Matriz de Camaragibe, uma ilha de gente livre nas terras do Senhor Bom Jesus
Não há dúvidas entre os historiadores que a povoação que deu origem a Matriz de Camaragibe surgiu a partir de uma igreja situada onde hoje está instalado um Cruzeiro, no Alto da Igreja Velha, antigo Alto do Outeiro.
O Almanak do Estado de Alagoas de 1891, ao constatar que não se sabia “a época em que a povoação de Camaragibe (Passo) teve predicamento de freguesia”, indicou que isso ocorreu “muitos anos antes da existência da freguesia de Porto de Pedras, criada pela lei nº 17 de 28 de abril de 1835”.
Segundo a publicação, esta constatação pode ser feita pelos limites determinados pela lei, “mas também da antiguidade bem remota da povoação que se denomina Matriz de Camaragibe, situada a menos de três léguas acima da atual cidade do Passo, e onde existe a antiga matriz, sob a invocação do Senhor Bom Jesus, templo cuja edificação data do ano de 1700, e d’onde foi transferida pela resolução nº 417 de 9 de junho de 1864 a sede da freguesia para a capela filial de Nossa Senhora da Conceição do Passo, a qual sob este orago ficou servindo de matriz”.
Thomaz Espíndola, na sua Geografia Alagoana, de 1871, confirma que a freguesia do “Passo de Camaragibe” teve “sua sede transferida da povoação de Camaragibe para a do Passo por lei provincial nº 417 de 9 de junho de 1864″.
Constata ainda o Almanak que Camaragibe começou a “ser habitado por colonos portugueses quase ao mesmo tempo que Alagoas [Marechal Deodoro] e Porto Calvo, sendo o seu primeiro núcleo de população estabelecido no lugar em que se formou o dito povoado da Matriz de Camaragibe”.
A adoção da denominação Passo de Camaragibe surgiu “a fim de se distinguir da antiga povoação que se chamava simplesmente do Camaragibe”.
Antônio Saturnino de Mendonça Júnior, um dos célebres filhos de Matriz de Camaragibe, ao escrever sobre a história do então distrito para a Revista Mocidade nº 6, de novembro e dezembro de 1946, revelou detalhes históricos sobre o surgimento do povoamento.
“A primitiva capela do Senhor Bom Jesus foi erigida em princípios do século XVII no lugar denominado Outeiro Redondo, nas terras do Engenho do Meio, do alcaide-mor Cristovam Lins”, explica o escritor.
Narra ainda como surgiu a nova igreja e o local do povoado: “… no dia vinte e quatro de maio de 1686, na casa de d. Brites Lins Vasconcelos, viúva do alcaide-mor, o capitão-mor José de Barros Pimentel então proprietário do Engenho do Meio, doava um pedaço de terra, adonde chamavam Ilha, onde morava Gonçalo Moreyra para que na dita terra se construísse a dita igreja matriz e se fizesse povoassem e que todos os moradores que nela morar livremente poderiam fazer sem pagar foro nem pensão alguma coisa como diz a escritura de doação”.
Continua Mendonça Jr: “No mesmo ano [1686], iniciou-se a construção da matriz que foi inaugurada em 1700, desligando-se da paróquia de Porto Calvo sendo os seus primeiros párocos os reverendos padres João de Faria, André de Oliveira Pinto, João Maurício Wanderley e Francisco Ribeiro Ribas”.
Lendas
Mendonça Jr. descreve também as lendas que cercaram o nascimento do lugar. Uma delas contava que durante a guerra holandesa o local foi um dos poucos que os “hereges” não conseguiram ocupar.
A razão dessa inviolabilidade milagrosa era a constatação, por parte dos holandeses, da presença de tropas alinhadas para a defesa quando marchavam para invadir estas terras. As tropas nunca existiram. Atribuiu-se ao Senhor Bom Jesus o poder de criar miragens para afastar os agressores.
A outra lenda também é encontrada nas histórias de nascimento de muitos povoamentos no Brasil. Em 1685, a imagem do santo desaparecia da igreja e era encontrada em um pé de gitó existente no lugar denominado Ilha. Assim conhecido por estar cercado pelas águas do Camaragibe e pelos alagadiços Faleiro e Uruá.
