No Tempo das Rimas de Silvestre Péricles

Inauguração da Praça Arthur Ramos em 13 agosto de 1950. Na foto o prefeito João Teixeira, governador Silvestre Péricles e Silvio de Macedo falando

“Nunca tive a pretensão de ser poeta”, confessou Silvestre Péricles no início de sua “Nótula Pessoal” do livro No Tempo das Rimas, lançado em 1947, quando estava iniciando seu mandato de governador de Alagoas.

Muito criticado por seus adversários políticos, o livro foi o passaporte de Silvestre para a Academia Alagoana de Letras. Ocupou a vaga deixada por Rodrigues de Melo poucos meses após suas poesias terem começado a circular.

Capa da 3º edição do livro No Tempo das Rimas

Lembrado pelo historiador Luiz Nogueira como alguém “temido e odiado por uns tantos, mas também lembrado e admirado por outros tantos…”, Silvestre assim também foi tratado como poeta.

Independente das críticas, o prefácio do seu livro foi escrito por ninguém menos que Menotti Del Picchia, um dos principais personagens da Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 e membro da Academia Brasileira de Letras.

Vamos deixá-lo apresentar a obra, que ao final do texto estará disponível para download.

PREFACIO

Todo livro de versos é, para quem saiba lê-lo, uma autobiografia. Mesmo nas mais surrealistas das transposições — que o poeta, tal qual o visionário de Patmos, geralmente se oculta na metáfora — fura, como uma borboleta trespassada por um alfinete, e que se debate viva, um pedaço da alma.

Dona Constança, a mãe do Silvestre Péricles

Às vezes, um livro, como certas inscrições rupestres ou certos incunábulos mutilados, é fragmentário. Há nele lapsos de silêncio, como se a alma, bruscamente, se calasse ou se encolhesse.

Quando o poema. retoma seu fio, sua linguagem é diferente. Para um leitor menos avisado, que não soubesse descobrir a sutil unidade do espírito e não conseguisse dar uma voz a esse silêncio, o poeta pareceria frívolo e independente, não narrando seu drama íntimo em cada poema, mas entregando-se, liberto e exterior, ao tema.

Ignora, quem não penetra no mistério do milagre lírico, que o fluxo criador jorra de uma ânsia, de uma contínua e angustiosa necessidade de expansão, e que os temas não são impostos ao artista pelo mundo físico ou moral, mas, que são resultantes de uma identidade instintiva e casual, feita da íntima qualidade da emoção, que quer exteriorizar-se, integrando-se no motivo temático pela carga de identidade que o mesmo sugere. Assim, quando o poeta está falando de uma borboleta, de um crepúsculo ou de uma montanha, ele está identificando sua alma com a versatilidade de um voo, com a angústia de um cair de tarde ou com o ímpeto majestático de uma cordilheira. E mesmo que seja hermético e não faça como Silvestre Péricles em “Nuvem de Amor” e “Dos Rios”, explicando suas imagens como mágico de circo que dá à plateia a receita da sua prestidigitação — se o poema não é um estúpido jogo de palavras, é sempre uma revelação da alma, descreva ele um céu fosforescente ou relate o ardor de uma batalha.

Silvestre Péricles divulgando a construção do Palácio do Trabalhador

Não foi sem razão que os egípcios integraram, no desenho de imagens, a expressão do verbo, que é sempre alma imanente.

Isso quer dizer que, se todos dispusessem de técnica, melhor, ou pior, todos se exprimiriam em versos, que é a maneira mais instintiva e, ao mesmo tempo, mais complexa e total de realizar-se um espírito. A qualidade plástica da poesia recua, em tal caso, para um plano secundário. A carga de alma revelada é o que passa a valer mais. É nesse sentido que afirmamos ser todo livro de versos uma autobiografia.

Silvestre Péricles oferece-nos trechos saltuários da sua, pois as datas que identificam seus poemas são acrobáticos saltos no tempo.

