Manoel Isidoro e o ataque ao Engenho Conceição em 1896
Sabe-se pouco sobre esse pernambucano, também conhecido como o Mão de Ferro ou Peitaria de Aço, que era casado com Antonia Maria da Conceição, uma das filhas de Laurina Maria e de Vicente Ferreira de Paula, e que teve seu nome associado aos históricos embates na região norte durante a chamada Guerra dos Cabanos.
De Vicente Ferreira de Paula herdou as terras do Engenho Marvano (ou Marvão) em Jacuípe (tinha 600 braças), então um povoado de Porto Calvo. Sua propriedade ficava entre os vales do Jacuípe e do Manguaba e foram doadas ao seu sogro por sua fidelidade a D. Pedro I em sua abdicação em 1831.
Entre 1832 a 1835, Manoel Isidoro esteve lutando ao lado do seu sogro, Vicente de Paula, na Guerra dos Cabanos, passando a conhecer, como poucos, a região e quem tinha poder no norte de Alagoas.
Era membro do Partido Conservador e com a proclamação da República, manteve-se aliado aos líderes conservadores da região, principalmente à família Mendonça.
Por esta filiação, ganhou o cargo de subdelegado de Polícia de Jacuípe, onde “ladrão de cavalo” não se criava. O chefe político local era o padre José Prudente Teles da Costa, que fazia vistas grossas para os crimes do correligionário.
Os problemas envolvendo Manoel Isidoro começaram quando Antônio, o sacristão de Jacuípe, se apaixonou por Ritinha, uma das filhas de Manoel Isidoro. Sabendo que o pai da “Julieta” não concordava com a relação deles, o “Romeu” tirou a moça de casa e fugiu com ela para a casa do padre, onde foram acolhidos e pernoitaram.
Na manhã seguinte, Manoel Isidoro foi informado da fuga da filha e logo cedo já estava vasculhando o povoado em busca dela e do sacristão, que já estavam escondidos na casa da benzedeira, D. Benzina, madrinha do noivo Antônio.
Avaliando que Manoel Isidoro já estava mais calmo, o Padre Teles o procurou e tentou convencê-lo a aceitar o casamento dos jovens, que aconteceu em Leopoldina, da forma mais discreta possível.
Manoel Isidoro sentia-se desmoralizado, desrespeitado e não perdoou o casal e nem o padre, a quem atribuiu a responsabilidade com o acontecido. Para demonstrar sua insatisfação, deixou a subdelegacia e virou bandeira, aliando-se politicamente a um dos ramos da família Buarque de Lima. O Padre Teles e o genro “forçado” passaram a ser seus inimigos.
Padre Teles revidou denunciando os crimes de Manoel Isidoro e, com o apoio dos Mendonças, iniciou perseguição ao novo adversário. Assim, logo surgiu um mandado de prisão para ele assinado pelo juiz Bernardo Lindolfo de Mendonça.
Outra pendenga entre Manoel Isidoro e os Mendonças surgiu em torno da propriedade sobre um terreno existente entre as terras do Engenho Marvano e do Engenho Conceição
O Gutenberg, de 6 de junho de 1896, negava a existência desse problema como causa do ataque ao Conceição: “nos lamentáveis sucessos de Porto Calvo não há uma questão de terras, nem tão pouco uma questão de família entre Buarques e Mendonças, como ardilosamente tem se procurado insinuar, fora de Alagoas”.
Para demonstrar que não havia disputa por terras, o jornal governista esclareceu que Manoel Isidoro foi colocado no Malvano pelo então proprietário do engenho Conceição, tenente-coronel José Ignácio de Mendonça, pai do capitão Antônio Peregrino, que viria a ser assassinado por Isidoro.
“Isidoro, ali colocado pela generosidade proverbial do tenente-coronel Ignácio, mordido pela ambição e esquecido, como todos os ingratos, dos benefícios da véspera, a conselho de inimigos políticos e particular de José Ignácio requereu ao governo, por intermédio do presidente da então Província, um terreno no lugar denominado Malvano, afirmando ser ele devoluto.
