Menino Petrúcio, o beato alagoano do Cemitério de São José

Colegas do menino Petrúcio na Casa do Pobre de Maceió em 1938, ano da sua morte.

Petrúcio Correia nasceu no dia 3 de fevereiro de 1927 na Rua Ouro Preto, Farol, em Maceió. O menino franzino era filho do viçosense Francisco Aprígio Correia e da cearense Maria Menezes Correia. A humilde casa onde moravam também era habitada por mais sete irmãos.

Menino Petrúcio

Com a morte do seu pai em 1935, a família se desestruturou e ficou na miséria. Francisco Aprígio era um militar que para sustentar a numerosa família também era verdureiro no mercado público da capital.

Com condições de vida precárias, Petrúcio viu seus irmãos morrendo doentes e quando somente restava ele e mais dois, sua mãe os levou para a Casa do Pobre, onde pediu guarida na instituição da Arquidiocese inaugurada no dia 31 de janeiro de 1932, ainda denominada Colônia de Mendigos.

Depoimentos dos mais antigos descrevem D. Maria, que passou a ser tratada como D. Maroca, como uma morena clara de estatura mediana que tratava a todos com meiguice e amabilidade. Estava sempre triste e vestindo roupa branca com um cinto preto.

Petrúcio, como a sua mãe, era sisudo e pensativo, demonstrando timidez. Estudava e ajudava as freiras na jardinagem, mas sempre que tinha uma oportunidade, corria para jogar futebol, sua paixão.

No internato, onde tinha a alimentação garantida, não esquecia das dificuldades vividas pela mãe e irmãos. Certo dia, a madre pediu-lhe que fosse até o centro de Maceió fazer algumas compras e lhe deu quatrocentos réis para o bonde. Quando voltou, a madre perguntou porque estava todo suado. Ele explicou que tinha ido correndo para guardar o dinheiro para a mãe comprar açúcar.

Imagem do Menino Petrúcio

As dezenas de crianças órfãs que recebiam abrigo, alimentação e educação da Casa do Pobre, também ganhavam a orientação religiosa da Igreja Católica, principalmente das freiras da Ordem São Vicente de Paulo.

Foi nesse ambiente que Petrúcio passou a demonstrar extrema devoção religiosa, comungando diariamente e confessando-se às quartas-feiras. Era devoto de Nossa Senhora e diretor do Apostolado da Oração. Nos meses de maio, liderava tríduos, novenas e orações. Ajudava também diariamente a santa missa.

Foi batizado em uma das consagrações coletivas promovidas pelo monsenhor Antônio Valente, o mesmo religioso que lhe deu a primeira e última comunhão.

Doença

Quando começou a sentir dores agudas no intestino e ter febre e frio em determinadas horas do dia, Petrúcio procurou uma das freiras e lhe comunicou que estava se sentindo doente.

Foi aconselhado a ficar na cama. Dois dias depois, percebendo que não melhorava, pediu ao capelão que lhe desse os últimos sacramentos. Disse que a febre tinha subido e “com febre não se brinca“, teria dito.

Monsenhor Antônio Valente foi quem batizou o menino Petrúcio

Teve uma pequena melhora e numa conversa com a freira enfermeira foi perguntado se queria ficar bom ou seguir para o céu. Respondeu rindo que queria ir para o céu, mas lamentava deixar a mãe e irmãs.

Outro depoimento indica que essa conversa teria sido com a mãe e que sua resposta foi que preferia ir para o céu onde poderia ajudar a ela e à Casa do Pobre.

A irmã Susana, uma das administradoras da Casa do Pobre, disse que “ele prometeu que nunca faltaria pão nem para a mãe nem para a Casa do Pobre. E isso aconteceu. Depois que ele morreu, a mãe conseguiu comprar uma casa com as doações que recebeu por causa dele. Na Casa [do Pobre], passamos por apertos, mas nunca faltou pão”.

Por esta razão é que em todos os cômodos daquela instituição de caridade existe um retrato do Menino Petrúcio.

Quando teve piora em sua doença, chamaram as pressas o padre Medeiros Neto (há depoimentos indicando que foi o monsenhor Antônio Valente) para fazer a confissão e lhe dar o último sacramento. Ao terminar, o padre teria dito: “Confessei um santo!“.

