Noaldo Dantas e a receita da comunicação
Texto publicado originalmente na revista Última Palavra de 31 de março de 1989
Era uma sexta-feira, dia 13. E ainda mais, do mês de agosto. Para os supersticiosos, não existe motivo maior para se ficar em casa. Há quem encare como um dia de sorte e existem, também, os indiferentes, para quem tanto faz o dia ou o mês. Superstições à parte, foi num dia como esse que Alagoas ganhou, há quase 14 anos, um filho que veio para deixar marcas e fazer história. A teimosia de não ficar calado e ter a presença do momento o trouxeram do planalto da Borborema, na Paraíba, para registrar sucesso na comunicação alagoana.
Foi esse o caminho que colocou o jornalista e advogado Noaldo Dantas em Maceió no dia 13 de agosto de 1975, como diretor do “Jornal de Alagoas” e daí em diante responsável pelo que de mais importante aconteceu na imprensa do Estado nos últimos 10 anos. Vereador e vice-prefeito, ainda na juventude, na cidade onde nasceu, Campina Grande, a Noaldo Dantas pode ser atribuída como profissão a de fundador de jornais. Em sua vida já foram sete, três dos quais em Alagoas, inclusive esta ÚLTIMA PALAVRA.
Com essa trajetória e a experiência de já ter sido secretário da Comunicação na Paraíba e em Alagoas, é que Noaldo aponta como ruim a atual fase da imprensa alagoana. Para ele, ela parou no tempo e “não nasce e morre no meio da rua”, como defende como norma para se fazer um bom jornal. Mesmo sendo o “pai da criança”, podendo ser considerado por alguns como suspeito, Noaldo acha que a única novidade é a ÚLTIMA PALAVRA, pela revolução na linguagem e na abordagem dos problemas.
E faz até comparações com a revista semanal “A Carta“, que circula em João Pessoa. Na sua opinião, a ÚLTIMA PALAVRA é o que de mais original existe no Norte e Nordeste, já que a revista dos paraibanos é voltada quase na sua totalidade para os assuntos políticos. Mas, na comparação entre a imprensa feita em Alagoas e a paraibana, a opinião de Noaldo é a de que a de lá tem mais méritos, por ser mais buliçosa e atuante. Aliás, com a experiência acumulada na trajetória da comunicação, ele também aponta a censura como uma das responsáveis pela diferença. “Aqui em Alagoas, a censura é bem maior. A Paraíba é um Estado mais politizado, onde se respira política”.
Esse espírito de pioneirismo, com competência para aglutinar forças, fez o jovem Noaldo Dantas compreender logo cedo a força de um jornal. Ele tinha ainda 17 anos e não era jornalista. Trabalhava como funcionário da General Eletric, no Rio de Janeiro. Segundo conta o próprio Noaldo, um dos diretores da empresa era um americano, “bichona convicta”, que insistia em ser faturado pelo pessoal jovem da GE. Quando recebia uma recusa, o empregado ia para o olho da rua.
— “Uma noite de trabalho extra”, lembra Noaldo, “reuni o pessoal e imprimimos um jornalzinho no mimeógrafo, sob o título “O GE“. Acontece que o editorial de primeira página foi escrito em inglês por um dos nossos companheiros de trabalho e denunciava o guloso americano. No outro dia, o referido diretor foi demitido das suas funções e o jornal foi oficializado”. Aliás, o “O GE” é um dos quatro jornais fundados por Noaldo que permanece em circulação, sendo que um deles, “O Momento“, foi transformado em diário na Paraíba.
Jornalismo e poder
Mas, se o jornal tem força e até projeta para o poder, ele também tem o preço do outro lado da moeda quando se tem a coragem de não ficar calado ou quando um erro ganha dimensão nacional. As duas coisas aconteceram com Noaldo. Ainda na Paraíba, como secretário de Comunicação e Turismo do governo Ernani Sátiro, ele foi exonerado por um fato de repercussão nacional. É que o jornal “A União“, vinculado a sua secretaria, noticiou corno manchete de primeira página a escolha do general Orlando Geisel ao invés de Ernesto para presidente da República.
Claro que ele não teve nada a ver diretamente com o erro, cometido pelo redator de plantão ao ser informado por um agente da Polícia Federal, na época da ditadura militar, que a notícia do Geisel estava liberada. E lá se foi Orlando, com foto e tudo, onde era Ernesto. Mesmo em momentos como este, Noaldo reagia com tranquilidade e sem perder o espírito do bom humor. Quando Sátiro comunicou a exoneração, ouviu uma resposta que considerou desrespeitosa. Mas o jornalista Noaldo Dantas garante que não teve a intenção ou essa conotação quando se despedia do governador dos paraibanos com a frase de Manoel Bandeira: “só resta tomar um conhaque e ouvir um tango argentino”.