O fato se repetiu inúmeras vezes e foi entendido como um indicativo do local que Bom Jesus estava escolhendo para sua igreja.
Um detalhe na igreja matriz chama a atenção até hoje. No presbitério existem duas imagens do menino Bom Jesus. Uma delas, a menor, seria a original. A outra é uma réplica desta e foi utilizada enquanto a primeira recebia restauração em Recife. A pioneira voltou, mas a sua substituta permaneceu ao seu lado.
Cobrança indevida de foros
Cem anos após a doação das terras para o povoamento, seus ocupantes tiveram que enfrentar um sério problema de descumprimento da escritura inicial.
Em 1786, o proprietário do Engenho do Meio, Joaquim José de Santana Lins, filho do capitão de cavalos João Lins de Vasconcelos e neto do doador das terras, resolveu cobrar foros aos moradores da povoação.
Quem defendeu os ocupantes das terras foi o vigário Francisco Ribeiro Ribas, que moveu uma ação de manutenção da posse. Foi derrotado na primeira instância, mas recorreu à Ouvidoria Geral, que julgou a ação procedente. Joaquim José de Santana Lins ainda apelou à instância superior na Bahia, mas perdeu prazos e o recurso foi arquivado.
Segundo Mendonça Jr., foi essa particularidade sobre a posse das terras “entre o rio Camaragibe e os alagadiços do Faleiro e do Uruá, [que] constituiu sempre uma ilha de gente livre numa região de latifúndios escravocratas”.
E continua: “Com efeito, todo o vale do médio Camaragibe pertencia a uma família, à família Lins de Vasconcelos. Os modestos artesãos que se desentendiam com os senhores de engenho teriam de emigrar ou sujeitar-se ao trabalho escravo se não encontrassem homizio contra a prepotência feudal nas ruas da povoação, onde todos podiam morar livremente, sem pagar tenças nem pensões ou foros e sem conhecer outro senhor que não fosse o santo padroeiro”.
Com a edição da Lei Provincial nº 417, de 9 de julho de 1864, Matriz de Camaragibe deixou de ser temporariamente a sede da paróquia, que foi transferida para a cidade de Passo de Camaragibe.
Foi o presidente da Província, José Cesário de Miranda Monteiro de Barro, que restaurou a freguesia do Senhor Bom Jesus na vila de Camaragibe com a Lei Provincial nº 1047, de 29 de dezembro de 1888.
Neste período, circularam dois jornais no distrito. O Camaragibe em 1880 e o Atalaia em 1883.
Século XX
No jornal Gutenberg de 19 de outubro de 1905, o jornalista Francisco Izidoro escreveu uma série de reportagens sobre os municípios da região Norte do Estado como parte da campanha para a instalação da “Ferrovia Norte Alagoana”.
Ao detalhar a situação de Passo de Camaragibe, considerado como “um dos municípios mais povoados; pelo último recenseamento em 1900 contava com 22.996 almas, hoje elevado a trinta mil”, o jornalista destacou que Matriz de Camaragibe, “conhecido por povoação de Camaragibe”, “é um povoado mui importante com um florescente comércio e é sede de uma parte rica, zona agrícola do alto Camaragibe para onde convergem parte dos produtos do interior vindos de grandes distâncias. A sua edificação é boa e quase todas as casas são de telhas”.
E continuou: “Foi elevada a vila com foro judiciário, mas ainda não se acha instalada. Tem quatro igrejas, estação do Correio, escolas primárias, repartições fiscais”.
Entretanto, o que mais influenciou nos destinos do distrito de Matriz de Camaragibe foi, no início da década de 1920, a abertura de estradas e suas consequentes pavimentações que procuravam interligar Maceió e Recife pelo litoral norte, evitando as travessias por balsa na Barra de Santo Antônio e em Porto de Pedras.
A partir da década de 1960, algumas outras obras trouxeram benefício para Matriz de Camaragibe. A primeira delas, que teve início no governo de Luiz Cavalcante, foi a pavimentação da estrada que interligava Maceió e São Luiz do Quitunde.
Ao planejar esta obra, Luiz Cavalcante definiu que a pavimentação deveria continuar em direção a Matriz de Camaragibe a partir do local onde existiu a Usina Pindoba, abandonando a antiga estrada que desviava o trajeto por Passo de Camaragibe.
