Moacyr Miranda e o Cine Lux
Elinaldo Barros
Moacyr Miranda foi um homem do cinema, que viveu o cinema intensamente, fazendo da vida o seu roteiro. Foi o galã do nosso único filme que marca um período sociocultural de Maceió, e registra a arte do pioneiro da cinematografia alagoana, Guilherme Rogato. O filme é “Casamento é Negócio?“, realizado em 1933.
Moacyr Miranda foi o dono de um cinema muito importante para a Maceió da década de 30, o Cineteatro Delícia, localizado na Rua do Sol, hoje, João Pessoa, defronte do prédio dos Correios e Telégrafos. O Delícia ficou em seu poder até o início da década de 40, quando vendeu o prédio a uma companhia de seguros.
[Segundo Aldemar Paiva em “Saga do 44º Espada d’água e outros causos e mais causos“, Moacyr Miranda “mexia com ferro velho até que descobriu sua verdadeira vocação para o cinema”. O proprietário do Cinema Delícia era Renato Tiririca, que faleceu em 4 de junho de 1938. Provavelmente, Moacyr Miranda adquiriu o Cinema nesse período. Nota da editoria do História de Alagoas].
O idealizador e proprietário do Cine Lux [foi inaugurado em 16 de setembro de 1948] era uma personalidade que cairia muito bem como alguns dos personagens de John Huston – audaz, livre e aventureiro, desafiando a vida. Tanto que seu derradeiro ato foi uma reprise de episódios anteriores que lhe ocorreram na estrada de Riacho Doce, após uma animada noitada de jogo. Moacyr Miranda sofreu três acidentes automobilísticos. O primeiro numa Kombi; o segundo num Simca Chambord e, o terminal, num Aero Willys, no dia 14 de julho de 1970.
Nascido em 12 de novembro de 1909, Moacyr Miranda era uma figura querida e respeitada de Maceió, especialmente, da Ponta Grossa. Presenciei muitas vezes, aquele tipo alto e forte como John Wayne, imponente a comandar a enorme fila de excitados espectadores, ansiosos para pegar um bom lugar no imenso auditório do colosso da Ponta Grossa. Destacando-se facilmente entre todos e, todos o conheciam, ao mínimo de vista, tonitruava sua voz num possante aviso que acalmava e dava alento aos seus fiéis espectadores:
“— Ainda tem lugar na frente!”
E a corrida para as derradeiras cadeiras ganhava uma saborosa sensação de disputa. Aqueles que não mais pegavam uma cadeira e não conseguiam uma negociação com algum rapazola pelo assento, ia se acomodar junto aos grandes janelões, depois transformados em grandes e largas portas para melhor arejar o salão.
Muitas vezes o vi conversando animadamente numa roda de amigos na porta do então famoso “Bar do Mané Caixão“, localizado na esquina da Santo Antônio com a Santa Fé. Era um pulinho do cinema e lá se comentava política, o futebol no Mutange e na Pajuçara, um “western” com Randolph Scott, uma comédia de Jerry Lewis ou os atributos de alguma beldade do bairro, alguma boneca cobiçada, digna de um samba-canção de Adelino Moreira, na voz de Nelson Gonçalves.
Quando não, ele estava na Sorveteria Riselene, também na mesma esquina, no outro lado, tirando dois dedos de prosa, ou degustando um saboroso sorvete de coco, especialidade do “seu” Guilherme. Ou então, atravessava o salão do cinema e se misturava com a plateia, comungando das emoções do retângulo luminoso. Não duvido que ele esteja passando filmes no céu.
Trecho do livro “Recordações de um Cinema de Bairro”, de autoria de Elinaldo Barros. O título original é “A figura de Moacyr Miranda”.
Belíssima historia, homem digno, que viveu a frente do seu tempo, respeitando o próximo e os valores da alma.
Quanta saudade