A outra saída da equipe de um governo já foi em Alagoas, só que dessa vez em forma de desconvocação para ser o secretário do Trabalho do então governador eleito e ainda não empossado Guilherme Palmeira. O estopim foi uma matéria publicada no “Jornal de Alagoas”, onde o general Golbery do Couto e Silva, tutor dos governos da ditadura militar, era duramente criticado, e até ridicularizado, pelas tentativas de interferir na política alagoana e fazer do suplente José Alves de Oliveira um deputado com mandato no Congresso Nacional.
A matéria foi elaborada em Recife pelo jornalista Nilton Oliveira e chegou à noite à redação do jornal. Era um sábado e o texto não chegou a ser lido por Noaldo, que no entanto assumiu total responsabilidade pela publicação. Tanto é que lhe valeu não apenas a desconvocação para o governo, mas também a demissão da direção do jornal dos Diários Associados. É que na época, o senador João Calmon, presidente do Condomínio Associado, aproveitou o pretexto para com a demissão se reaproximar do todo-poderoso Golbery, com quem estava de relações estremecidas. Desse episódio, Noaldo confessa que não tem mágoas do hoje prefeito Guilherme Palmeira, apesar de considerar que foi uma atitude de fraqueza, mas não perdoa os Diários Associados.
Depois de três meses com o capim crescendo na porta de casa e da solidariedade ter vindo principalmente dos companheiros do batente do jornalismo, foi a vez de por um breve período se tornar “rainha da Inglaterra” como diretor da “Gazeta de Alagoas“. O pedido de demissão foi para fundar a polêmica e bem-nascida “Tribuna de Alagoas“, que como “O GE” do tempo da sua juventude, mostrou a força de um jornal e marcou uma nova época na imprensa de Alagoas. A “Tribuna” viveu por oito anos e o próprio Noaldo define com poucas palavras a razão para o insucesso: “o capital era do PDS e a força de trabalho da competente extrema-esquerda“.
Aos 55 anos e definindo-se como satisfeito e inquieto com a vida, o jornalista Noaldo Dantas já enfrentou ameaças, tanto no “Jornal de Campina“, quando até os jornais para distribuição eram passados por cima do muro da casa vizinha, como prevenção contra possíveis ações dos mandatários da política de Campina Grande, como na época da “Tribuna de Alagoas“, quando até segurança pessoal lhe foi concedida como garantia de vida. Foi o tempo de escândalos políticos e administrativos, quando pela força de informação diversos integrantes do governo foram desestabilizados e o então prefeito Fernando Collor foi acuado pela decisão da cobrança da taxa do lixo.
Mas o paraibano Noaldo Dantas, transformado em gente das Alagoas numa sexta-feira, 13 de agosto, confessa que não sentiu medo como jornalista. Não por disposição pessoal, mas antes de tudo pelo exercício da prática do caráter, que deve ser sempre o primeiro mandamento da atividade da comunicação e principalmente de um fundador de jornais. Sem dúvida que a superstição do 13 de agosto valeu como um dia de sorte para a história de Alagoas, que ganhou muito mais espaço para ser contada, vivida e modificada através da disposição de um paraibano que criou com a sua presença alagoana o espaço para uma grande reportagem.
“Cansei de fundar jornais”
ÚLTIMA PALAVRA – Qual o segredo de um bom jornal?
Noaldo Dantas – Um editor leal e competente, uma equipe entusiasmada e uma certa coragem.
UP – Ainda vai fundar algum jornal na vida?
ND – Não sei. É importante na vida sempre começar de novo. Por enquanto, cansei de fundar jornais. Aprendi muitas lições no jornalismo, entre as quais a de que o jornalista é um miserável importante e que só tem prestígio quando não precisa.
UP – Por que você vendeu a ÚLTIMA PALAVRA?
ND – Uma empresa sem capital de giro, sem respaldo oficial, sem grupo econômico de sustentação, dificilmente sobreviverá. Lutei até o fim, isto é, como se diz na Paraíba, morri fardado, honradamente. Alagoas merece esta revista, cujo destino agora está nas mãos do professor João Azevedo, uma excelente figura humana. A equipe foi mantida e, segundo o João, a linha editorial também. Agora só me resta relembrar Manoel Bandeira e dar a mesma resposta que dirigi ao governador Ernandi Sátiro, no momento da minha exoneração como secretário: vou tomar um conhaque e ouvir um tango argentino…
UP – Guarda saudades dos jornais que fundou?
ND – Não. Saudade é vontade de voltar e eu vou passar um tempão fora disso. Guardo, sim, lembranças dos bons companheiros que trabalharam comigo.
UP – Quais os jornalistas que mais o impressionaram na vida?
ND – Cláudio Abramo e Joarez Ferreira.
UP – E quais os melhores editores que conheceu e trabalhou?
ND – Dênis Agra e Cláudio Humberto Rosa e Silva, hoje secretário de comunicação do governo Fernando Collor.
UP – Do jornalismo para a política, qual o seu candidato a presidente da República?
ND – Voto em Mário Covas. Se não estiver com chances ou não for para o segundo turno, o meu voto é de Brizola.
