Na tela do cinema de Anadia
Sabino Fidélis de Moura (*)
“Foi assim, a lâmpada apagou, a vista escureceu, um beijo então se deu, e veio a ânsia louca, incontida do amor”. Com dificuldade pra narrar algo que mora no meu íntimo e que faz parte dos inesquecíveis momentos que pelas nossas vidas são permeados.
Como descrever a emoção o encantamento de um jovem inebriado!
Há bem pouco tempo, a memória retida no cume calmo dos meus olhos, ainda era as das visitas à casa do meu amigo Paulo Messias – Paulinho, pois junto a um grupo de amigos adorávamos assistir, pra ser mais exato, ouvir no rádio Nordesom que seu Paulo Rodrigues tinha acabado de trazer de São Paulo, o clássico CSA x CRB, diante dele, onde o som dava umas fugidas nas ondas sonoras, fazendo com que nos aproximássemos cada vez mais quando isto ocorria.
Memoráveis são as lembranças! A casa do meu amigo Paulo Messias era um referencial de alegria, mesa farta, família grande e feliz. Além da beleza das suas irmãs e amigas que as visitavam. Era deleite para nós.
As esparsas experiências em ver a exibição de um filme era meio que improvisada no Salão da Sobra ou no mercado da farinha, apesar da emoção contida no filme faltava algo que completasse o mágico momento.
E como por encanto, Joãozinho Teixeira, empresário da vizinha cidade de Maribondo, comprou duas casas antigas, uma delas aonde funcionava o Fórum da cidade e ali começou a construir o cinema de Anadia, com uma fachada de azulejos coloridos, a porta ampla, dando entrada para o hall onde ficavam expostos os enormes cartazes do filme. Cativante, exuberante, impressionava pelo colorido das suas imagens.
Atônitos, inebriados estávamos todos nós ao ingressarmos naquele templo de fantasias e sonhos!
Não é preciso entrar em detalhes do frenesi que a cidade inteira vivenciava, o burburinho, a famosa propaganda do boca a boca. O cinema chegou efetivamente em Anadia.
E neste contexto eu com o vigor da minha adolescência, jogando futebol, dançando na Zueira Dancing Bar, vestindo camiseta e calça jeans e usando sandálias lepe-lepe, cabelos soltos ao vento, me iniciando na complicada tarefa de conquistar alguém para juntos curtirmos as nostálgicas e estreladas noites de Anadia.
Tarefa nada fácil, pois apesar de termos todo tempo do mundo, mas mesmo assim eram tantas as atividades que terminávamos solitários. A turma do futebol, a da escola, os amigos de infância estávamos em plena efervescência.
As conversas longas embaixo das frondosas árvores da Praça Dr. Campelo de Almeida, prazerosas e inconfessáveis histórias. Era como se estivéssemos em um divã. Falível a qualquer um soltar, confessar e até mesmo inventar beijos e “amassos” nas filhas alheias.
Partia dali também a estratégia, a forma como seria a atuação no cinema!
Como sempre gostei de contar e falar das coisas boas da cidade por quem sou apaixonado acrescento mais uma ao repertório. E desta vez falando da emoção de recordar um momento ímpar por mim vivenciado.
A turma toda tinha combinado que sábado era o dia da exibição de um filme legal – Nasce uma Estrela, que contava a história de um talentoso astro do rock-and-roll.
Lá estávamos nós no hall do cinema, mascando chiclete, observando as pessoas chegarem e em especial as meninas… Um frisson para quem é de uma cidade do interior.
A nossa turma era muita eclética, tinha os que já possuíam a experiência de assistir filme na capital e outros que ainda não. Portanto tinha muita coisa nova a ser vista e realizada.
Sempre fui uma pessoa muito tímida, calma e discreta. Mas hoje posso contar que senti um frio na espinha quando uma anadiense jovem adentrou ao recinto, meus olhos miraram a moça que gostaria de roubar um beijo. Disfarçadamente me afastei um pouco da turma e com o início da exibição do filme, mirei exatamente onde estava sentada a bela jovem.
Sentei-me do seu lado, começamos a assistir ao filme – nervoso, agitado, mas com o desenrolar da projeção, fui me acalmando, comecei a sentir o seu perfume, no escurinho notei sua respiração ofegante. Aproveitando-me da nossa proximidade, perpetuei o que tinha planejado, roubei-lhe um beijo!
Naquela época, estava impregnado em meus ouvidos a canção que dizia: “Procuro um amor que seja bom pra mim, vou procurar, eu vou até o fim… Pode ser que a encontre numa fila de cinema, num esquina ou numa mesa de bar”.
Na realidade não encontrei o meu amor nas condições descritas pela letra da música, mas não esqueci e não devo deixar de falar da empolgação que fiquei no dia seguinte, pois a turma toda estava bem próxima à cena – o que eu não sabia, era que inclusive o irmão da moça também tinha visto tudo.
Os comentários da turma passaram a ser o assunto predileto, se referiam mais aos beijos presenciados do que até mesmo ao filme!
Claro que a nossa cidade deve ter inúmeros casos e estórias a serem contadas a partir da inauguração do cinema. Repito, conto sempre que possível as minhas, para que elas possam, ao se tornarem públicas, fazerem parte das coisas boas e inesquecíveis da nossa apaixonante Anadia.
Não dá pra apagar da memória o cinema, os filmes, os amigos, a bela moça, o beijo, são cenas encravadas na minha alma.
A canção continua com os versos “Nos seus olhos quero descobrir uma razão para viver e as feridas dessa vida eu quero esquecer”. No meu caso já encontrei a razão pro meu viver há bastante tempo, mas sempre que escrevo e falo sobre Anadia, as feridas dessa vida me ajuda esquecer.
Por isso que digo, na tela do cinema em Anadia!
(*) É filho de Anadia.
Gostaria de ter o contato do autor deste texto! Muito obrigada! 🙂
Marianna, você encontra ele no Facebook nesse perfil: https://www.facebook.com/sabino.demoura