Milton Braun, o gaúcho do Passaporte

Edberto Ticianeli – jornalista
Não lembro o dia nem o mês, mas foi numa manhã de 1973 que o gaúcho Milton Braun me procurou lá no bairro Ponta Grossa, onde tínhamos uma oficina de consertos de fogões. Já o tinha visto algumas vezes no Frigorífico Norte Carnes, instalado na Rua da Assembleia e pertencente a outro gaúcho de nome Clóvis, com quem pretendia montar uma fábrica de embutidos em Maceió. Era esse seu objetivo quando aqui chegou em 1971, com sua esposa Laci de Lourdes Braun e sua filha Maria Cristina Braun.
Consegui saber que ele era natural de Bom Retiro Sul, Rio Grande do Sul, e que fora comerciante em Porto Alegre. Tinha um açougue. Era filho de José Carlos Braun e de Nelma Maria Braun. Casou-se em 1961. Sua companheira, D. Laci, é filha de Antonio Mathias Cardoso e de Juventina Maria Cardoso.
O projeto da fábrica de embutidos não prosperou e Milton resolveu montar uma lanchonete num pequeno reboque estacionado sobre a calçada da Av. da Paz, em frente ao Clube Fênix Alagoana.
Na manhã do dia em que pretendia inaugurá-lo, uma vistoria do Corpo de Bombeiros encontrou problemas na instalação dos quatro ou cinco pequenos fogões de acampamento dentro do trailer. Enquanto não atendesse o exigido pelas normas de segurança, não receberia o Alvará de funcionamento.
Foi essa a razão dele ter me procurado naquele dia. Fui até o local e constatei que realmente o que ali existia comprometia a segurança do empreendimento. Propus que interligássemos os vários fogões por canos de cobre, alimentados por um botijão maior colocado do lado de fora, eliminando assim os pequenos botijões de dentro da instalação.
Passei o dia trabalhando nos flangeamentos dos canos de cobre e fazendo as adaptações para as conexões. Consegui terminar uma hora antes do retorno da vistoria dos Bombeiros, perto das 16h. Mostrei que estava tudo funcionando e me dispus a ir embora, alegando que estava com fome por não ter almoçado.
Temendo que ainda poderia precisar da minha intervenção diante algum problema identificado pela fiscalização, Milton me pediu para ficar até a liberação do Alvará, que seria às 17h. Felizmente, os Bombeiros vieram e não encontraram nada de anormal. Com a autorização nas mãos, ele mandou acender os fogões para aquecer a água que mantinha os pães e os demais ingredientes na temperatura e umidade corretas.
Alguns minutos depois, orientou os seus funcionários a produzirem o primeiro Passaporte. Saiu um de galinha, que me foi entregue como prêmio por ter esperado até aquela hora sem almoçar. Gostei tanto que voltei dias e anos seguidos a frequentar o Passaporte Gaúcho na Av. da Paz. Aliás, faço isso até os dias atuais, sempre optando pelo de galinha, sem salsicha.
Em poucos dias já era considerado o melhor sanduíche da cidade. E era mesmo. Quem, como eu, comeu o Cachorro-quente do Lira na Praça da Faculdade e o do Torreirinho na porta do Cine Lux, ficava surpreso com os sabores do Passaporte Gaúcho.
O Passaporte do Zé
Quem morava em Maceió e estava acostumado a lanchar o cachorro-quente tradicional da cidade, logo teve que se acostumar com o novo sanduíche, com um nome muito diferente: Passaporte.
O que tinha a ver um documento obrigatório para viagens internacionais com comida? Qual teria sido a fonte de inspiração para Milton Braun? Para mim, esse mistério perdurou por décadas. Só recentemente, quando tive que demonstrar que uma foto de um trailer com o nome “Passaporte“ não era o de Alagoas, terminei por descobrir onde surgiu a famosa denominação.
Em 1959, na cidade de Porto Alegre, José Ribeiro Faillace era garçom do Bar do Fedor, na Osvaldo Aranha. No início do ano seguinte, resolveu vender cachorro-quente num reboque instalado na Praça da Redenção. Ficava aberto até o sol raiar e sua principal freguesia na madrugada era de boêmios e frequentadores dos bailes.
Foi um sucesso. O mais pedido dos cachorros-quentes era um fortemente apimentado, que logo recebeu o nome de “Passaporte para o Inferno”. E o Zé passou a ser o Zé do Passaporte. Foi daí que Milton Braun retirou o nome para o seu negócio e dos seus sanduíches em Maceió.