Iniciado o processo respectivo para a concessão requerida, o presidente mandou que o juiz municipal de Porto Calvo, dr. Joaquim Ayres de Almeida Freitas, informasse a respeito da pretensão e este juiz é efetivamente informou, declarando não existir tal terreno devoluto requerido por Manoel Isidoro e pouco depois o governo indeferiu o requerimento.
Do exposto, que consta de documentos oficiais antigos, se evidencia pois que Manoel Isidoro não tem terras no Malvano e que a sua questão com o finado Antônio Peregrino — sua vítima, era um pretexto.
E assim não fosse não rejeitaria o bárbaro facínora a venda da sua posse como pretendeu fazê-lo, embora por preço exageradíssimo ao próprio Antônio Peregrino e ao coronel Joaquim Veríssimo do Rêgo Barros, importantíssimo agricultor deste e do vizinho Estado de Pernambuco.
A questão de terras, bem se vê, foi um pretexto para levar Manoel Isidoro — indivíduo pronunciado por homicídio — ao desespero para conflagrar o rico município de Porto Calvo, onde um grupo da oposição não podia derrubar a política local, forte, arregimentada e animada da mais correta orientação”.
O jornal também argumentou que não havia questão de rivalidade entre duas famílias, ressaltando que a família Buarque sempre esteve aliada politicamente à família Mendonça.
“Atualmente a família Buarque está dividida em três grupos distintos: — Um (o maior) continua politicamente com toda a solidariedade, ligado à família Mendonça e deste grupo fazem parte homens distintos como o tenente-coronel Manuel Buarque Gusmão, capitão Amaro Buarque de Gusmão, José Benedito e muitos outros; — o segundo grupo, distanciado e que não se envolve nas lutas políticas, continua todavia nas melhores relações de amizade e tem membros entrelaçados por parentes com os Mendonças: — o último, que é o menor e é o que está em oposição a atual situação e para conseguir seus interesseiros intentos não dúvida auxiliar, por todos os meios e por todos os modos, a Manoel Isidoro na campanha de vida e morte em que está empenhado em Porto Calvo e nos municípios limítrofes tanto deste como do estado de Pernambuco.
Este último grupo é composto exclusivamente, pode-se assim dizer, de Minervino N. Gusmão, Coronel Leirinho, genro daquele, e dos doutores Pedro Nolasco e Pedro Valeriano de Gusmão. É deste grupo que tem partido na imprensa do estado de Pernambuco, na capital federal e na deste estado defesas a Manoel Isidoro, o desvirtuamento da questão e acusações ao governo.
Os outros dois grupos da família Buarque condenam de público e severamente o procedimento deste e censuram atrozmente seus atos, tornando-o responsável principal até pelas depredações e assassinatos perpetrados por Manoel Isidoro.
A questão é simplesmente política como fica demonstrado, lacônica, mas claramente e ao alcance de todas as inteligências.
A ambição de mando, ambição de poder, foi o móvel, a causa originária de tantos desatinos praticados por tão desumanos homens que antepõem a paz e tranquilidade do município a seus interesses pessoais.
Mas dando de barato que a origem da questão fosse uma rixa de família ou uma questão de terra, podia, devia ou pode e deve o poder público cruzar os braços e deixar que um criminoso já pronunciado por crime de morte, há alguns anos passados, tripudie sobre uma sociedade roubando, saqueando e incendiando, assassinando barbaramente, e chefiando um numeroso grupo de outros perdidos?
Pode um governo honesto e justiceiro entrar em acordo com essa horda de assassinos depois de indescritível hecatombe do Conceição, onde caíram mortos, 11 cidadãos?”
O jornal revela ainda que foi um dos apoiadores de Manoel Isidoro, o dr. Pedro Valeriano Buarque Cavalcanti, quem, como promotor, requereu a sua pronúncia. Isso ocorreu em 1890 e Manoel Isidoro foi acusado de crime de morte.
Os argumentos do Gutenberg encontram apoio também nos episódios de outubro de 1894 em Porto Calvo, quando o Intendente e o Conselho Municipal, ligados à família Mendonça, foram afastados e depois reconduzidos pelas forças das armas. Os oposicionistas ameaçaram retomar o poder também utilizando o trabuco, o que levou o juiz de Direito a alertar o governador sobre o iminente conflito.
