Mendonça Neto, a voz que não se cala
Por Geraldo de Majella
Antonio Saturnino de Mendonça Neto, jornalista, advogado, professor, político e escritor. Nasceu no dia 10 de março de 1945, em Rio Novo – Minas Gerais, filho do casal Antonio Saturnino de Mendonça Júnior e Cloripes Matos Mendonça.
Mendonça Neto passou a infância entre Minas Gerais e Alagoas. A adolescência e juventude, viveu-as no Rio de Janeiro, e foi na antiga capital federal que ele se aproximou do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda. A influência política do udenista carioca moldou a sua vida como jornalista e político.
No jornalismo, iniciou-se no Diário de Notícias, trabalhando, em seguida, nas revistas O Cruzeiro e Manchete, no Rio de Janeiro.
Ao regressar a Alagoas em 1973, Mendonça Neto se filia ao antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, nas eleições de 1974, candidata-se a deputado estadual e se elege como o mais votado do estado de Alagoas, após aparecer na televisão, utilizando o programa eleitoral do MDB de Pernambuco. Obteve mais de 15 mil votos.
A força dos seus discursos, a coragem em denunciar as violências cometidas pelos militares e seus seguidores civis em Alagoas, rapidamente o colocaram no centro da cena política local.
As tardes no plenário da Assembleia Legislativa de Alagoas eram de um marasmo tumular. Esse clima foi quebrado com os discursos do jovem e elegante deputado oposicionista.
As denúncias feitas contra o sindicato do crime, organização clandestina que assassinava políticos e quem mais os chefes políticos entendessem como obstáculos em suas vidas. A voz do bravo Mendonça Neto se voltou contra esses antigos donos da vida e da morte nas Alagoas do século XX.
Quando ninguém no plenário da Casa de Tavares Bastos falava pela anistia aos presos políticos, a voz que ecoou foi a de Mendonça Neto. E quando os crimes prosperavam sob o comando dos agentes da segurança pública era Mendonça Neto que cobrava, exigia, denunciava aos gritos e se postava ao lado das famílias enlutadas.
Foi assim que ocorreu quando assassinaram o estudante Jailton dos Santos, pelo fato de casualmente ter presenciado a execução de José Cândido, portador de deficiência mental e seu amigo. Ambos foram assassinados por policiais civis. Ao lado das famílias, lá estava o deputado Mendonça Neto.
O clima de violência dominava Alagoas. As eleições de 1978 foram fraudadas, como de resto as anteriores. O candidato da oposição ao Senado, José Moura Rocha, comandou a campanha da oposição e o MDB. Foi derrotado pela soma dos votos de legenda. Mesmo assim, individualmente foi o mais votado. A bancada de deputado federal foi formada por Mendonça Neto e José Costa, os dois mais importantes parlamentares de Alagoas, naquela época, com origem na oposição ao regime militar.
A mesma coragem demonstrada em Alagoas foi vista no Congresso Nacional. As denúncias de violações dos direitos humanos e de corrupção continuaram a ser parte da sua plataforma parlamentar. Aliás, essas questões durante toda a vida pública do deputado e jornalista Mendonça Neto foram temas obrigatórios.
Em 1982, Mendonça desiste de ser deputado federal, mas continua na vida parlamentar, elegendo-se agora deputado estadual, cumprindo mandato de 1983 a 1987. Esta legislatura foi uma das melhores da história republicana pela sua composição e pelo clima de embate mais aberto contra o regime militar. O PMDB elege uma bancada significativa na sua composição e na representação, sendo eleitos democratas de vários matizes ideológicos: socialistas, comunistas e peemedebistas históricos.
Foi nessa eleição que José Costa e José Moura Rocha foram derrotados em suas pretensões de ser governador e senador, respectivamente. A máquina de corrupção e intimidação continuava organizada e a serviço dos candidatos governistas.
A voz que não se cala continuou a bradar do plenário da Assembleia Legislativa de Alagoas. A força da juventude aliada ao aprendizado com o guru carioca Carlos Lacerda intimidava os adversários pela contundência dos argumentos e pela coragem em manter-se fiel aos princípios políticos e pessoais de militante oposicionista.
Mendonça Neto foi um desses políticos que nunca se dariam ou estariam bem no Poder Executivo. A sua alma foi moldada para se colocar na trincheira da oposição e, justiça seja feita, pelo menos historicamente, no curtíssimo período em que exerceu um cargo executivo não conseguiu êxito. Em 1987, durante o governo Fernando Collor, foi secretário de Planejamento de Alagoas. Aí ficou poucos meses e saiu brigando com o governador.
Antes, em 1986, havia disputado uma vaga de senador, e pelo menos os que estão mais vinculados à militância política sabem que mais uma vez a fraude institucionalizada que ocorria nas eleições roubou o seu mandato popular.
Deixa o PMDB em 1988, filia-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), legenda pela qual de 1991 a 1995 exerce novamente um mandato de deputado federal. Sua ira e seu destemor são lançados da tribuna do Congresso Nacional, desta vez em franca e aberta oposição ao seu arqui-inimigo Fernando Collor de Mello.
Tanto no grande expediente como no pinga-fogo da Câmara dos Deputados, quase que diariamente Mendonça Neto discursava denunciando algum ato por ele considerado incorreto do presidente da República. Assim agiu até os últimos instantes, quando foi votado o impeachment de Collor.
O seu último ponto de passagem no universo partidário foi a sua filiação ao Partido do Socialismo e Liberdade (Psol), candidatando-se a deputado estadual, mas já sem nenhuma condição de fazer campanha, por estar muito debilitado pelo câncer. As suas poucas aparições no horário eleitoral mantiveram a sua tradição de denúncias contundentes. Não conseguiu se eleger.
O jornalismo foi aos poucos sendo deixado de lado, pois foi em certa medida sufocado pela política, que o ocupou todo o tempo durante as últimas três décadas. Mas nos últimos anos voltou, mantendo o mesmo estilo, sempre combativo e mordaz nas críticas aos governos, aos governantes e às elites de Alagoas.
A derivação temática ou de gênero resultou na crônica e no conto. O cronista e o contista Mendonça Neto deixaram marcas talvez não tão profundas como o político, mas os que desejam estudar os temas encontrarão, por exemplo, em “Um olhar no coração” material substancioso.
Os “Contos de Alagoas − uma Antologia”, organizado por Mendonça e editado pela Editora Catavento, pode ser considerado um salto para um ambiente que o atraía. Não houve, creio, tempo para se dedicar à literatura, pois a política o consumia integralmente.
O legado político de Antonio Saturnino de Mendonça Neto é o de extremo combate a todas as formas de injustiças e desigualdades. Acrescente-se a isso o grande orador que foi − sem dúvida, o maior de sua geração.
Após lutar bravamente contra um câncer, no dia 10 de novembro de 2010 a “voz que não se cala” finalmente silenciou.
Apreciei muito os discursos deste brilhante orador na minha cidade de Penedo, quando o mesmo ia combater os descamisados e lutar pelo povo o qual amava. Descanse em Paz