Morreu na tarde do dia 24 de abril de 1938 de febre tifoide, como registrou o médico J. Vasconcelos no atestado de óbito. Tinha 11 anos de idade.

Seu enterro foi pago por Adauto Viana, que era o proprietário da Loja do Povo, e contou com a presença de muita gente. Já era considerado um menino-anjo.

Religiosidade e Milagres

Não se sabe como e quando alguém passou a reconhecer que ele tinha poderes de cura. A hipótese mais provável é que esse dom tenha surgido após a divulgação do ato de premonição da sua própria morte.

Segundo os mais antigos, o menino, já agonizando com a doença, teria dito a uma das freiras que uma mulher surgira em uma visão dizendo que viria buscá-lo às 15 horas e que isso de fato aconteceu. Ele faleceu às 15 horas.

Sua devoção religiosa e suas preocupações com a mãe também contribuíram para criar a imagem de um menino “santo”.

Outro episódio que reforçou sua fama de milagreiro envolveu sua irmã Eurídice, que estava muito doente três dias após a sua morte. Tinha o corpo coberto de feridas e não conseguia nem falar e nem levantar-se da cama.

Sua mãe pediu em oração que Petrúcio cuidasse da saúde de sua irmã. Poucos dias depois, ela estava curada e um ano depois voltou a andar normalmente.

Uma nota de agradecimento publicada no jornal O Semeador também testemunhava a cura de uma dor de dente de uma senhora que já tinha procurado os melhores cirurgiões de Alagoas.

O caso mais famoso envolveu uma pessoa da família Leão da Usina Utinga, que alcançou uma graça e procurou sua mãe para saber como podia ajudá-la. Ao saber que D. Maroca tinha o sonho de possuir uma casa para criar suas duas filhas, o beneficiado pela cura ofereceu-lhe uma casa na Rua da Palha, atual Rua Cabo Reis na Ponta Grossa, onde a família montou uma pequena bodega.

A própria Eurídice, sua irmã, tem uma versão diferente para a compra desta casa.

Ela informou que após a morte de Petrúcio a família foi morar no Patronato, uma instituição assistencial de Maceió. Com o dinheiro recebido das pessoas beneficiadas por graças realizadas pelo Menino Petrúcio, compraram uma casa na Rua Barão de Atalaia, no Poço, em Maceió.

Algum tempo depois adquiriram a casa na Rua Cabo Reis, nº 547 por 900 cruzeiros. Lá, D. Maroca viveu até o seu falecimento em 6 de fevereiro de 1962. Suas filhas, Marina Correia Pereira e Eurídice Correia, venderam a casa e dividiram o dinheiro. Eurídice comprou uma casa na Gruta do Padre nº 212. Marina foi morar no Jacintinho, na Rua Penedo, nº 453.

Jazigo do Menino Petrúcio no Cemitério de São José

Falta um santo em Maceió?

Em depoimento à Folha de S.Paulo em 25 de dezembro de 2004, Edson Santana, então com 78 anos de idade e ainda trabalhando na Casa do Pobre, revelou que conviveu com Petrúcio e que ele “era um menino normal, só era diferente no comportamento. Era muito obediente. Se fosse vivo, acredito que teria ido para o seminário“.

O folclorista Luís da Câmara Cascudo avaliou a sua dedicação à religião como uma “impressionante precocidade religiosa e caritativa. É o Guy de Fontgalland brasileiro”.

Padre Manoel Henrique, um dos maiores estudiosos sobre a religiosidade popular e autor do livro Práticas Simbólicas – Uma análise discursiva de Mitos, Ritos e Prédicas da religiosidade popular, escreveu um artigo sobre o Menino Petrúcio intitulado Falta um santo em Maceió, onde também ressalta as suas boas qualidades religiosas.

Cita o estudioso que monsenhor Valente se referia ao Menino Petrúcio como alguém que “quase teria se encaminhado para a vida religiosa se não houvesse morrido tão perto da aurora da vida. Com a sua batina vermelha de coroinha, Petrúcio já me parecia um levita do Senhor”.

O jazigo do Menino Petrúcio é o mais visitado no cemitério do Trapiche da Barra

Em sua pesquisa, Manoel Henrique se refere à citação do professor e historiador José Maria Tenório Rocha, que publicou no Jornal de Alagoas o seguinte: “Todas as pessoas que conheceram pessoalmente Petrúcio, são de acordo em afirmar que era uma criança excepcional, uma personalidade invulgar, “santa”. De tipo físico diminuto, o menino era moreno claro, magro como a mãe perecendo um palito”.