O Jornal do Commercio (RJ) de 14 de novembro de 1894 publicou o telegrama com um resumo dos acontecimentos, e nele já aparece o nome de Manoel Isidoro, citado como um “célebre criminoso”.
“Telegrama procedente de Porto Calvo, em 28 de outubro de 1894 — Maceió — Governador — Recebi vosso telegrama. Povo invadiu esta manhã cidade depondo Intendente, conselho municipal ilegal, clandestinamente organizados, reconhecidos administração transacta, reintegrando Intendente, conselhos legais, deposto naquela época, tornando casa conselho, outros pontos. Nenhuma alteração ordem. Intendente, conselho ilegais depostos, seus amigos, preparam força invasão cidade. Promotor Público, um dos chefes, convida gente armada, facínoras, até célebre criminoso Manoel Isidoro, terror município. Está iminente conflito. — Juiz Direito, José Mendonça Rêgo Barros”.
O promotor público era Pedro Valeriano Buarque Cavalcanti.
O ataque ao Engenho Conceição
Antônio Peregrino de Mendonça, irmão do juiz Bernardo de Mendonça, era vizinho do Engenho Marvano e senhor do Engenho Conceição. Mas não eram boas as relações entre os dois proprietários. No início de 1896, num jornal de Maceió, Isidoro publicou extenso artigo se dizendo vítima de perseguição por questões de terra e nele declarou que “atacado deferder-me-ei até com armas nas mãos!”.
Temendo que Manoel Isidoro o ataca-se, Antônio Peregrino de Mendonça pediu garantias à polícia, que enviou para lá 5 soldados sob o comando de um tenente.
O ataque não tardou a acontecer. Sabendo que 50 soldados tinham se deslocado até Jacuípe a sua procura, Manoel Isidoro, à frente de um grupo de 30 indivíduos, com a participação de seu genro Laurentino e um neto, além de vários capangas, invadiu o Engenho Conceição às 5h da manhã de 17 de março de 1896.
A casa de vivenda foi atacada pelo próprio Manoel Isidoro, que atirou em Antônio Peregrino de Mendonça quando este abriu a porta e lhe ofereceu uma cadeira para sentar. Enquanto Antônio agonizava, Isidoro exigia dele que revelasse onde estava o dinheiro, o ouro e a prata. Em seguida desfechou mais dois tiros na vítima.
Também mataram João Ignácio, subcomissário de Polícia, que há dias estava no engenho. Em seguida saquearam o lugar e destruíram toda a propriedade.
Cinco soldados que estavam acomodados na olaria do engenho morreram e o lugar foi incendiado com os corpos dos militares dentro dele. Houve tiroteio com vários feridos. O ataque à olaria foi liderado por Laurentino, um dos genros de Isidoro, que morreu no local.
Após o ataque, o bando caminhou para o Engenho Duas Bocas, onde foram recebidos e almoçaram, após enterrarem seus quatro mortos. No dia seguinte foram para o Guariba.
O juiz Bernardo Mendonça, irmão de Antônio Peregrino, comunicou a Maceió que os criminosos receberam auxílios e “se homiziam nos engenhos Presídio e Jatobá donde, consta, recebem gente. No grupo vieram vários moradores do engenho Leirinho Buarque. Seguem pormenores pelo correio” (Gutenberg de 19 de março de 1896).
Os jornais também relacionaram que moradores do Duas Bocas e do Guariba estavam no grupo de ataque.
Em 6 de agosto de 1896, o Gutenberg publicou que “o facínora Manoel Isidoro, hoje convertido em instrumento da política sempre odiosa sustentada pelos drs. Pedro Nolasco Buarque Gusmão, Pedro Valeriano, coronéis Gonçalo Leirinho e Minervino de Gusmão, é procurado pelas autoridades por se achar processado nos crimes seguintes”:
— Assassinato de Manoel Mano em 5 de outubro de 1888.
— Assassinato de Manuel Caneca em 5 de outubro de 1888.
— Assassinato de dois indivíduos no povoado Jacuípe, em um dos quais deu Manoel Isidoro uma cutilada com que separou a cabeça do tronco, em novembro de 1894.
— Assassinato de um soldado de polícia que estava em Jacuípe com o alferes de Diogo Tenório, em fevereiro de 1895.