O amigo Raul Osório Cleto, que estudou em Porto Alegre no Colégio Militar, situado em frente ao Zé do Passaporte, confirmou essa história numa recente postagem em seu perfil no Facebook. Ele revelou que conversando com o Milton e dizendo que conhecia o Zé do Passaporte em Porto Alegre, ouviu dele a confirmação da origem do nome.
Zé do Passaporte faleceu em 1994, mas o seu empreendimento continua vivo no Rio Grande do Sul.
Da mesma forma, continua a fazer sucesso em Maceió o Passaporte Gaúcho, que já esteve num reboque bem maior, na Praça Sinimbu e no canteiro da Av. Santa Rita de Cássia, antes de se estabelecer no imóvel de nº 36 dessa mesma avenida.
Em frente ao Passaporte Gaúcho, no outro lado da Av. Santa Rita de Cássia, a família Braun abriu, no nº 77, o Galetos Braun, que começou a funcionar no início da década de 1980 e que também fez rápido sucesso entre os maceioenses. Atualmente, este empreendimento é um amplo restaurante, que preserva a antiga denominação e a boa qualidade dos seus serviços.
Milton Braun faleceu em 24 de abril de 2016, mas os negócios da família continuam administrados por Roniclei Cavalcante, o Roni, que há anos é um parceiro da família Braun em Alagoas.
Boas lembranças nos fazem viajar no tempo. Obrigado, amigo e parabéns pelo seu trabalho.
Conheço e sigo como cliente desde o início e permaneço degustando o saboroso passaporte de galinha, hoje com meus filhos e netos. Deus continue abençoando a todos que fazem o passaporte Gaúcho 🙏🏿🙏🏿🙏🏿
Muito grato, prezado Ticianeli.
Que coisa linda! Vc investigou coisas que estavam nebulosas até prá nós, pelo tempo passado. Muito obrigada em nome da familia !
Excelente!!!
Excelentes lembranças
Excelentes lembranças da infancia e quer perdura até hoje.
Seu Milton veio trabalhar na empresa Norte Carnes para fabricar embutidos, meu pai José Calazans, era gerente. Moravam no Trapiche e fomos diversa vezes participar de churrascos em sua casa. Família querida
Ticianeli, memória viva do nosso povo. Parabéns!
Como é delicioso transitar por uma estrada chamada História! Por ela temos a oportunidade de esclarecer os muitos porquês, muitas vezes revivendo o passado. Obrigado.
Excelente texto. Mas o Galeto Braun já existia no início dos anos 80. Lembro de ir lá, criança com meu pai, após brincar na recem-reformada praça Gonçalves Ledo.
Morei na Av. Pará e tinha o passaporte da Centenário como apoio pra lanchar no retorno das tocadas .
Por favor, Sr. Ticianeli, continue com esses seus trabalhos que são de grande importância, principalmente para nós que vivenciamos, essa época, muito obrigado
Muito bom, Ticianeli! Você é o grande cronista da história alagoana. Apenas senti falta dos passaportes do 7 Coqueiros
BOAS RECORDAÇÕES! PASSAPORTE DO GAÚCHO, QUE PASSAPORTE GOSTOSO, EU E MEU ESPOSO NA ÉPOCA MEU NAMORADO, SEMPRE COMÍAMOS NO PASSAPORTE DO GAÚCHO COM SUCO DE MANGABA! O MELHOR !! 🥰
Nasci em 1960, comecei a frequentar o passaporte do gaúcho na Centenário (mais precisamente em frente a praça, na rua Santa Rita de Cassia) por volta de 1975/1976, lembro que ainda era solteiro. Quanto ao comentário de Sérgio Moreira, o passaporte do 7 coqueiros não era o Gaúcho, era o famoso ZipZip…
Me lembro quando a galera vinha do surf da praia do pontal e trapiche caminhando até a praia na avenida no finalzinho da tarde.
Ficávamos até o início da noite esperando para meter bronca no sanduíche mais gostoso da cidade.
Linda história! Conheci muito. Morava na rua da praia.Parabéns! O melhor era o passaburguer com carne!
Trailer na praça Santa Rita com praça centenário.
Anos 70.
Um amigo comia que ficava com maionese até na orelha.
Bons tempos….
Sou cliente com meu filho até hoje.
História impressionante!!! Excelente trabalho de pesquisa….. Sou Alagoano, sou de Maceió, moro no Rio de Janeiro, capital desde 2007. Faz muita falta aqui o Passaporte do Gaúcho, o galeto prensado e a maionese de milho então, kkkkkk. É visita certa quando vou a Maceió ver família…. Grande abraço….