Logo após a sua morte, o seu túmulo no Cemitério de São José, no Trapiche da Barra, em Maceió, passou a ser procurado principalmente pela população mais pobre, que acendia velas para ele, deixando também placas e ex-votos em agradecimento por graças alcançadas.

Até no Diário de Pernambuco, de 7 de outubro de 1958, surgiram publicações em reconhecimento dos seus poderes miraculosos: “Agradeço a Santo Amaro e a São Severino e ao Menino Petrúcio as graças alcançadas. L. C. B.”.

Ainda hoje, muitas crianças recebem o nome de Petrúcio ou Petrúcia como pagamento de promessa pelas ajudas as mães com problemas durante o parto.

Essa devoção popular levou recentemente o monsenhor Rubião Lins Peixoto, da paróquia de Nossa Senhora de Lourdes, em Maceió, a pesquisar os supostos milagres do Menino Petrúcio com o intuito de solicitar ao Vaticano a abertura de um processo para a sua beatificação.

Padre Manoel Henrique

“A Cúria disse que eu poderia recolher os fatos. É preciso ter muita calma e cautela. Não há processo de beatificação”, disse Peixoto. “Mas o povo tem inspirações que vão se revelando. Compete à igreja, se quiser, dar a palavra definitiva sobre proclamar ou não essa criança como um exemplo de vida“, explicou monsenhor Rubião Peixoto. Essa investigação já realizou a exumação do corpo e exames de DNA.

Padre Manoel Henrique também se alinha com os que defendem a beatificação de Petrúcio e do Padre Cícero, lembrando que a Igreja no Brasil já indicou Dom Helder Câmara, Dom Luciano Mendes, Irmã Zilda Arns para receberem esse reconhecimento da Igreja Católica.

Enquanto não se resolve se o Menino Petrúcio é um beato ou não, centenas de pessoas frequentam anualmente o Cemitério de São José para homenagear àquele que supostamente lhes prestou ajuda.

10 Comments on Menino Petrúcio, o beato alagoano do Cemitério de São José

  1. André José Soares Silva // 17 de outubro de 2018 em 09:17 //

    Vicente de Paulo, e não de Paula. Fundou a Congregação da Missão, que são os Padres Lazaristas.
    Com Luísa de Marillac fundou as Filhas da Caridade, que são as religiosas Vicentinas.

  2. Jose Wilson dos Santos // 17 de outubro de 2018 em 20:59 //

    Linda história, durante minha infância na Rua Cabo Reis ouvi muito se falar no Menino Petrucio, e em seus feitos !

  3. Minha mãe era devota do menino Petrucio e recebeu muitas graças através dele.

  4. Vinícius Maia Nobre // 19 de outubro de 2018 em 16:15 //

    Já tinha conhecimento sobre o Menino Petrúcio e o julgava como tantos outros das crendices populares , como ja está se tornando também a do Menino Marcelo ! Muito valido esclarecer a vida dessas pessoas e o que de bom foram em vida . Meu abraço de parabéns ao Ticianeli pela oportunidade de aprender com mais detalhes esses fatos que acontecem e aconteceram em nosso meio .

  5. Renato Ross // 30 de outubro de 2018 em 03:09 //

    Vinicius Maia Nobre me de detalhes do caso do menino Marcelo e me diga se acho a venda uma imagem do Petrúcio mas estou em sp capital. Grato

  6. Gilvan Rodrigues // 12 de abril de 2020 em 16:45 //

    Parabéns Ticianeli, por nos trazer mais luz para o nosso conhecimento

  7. Alguém tem a oração dele? A do tumulo rasgou grato
    Pode mandar no e-mail

  8. Sou muito feliz por ter um conterrâneo concorrente a Santo, Maceió precisa muito do Menino Petrucio entre outros Anjos e Santos

  9. Gilvanilda Maria Gomes // 27 de abril de 2023 em 10:18 //

    Que história maravilhosa e verdadeira . Somos chamados a sermos Santos e Deus escolhe a quem quer ser e os capacita. Não importa a idade.

  10. Por favor envie a oração dele por e-mail. Agradeço!

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