— Assassinato de Inácio de tal praticado na rua do povoado Jacuípe, em 21 de maio de 1895.
— Assassinato de um desconhecido entre o povoado Jacuípe e o engenho Dois Irmãos em junho de 1895.
— Assassinato de Sebastião José da Silva no sítio Boi Morto entre os engenhos Conceição e Prata em fevereiro de 1896.
— Assassinato do Capitão Antônio Peregrino de Mendonça no Engenho Conceição.
— Assassinato do alferes João Ignácio da Silva no Engenho Conceição.
— Assassinato de cinco soldados de polícia surpreendido por Manuel Isidoro na madrugada de 17 de março de 1896 no Engenho Conceição.
— Assassinato de dois indivíduos no engenho Brejo, aos quais Manoel Isidoro cutilou por se haverem recusado a acompanhá-lo no ataque ao engenho Conceição, em 17 de março de 1896.
— Assassinato de um soldado de polícia no Engenho Duas Bocas em 24 de maio de 1896.
— Assassinato de Antônio Sobral no povoado Jacuípe, em 16 de março de 1895.
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— Tentativa de morte contra Sebastião da Silva, no engenho Dois Irmãos.
— Tentativa de morte contra o soldado Joaquim José de Sant’Anna, destacado no povoado Jacuípe, em 24 de dezembro de 1894.
— Tentativa de morte contra o padre José Prudente Teles da Costa, que escapou com sua respectiva irmã, por se haverem refugiado no engenho Cruz da Mata, no estado de Pernambuco, em 1895.
— Tentativa de morte contra Miguel Cosme e seu irmão, ficando Miguel gravemente ferido com um tiro que recebeu de emboscada e seu irmão Filippe ferido levemente, em 12 de dezembro de 1895.
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— Ferimentos graves em Pedro Tomás. 5 de outubro de 1895.
— Ferimentos graves em Cincinato Buarque de Gusmão, outubro de 1894.
— Ferimentos graves em José Moreno, 17 de março de 1896.
— Ferimentos graves em Justino de tal, 17 de março de 1896.
— Ferimentos leves em Luiza de tal, 17 de março de 1896.
— Ferimentos leves em Antônio de tal, 17 de março de 1896.
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— Tentativa de arrombamento do açude do engenho Conceição, em outubro de 1894.
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— Ataque com capangas armados ao engenho Brejo, a fim de desalojar, como desalojou, o respectivo proprietário Francisco Guerra, por ordem do coronel Gonçalo Leirinho, em novembro de 1894.
— Ataque com capangas armados, em companhia dos coronéis Minervino de Gusmão e Gonçalo Leirinho, no cartório do escrivão distrital de Jacuípe, a fim de coagir o mesmo escrivão a reconhecer, como reconheceu, as firmas de diversos indivíduos desconhecidos, em 5 de fevereiro de 1895.
— Ataque com capangas armados na propriedade Roncador, praticando danificações na casa de vivenda e incendiando diversas casas de moradores, o que obrigou o respectivo proprietário João Olavo Barbosa Maciel a refugiar-se no estado de Pernambuco, em dezembro de 1895.
— Ataque com capangas armados no engenho Conceição, sendo nesta ocasião assassinado por Manoel Isidoro o respectivo proprietário, capitão Antônio Peregrino de Mendonça e muitas outras pessoas, incendiada uma olaria, saqueada a casa de vivenda e o engenho, e danificando o que era difícil conduzir.
— Ataque com capangas armados no sítio Pintado, obrigando o respectivo proprietário Ignácio Pessoa de Melo a abandonar tudo e refugiar-se no Estado de Pernambuco, apoderando-se o invasor de quatro bois e lavouras em cujo gozo ainda se acha, junho de 1896.
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— Roubo a mão armada de gado e gêneros alimentícios, por diferentes vezes e épocas diversas, nos engenhos Japaratuba, Mumbuca, Dois Irmãos, Bom Jesus, Promissão, Telles, Brejão, Bello Dia e Javary.
— Arrombamento da casa que servia de quartel no povoado Jacuípe, havendo espancamento das poucas praças municipais e roubo de todo o armamento.