Ficam vazios de silêncio, que são como a cor neutra da gelatina das chapas ainda não reveladas, a que une banho de hidroquinone fará ressaltar a imagem ali fixada e escondida. Não é difícil, nesse largo friso, recompor as interrupções curtas. O mesmo generoso fluxo lírico dá os contornos do desenho mutilado e unidade à obra de arte. Se o poeta preferiu, nesses lapsos, a discrição do silêncio, o poema teve, em tal caso, apenas o relevo interior da contemplação estática — que é a forma muda, negativa e pávida da poesia — ou da autofecundação preparadora de novas germinações artísticas. O certo é que o poeta veio vindo, desde os distantes dezessete anos, fiel ao homem dinâmico, e integrado, em exaustiva ação, no século de tanto gasto físico e tormentoso.

O irredutível romântico — feliz dele! — salta das composições iniciais — Orfandade, 1913 — A que não veio, 1930 — para reaparecer, nessa revelação de um reencontro com sua própria e perene emotividade, em Onze anos depois (1941), onde, mais que um tema de soneto, há uma impressionante nota autobiográfica, isto é, o encontro de sua alma de então com sua alma antiga, a mostrar sua constante identidade:

…Entro na tua casa. O sol fulgura.
Mas, dentro em mim, há frêmitos dolentes
de incertezas, saudades e ternura.

Surges, por fim. No teu olhar sem cores
releio o meu destino: estão presentes
nossas recordações e nossas dores.

* * *

Creio que é justamente nessas notas românticas que mais amo este espírito. É sempre aquele mundo emotivo, que escondemos dentro de nós, o mais limado e capitoso. A nota cívica, estridente como uma clarinada e, como a clarinada, metálica, perigosamente eloquente, não raro inconscientemente convencional, e o tema pomposo, que serviu já de ponto de referência a milhares de virtuosismos técnicos, não oferecem ao artista possibilidades e mistérios como esse material pessoal e sensível, que é a obscura carga lírica que cada qual esconde na alma. É na manipulação dessa matéria que melhor se revela o estro de quem fingiu voltar “ao tempo das rimas” para encontrar o melhor de si mesmo, como se regressasse a umas zonas mais ricas e amadas do próprio “eu”, para aí identificar melhor a própria essência, ter a medida mais exata da própria personalidade e verificar que o Senhor o dotou da virtude mais alta: a de perpetuar a si mesmo em substância lírica, que é eterna…

  1. Paulo — 1947. MENOTTI DEL PICCHIA

Baixe o livro em pdf clicando AQUI.

Amor a Alagoas

Bilhete com seus últimos pedidos

Graças um material guardado por Rita de Cassia Mota Santos, filha do engenheiro Germano Santos e que acompanhava seu pai nos almoços no Parque Hotel, quando Silvestre Péricles vinha a Maceió, temos acesso hoje aos seus últimos desejos.

Em um bilhete datilografado e datado de 20 de setembro de 1969, escrito no Rio de Janeiro, o ex-governador assim orientou seus familiares “Zizinha, Constancinha, Neném e Terezinha”:

“1 – Quero se enterrado em Maceió, no chão raso, como qualquer popular.
2 – Somente uma cruz indicando minha última morada.
3 – Uma placa simples com uma inscrição: Silvestre Péricles – Nasceu, viveu e morreu amando Alagoas – Pede a todos que rezem a Deus por ele.
4 – Como tenho serviços de guerra interna e externa, talvez um avião da FAB possa conduzir o meu corpo até Maceió.
5 – Que Deus abençoe a todos”.

Logo abaixo do texto datilografado, assinado e datado de 24 de outubro de 1969, escreveu talvez o seu último verso:

“Volto a Alagoas, um dia,
ao som das ondas do mar.
Depois, em Deus, que alumia,
dormir, viver e sonhar”.

Quando faleceu, no dia 13 de novembro de 1972 em Brasília, seus corpo não foi levado para Maceió como pediu. Ficou até 1978 no Campo da Esperança, quadra 307, jazigo 29.

Foi o então governador Divaldo Suruagy quem viabilizou a remoção dos seus restos mortais para Maceió, atendendo ao pedido dos seus familiares.

A exumação ocorreu no dia 29 de março de 1978 e o traslado foi autorizado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal no dia seguinte. O corpo foi transportado por via aérea acompanhado pelo coronel PM Edson Gomes da Silva e em Maceió foi sepultado na Igreja de São Benedito, no Centro de Maceió, onde permanece até hoje.

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