O engenheiro Vinicius Maia Nobre, em seu livro Paixão Incalculável, explica que o novo trajeto reduziu o percurso em cerca de 18 km e que os moradores do Passo não gostaram da diretiva deixada pelo Major. Por vingança, mesmo antes da obra acontecer, votaram contra seus candidatos.
Quem realizou a construção foi o governador Lamenha Filho, natural de São Luiz do Quitunde. Ele continuou a pavimentação até Porto Calvo. Coube a Afrânio Lages concluir o trecho alagoano da rodovia, deixando a estrada pavimentada até Maragogi.
Durante a primeira metade do século XX, Matriz de Camaragibe viu crescer lentamente sua população e sua economia, principalmente sendo beneficiada por ter uma localização privilegiada, tendo também acesso por estrada a Joaquim Gomes.
Foi esse desenvolvimento que fez nascer o sentimento emancipatório entre seus cidadãos. Assim, surgiu em 1957 o Jornal da Matriz, porta voz do movimento que alcançaria a vitória no ano seguinte.
Formação Administrativa
O distrito foi criado com a denominação de Matriz Camaragibe antes de 1700.
Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o distrito de Matriz de Camaragibe, figura no município de Passo de Camaragibe.
Assim permanecendo em divisão administrativa referente ao ano de 1933.
Em divisões territoriais datadas de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937, o distrito de Matriz de Camaragibe figura no município de Camaragibe, ex-Passo de Camaragibe.
Pelo decreto-lei estadual nº 2361, de 31 de março de 1938, Camaragibe volta a ser denominada Passo de Camaragibe.
Em divisão territorial datada de 1º de julho de 1950, o distrito de Matriz de Camaragibe figura no município de Passo de Camaragibe.
Assim permanecendo em divisão territorial datada de 1º de julho de 1955.
Elevado à categoria de município, com a denominação de Matriz Camaragibe, pela lei nº 2.093, de 24 de abril de 1958, desmembrado de Passo de Camaragibe. Constituído do distrito sede. Instalado em 19 de abril de 1959.
Em divisão territorial datada de 1º de julho de 1960, o município é constituído do distrito sede.
Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007.
Continue a produzir nossa história . Gosto de ler tudo que é postado no seu Portal E mais uma vez o parabenizo !
Eu nasci em Goiás, fui criado em São Paulo, mas meus antepassados são de Alagoas, mas precisamente de União dos Palmares e Murici, fico feliz por conhecer a história de Alagoas através de Edberto ticianeli.
Estou maravilhado! Como dizíamos, sou filho natural de Matriz de Camaragibe, era quase um dever cívico estudar sobre o estado e cidade de origem. Foi um privilégio, estudei na Escola Saturnino Souza. Recordo-me, existiam um acervo de livros para pesquisas e estudos sobre a história de Matriz na Biblioteca pública, não sei se ainda tem, fica a dica. Isso não tem preço!
Uma terra livre na história apenas.
Descobri que havia uma tradição na família de minha mãe (75 anos) que sempre tinha uma delas com o sobrenome Lins de Vasconcelos. Assim descobri em documentos antigos que minha mãe, minha avó, bisavô e tataravó, sempre adotaram esse sobrenome e nunca os dos seus esposos. Minha mãe sempre falou que os avós e bisavós eram senhores de engenhos, mesmo tendo estudado só para se alfabetizar. Alguém poderia explicar isso? Nossa família é de origem de Teixeira, na Paraíba.
Excelente texto!
Amei saber um pouco mais sobre minha terra.ouvi muitas histórias sobre bom Jesus da matriz,e hj 01:20 da madrugada,estou eu aqui lendo esse artigo.
amo matriz de camaragibe estou a procura de uma pessoa da minha infancia que morava na rua da feira antiga era um dos filhos de uma senhora chamada dona zeze que tinha uma filha chamada geane e a outra josy a josy era esposa de um rapaz chamado neilto conhecido como gato ,eu,nao sei o nome da pessoa mas ele tinha um apelido agente na infscia chamava ele de pena .por favor se alguem soube de alguma coisa mi falar meu nome e rosa filha da irma maria que mora na belezinha