— Arrombamento do açude do engenho Conceição, na ausência do respectivo proprietário capitão Antônio Peregrino de Mendonça, que então se achava na cidade de Recife, em maio de 1895.
— Arrombamento e destruição do cartório distrital do Jacuípe e de todos os móveis e utensílios pertencentes ao escrivão, que pode evadir-se em tempo de modo a escapar de ser assassinado, em dezembro de 1895.
— Arrombamento da casa de vivenda no engenho do padre José Prudente Telles da Costa, roubo de todos os móveis, destruição de diversos utensílios do engenho, incêndio de parte da casa do mesmo engenho e de diversos canaviais, em dezembro de 1895”.
Outra versão sobre o ataque ao Engenho Conceição
No dia 28 de abril de 1896, o Diário de Pernambuco reproduziu matéria publicada no Orbe de Maceió com a seguinte versão sobre o ocorrido em Porto Calvo:
“Temos procurado saber ao certo a causa desse fato extraordinário, e as versões são inteiramente desencontradas.
Entre outras que nos contam, nos parece mais conforme que o Capitão Manoel Isidoro procurara, de manhã, no dia da hecatombe, muito cedo, ao Capitão Antonio Peregrino e lhe propusera comprar este o engenho Malvano, como meio de cessar a questão de limites, retirando-se do Estado ele Isidoro, apenas passasse a escritura, indo refugiar-se em lugar onde pudesse viver tranquilo, desde que lhe entregar-se ao trabalho, perseguido como se achava
Pedia pelo engenho 20:000$ de réis em dinheiro, à vista, que lhes seriam pagos no ato da escritura.
Quando discutiam o assunto, é inesperadamente morto um genro de Manoel Isidoro, que estava na porta para guardar a saída ao sogro.
Dado esse passo, o Capitão Manoel Isidoro e os que o acompanharam não se contiveram mais, dando em resultado a hecatombe que deslustra os nossos sentimentos e que teria nos evitado se o Governo fosse previdente e tivesse auxiliares sinceros”.
O Orbe, que se alinhava com a oposição ao governo, também divulgava cartas oriundas desse mesmo segmento político de Porto Calvo:
“As coisas por aqui vão mal: engenhos completamente abandonados, os soldados estão invadindo as propriedades, saqueando e roubando.
Ainda há poucos dias, fizeram isto no engenho do Dr. Pedro Valeriano, que talvez fosse vítima, se ali estivesse.
Ameaçaram de assassinar o empregado do referido engenho.
Manoel Isidoro continua a proceder mal, e as autoridades, em vez de se empenharem em restaurar o império da lei, estão formando inquérito, que é uma rede para apanhar os adversários dos governistas aqui, sabem todos nada têm com o procedimento de Manoel Isidoro.
O Orbe, que tão bons serviços tem prestado e está prestando ao Estado, desperta nas classes conservadoras da nossa sociedade, manifestações tendentes a pôr termo aos destinos que aqui se estão praticando.
Proceda-se contra os criminosos, mas não se procure envolver em processos pessoas que nenhuma parte tiveram nos lamentáveis acontecimentos do Engenho Conceição.
O que se está passando em Porto Calvo é pior do que os crucificamentos em S. Miguel dos Milagres, em época que já não fica longe, mas que está revivendo.
Pobre, infeliz Porto Calvo!”.
De Camaragibe, o Orbe também recebia depoimentos nessa mesma linha:
“Em Porto Calvo continuam os preparos para a caçada de Manoel Isidoro e dos seus e de tal maneira procedem nisto que a justiça está substituída pela perseguição e pela vingança.
É tristíssimo ver empenhado nessa triste missão o juiz de Direito do município e o chefe de Polícia, guiados todos pelo Dr. Bernardo Sobrinho.
Além da força policial que ali se acha, há crescido o número de paisanos armados.
O fim que tem em vista é acabar com Manoel Isidoro (havemos de bater os criminosos, disse o juiz de Direito, em um telegrama ao governador) e perseguir os adversários, não da política dominante, mas dos Drs. Lindolpho e Bernardo Sobrinho.
E o Barão de Traipu parece ignorar tudo isto!!!”.