UP – E a candidatura de Fernando Collor?
ND – No plano nacional, ele está dando uma jogada de mestre. Só que isso vem significando o sacrifício de milhares de alagoanos.
UP – Alguma lição para os novos jornalistas?
ND – Leiam, leiam, leiam.
UP – Cite um livro que mexeu com você.
ND – “Crime e Castigo”, de Dostoievski.
UP – É católico?
ND – Sim, de recenseamento.
UP – Tá na moda jornalista escrever memórias. Você planeja escrever as suas?
ND – Penso em escrever um livro de crônicas. Como diz o escritor Alcides Carneiro: “recordar não é viver; recordar é viver de lembranças e viver de lembranças é morrer de saudades”.
UP – Já sentiu medo como jornalista?
ND – Não. O escritor José Américo dizia que ser temido é meio caminho andado. Dirigi um jornal em Campina Grande, “Jornal de Campina’ ‘, onde os jornaleiros recebiam os exemplares por cima do muro da casa da vizinha, com medo dos capangas do prefeito que rondavam a sede do jornal. Era impresso em papel vermelho e malcriado que só. Basta dizer que no dia em que balearam um dos grandes líderes populares da Paraíba, Félix Araújo, vereador à época, o “Jornal de Campina” vendeu 20 mil exemplares. Rodou tanto que a máquina derreteu-se. Outra fase difícil, já em Alagoas, foi no do coronel Amaral (hoje um amigo meu) quando eu dirigia o “Jornal de Alagoas”. Já no auge da “Tribuna”, recebi muitas ameaças de morte.
UP – Como foi a decisão de sua vinda para Alagoas?
ND – Eu era um dos diretores do jornal “O Norte”, quando fui convidado pelo superintendente dos Diários Associados no Nordeste, Nereu Bastos, para vir dirigir um jornal que, segundo ele, estava falido em Alagoas. Aceitei e em três anos, o jornal passou de menos de mil exemplares, por dia, para uma tiragem que chegou aos oito mil e com situação financeira equilibrada. Tínhamos una boa equipe e tive o apoio do governador Divaldo Suruagy, que já me conhecia como secretário de Estado da Paraíba, nas reuniões da Sudene.
UP — Ganhou muito dinheiro com jornal? Conseguiu ficar rico?
ND — Não. Meu patrimônio se resume a um carro e uma casa financiada pelo BNH. Além de jornalista, sou aposentado como advogado do Banco do Brasil.
UP — Revele uma frustração?
ND — Não ter conseguido ser eleito deputado estadual na Paraíba. Tive quatro mil votos, mas fiquei de fora. Mas, foi o destino. Saí de Campina Grande para me filiar ao Partido Socialista Brasileiro, em João Pessoa. Esperei quase um dia inteiro e não encontrei o presidente do partido. Como campinense não dorme fora da sua cidade, voltei para casa e não mais me filiei ao PSB. Fui candidato pelo PTB. Tive quatro mil e poucos votos. O PSB só apresentou um candidato, que foi eleito com pouco mais de dois mil votos. E pelo acerto que tinha havido antes, eu seria o candidato do PSB, com a filiação ao partido, que não aconteceu apenas por um desencontro.
UP — De onde vem a rebeldia do seu espírito?
ND — É do caráter. Sempre fui jornalista. Certa vez, eu era correspondente do “Correio da Paraíba” em Campina Grande e passei por telefone a notícia de que a filha do prefeito foi encontrada dando o “bumbum”. A notícia era verdadeira, o jornal publicou a informação. Eu sabia que haveria problema, mas não consegui ficar calado. No outro dia, fui chamado a João Pessoa pelo diretor do jornal e demitido.
UP — E agora, vai pendurar as chuteiras?
ND — Não. Planejo ingressar no setor do turismo, onde tenho uma certa experiência. Já fui secretário de Turismo da Paraíba e vejo grandes perspectivas para o turismo alagoano. Pretendo passar uns dias fora, descansando.
UP — Você participou, de alguma maneira, da equipe de campanha do prefeito Guilherme Palmeira. O que está achando da sua administração?
ND — Acho que está faltando imaginação. A administração está com gosto de sopa de hospital. Apesar da falta de dinheiro, existem formas para sair do marasmo. Deixar de apenas tapar buracos. Até agora, a comunidade não aderiu.
UP — De onde vem a boemia dos jornalistas?
ND — Acho que é o tipo de trabalho, a atividade durante a noite. De maneira geral, todo jornalista gosta da noite, que é quando os homens ficam mais inteligentes e as mulheres mais bonitas.
UP — Cite três grandes amigos que fez em Alagoas.
ND — Zito Cabral, Joarez Ferreira e Tobias Granja.
UP — Como jornalista e homem de governo, qual o político mais hábil que você conheceu?
ND — Apesar de grandes políticos paraibanos, ninguém supera Divaldo Suruagy. Ele é um fiandeiro de amizades.
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