas mágoas da falta de investimentos oficiais para os seus projetos, mas se orgulhava de ter presenteado o povo alagoano com o seu filme “A Volta pela Estada da Violência“. Faleceu em 21 de fevereiro de 2023.

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Noventa anos depois de Um Bravo do Nordeste, Alagoas comemora os feitos de Edson Chagas, Guilherme Rogato e José Wanderley Lopes e aguarda por mais um longa-metragem para sua história.

3 Comments on O cinema alagoano 90 anos depois

  1. Antonio Alfredo // 18 de outubro de 2021 em 20:50 //

    Wanderley é exemplo de garra, profissionalismo e amor a arte cinematográfica .

  2. Muito orgulho do meu avô!!

  3. Estou orgulhoso em saber da tragetoria do meu avô 😔🙏

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