O senador estadual Dr. José de Barros Albuquerque também denunciou a ação da força policial ao senador federal Dr. Messias de Gusmão, enviando-lhe um telegrama:
“Senador Messias — S. Juiz — Avisam-me, Capricho será cercado. Alheio às lutas e crimes deste município, não homiziamos criminosos, a agressão será gratuita. Alagoas voltará ao Estado selvagem a continuar tanta falta de justiça — José de Barros”.
O Gutenberg, de 8 de abril, reagiu:
“A hecatombe do Conceição
Um documento
A descrição completa das negras cenas na hecatombe do engenho Conceição, no município de Porto Calvo, foi o objeto de nosso último editorial.
O embuste e traição desenvolvidos para a realização do assalto àquela propriedade estão no domínio público.
A astúcia de um espia de Manoel Isidoro junto ao Capitão Antônio Peregrino é uma realidade.
As presunções de cumplicidade sobre pessoas de certa importância social são veementes.
O público hoje vai apreciar um documento de alto valor e que traz luz sobre a negridão desses acontecimentos.
Esse documento consiste em uma carta na qual o dr. Francisco Isidoro procura justificar sua atitude.
Essa carta é uma página para a história futura dos crimes e criminosos de Porto Calvo.
Eis a carta do Dr. Francisco Isidoro Rodrigues da Costa ao seu amigo Emiliano José Velho:
— Desejo a sua saúde. Eu pretendia ir aí ter uma conferência, mas me informaram que o Dr. Lindolfo, por não estar a par da verdade, me fez uma injustiça. Estão em erro a meu respeito.
Há mais de dois anos que estou com o governo do Barão a quem desejo servir e desde o ano próximo passado retirado da política desta localidade como lhe disse e fiz ver na imprensa. Em tempo, eu me justificarei e explicarei melhor.
Manoel Isidoro é um perverso. Garanto que a minha intervenção foi toda para prender a Manoel Isidoro como provarei e nada tenho com os fatos lutuosos que me causaram indignação e surpreenderam-me. O coronel João Veríssimo e outros bem poderão informar os esforços empregados para a minha missão. Você me conhece bem e todos sabem o quanto sou amante da ordem.
[…]
Declaro que a correspondência publicada, segundo me disseram, no “Orbe”, — assinada por Manoel Isidoro — é da lavra do Valeriano e do Nolasco. Como sabe, eu estive o mês de dezembro e parte de janeiro em Água Preta, alheio então ao que se passava no município. Só vim saber de tal artigo por me dizer o Dr. Valeriano que o havia mandado publicar, o que me revoltou e o censurei, como em tempo e em juízo explicarei.
[…]
A última vez que aí estive em fevereiro findo, deve recordar-se do que eu disse a respeito da proteção que se dispensava a Manoel Isidoro, que ultimamente zombando do governo pela facilidade de José Maranhão, tornou-se uma fera.
Eu tenho documentos e invocarei testemunho de pessoas consideradas para provar o interesse que tomei para ver se ele se recolhia a prisão ou vendia as terras do Malvano.
Juro perante Deus, eu tinha e tenho vivo interesse em prender a Manoel Isidoro, tendo recorrido à astúcia e ao auxílio do coronel Veríssimo.
Não sei quem o avisou de não ir à Água Preta se entender com o Veríssimo dizendo que se lembrem do — sogro — que fora preso por traição.
O coronel havia garantido ao capitão no caso dele não querer entregar-se à prisão ou vender as terras para retirar-se, ele vir de Água Preta com gente armada, auxiliar a pequena força; o malvado sabendo naturalmente disso, porque infelizmente ele é muito protegido de Jacuípe, lado de Pernambuco e não podendo mandar as feiras, nem atravessar para o lado oposto do rio, por causa da emboscada, onde já tinha caído um dos seus, — o “Barro Vermelho” — atirou-se furioso nas malvadezas, praticando as barbaridades do Conceição, atribuindo a morte de “Barro Vermelho”, segundo, dizem ao Totônio [provavelmente o capitão Antônio Peregrino de Mendonça] que estava inocente.
Quem recomendou ao Capitão Cabral, que na conferência de Comandatuba quer na de Jacuípe, a captura de Avelino, “Barro Vermelho”, Laurentino e mais dois cabras insolentes, que era o terror — foi eu, dizendo ser fácil agarrá-los nas travessias para o Rio Jacuípe.
Eu estou admiradíssimo, da existência do grupo de Manoel Isidoro; não sei explicar como ele pôde reunir gente, pois muitos dos perversos que o acompanham haviam fugido e outros mortos; segundo me asseverou dias antes pessoas de fé, em Jacuípe, ele não contava mais de uns treze a quinze indivíduos.
[…]
O telegrama publicado no Gutenberg está errado; eu não disse que o grupo dissolveu-se; não afirmo. Eu explicarei esse telegrama, que não foi publicado todo, pois eu tendo notícia que o coronel José Maranhão havia praticado desordem na capital, perguntei ao governo se eram certos os boatos de perturbação da ordem pela polícia; que, tendo carência de mais força, mandasse ver, ficando o destacamento menor, tendo combinado com o coronel Veríssimo o reforço, sendo necessário por paisanos, tendo o mesmo prometido que o oficial mandasse ver no seu engenho Aquidaban, sempre que precisasse.
Depois, em carta ao governo, eu mostrei a necessidade da permanência de um destacamento de 50 praças no Jacuípe, com autorização de entrar nas margens do rio de Pernambuco.
Vossemeceis estão alheios ao que me se passou, e se convencerão que ainda uma vez eu arrisquei minha vida pela ordem e paz pública.
Adeus. G., 19 de março de 1896. Disponha de quem é amigo e criado — Francisco Isidoro Rodrigues da Costa.
P.S. — Esta carta há dias está feita sem haver portador; vai outra para Veríssimo”.
Em 22 de outubro de 1896, o jornal Gutenberg, ainda repercutia as ações de Manoel Isidoro na região Norte ao publicar um texto enviado ao governador, descrevendo a situação de Porto Calvo naquele período:
“Devem estar bem satisfeitos os conselheiros e protetores do celebérrimo Manoel Isidoro da Silva, pois que já vai dando bons frutos a sementeira que espalharam.
É assim que com a retirada do destacamento que estacionava no povoado Jacuípe, deste Estado, Manoel Isidoro tem feito correrias em todo distrito, reduzindo o povoado a um ermo pelo abandono completo de seus habitantes, e os proprietários dos distritos Jacuípe e Águas Pretas, de Pernambuco, à triste situação de não poderem tirar suas safras pela invasão constantes em suas propriedades, e terror de que estão possuídos.
A questão de Manoel Isidoro não é uma questão política como querem nos fazer crer seus protetores e conselheiros.
Manoel Isidoro, homiziado no sítio Malvano, com cerca de 30 homens, ultimamente está se impondo pelo terror, e tem intimado a alguns proprietários para lhe remeterem avultadas quantias, sob pena de, não o fazendo, verem suas propriedades incendiadas.
Em vista de tão brutal imposição estão impossibilitados de tirar suas safras os engenhos — Dois Irmãos, Boa Esperança, Barro Branco, Telles, e Conceição, das Alagoas; Cruz de Malta, Flor de Maria e Campina Nova, de Pernambuco.
A V. Exc., pois, nos dirigimos, pedindo que, de acordo com o exmo. Governador de Pernambuco, dê providências para que se dissolva o terrível agrupamento de Malvano, em quanto não toma maiores proporções.
E é um homem nas condições de Manoel Isidoro, a quem apresentam como vítima de perseguições políticas, e proprietário do engenho Malvano!!!
Maceió, 20 de outubro de 1895”.
Perseguição, morte e vingança
Alguns dias após o ataque ao Engenho Conceição, Manoel Isidoro voltou ao seu Engenho Malvano, onde se preparou para enfrentar a polícia. Conhecendo o terreno e estabelecendo nele as melhores posições de luta, consegui derrotar as primeiras investidas das forças policiais. Há relatos de que contava a seu favor com as emboscadas organizadas por sua filha Antônia da Cunha.
O Orbe, de 21 de outubro de 1896, confirma essas derrotas ao provocar o governo com essa nota:
“Os jornais oficiais deviam publicar as comunicações recebidas de Porto Calvo.
Corre que depois de rei do fogo [coronel Pedro de Souza Melo], tendo faltado munição às forças legais que atacaram o Malvano, tiveram estas de recuar, tendo 12 feridos.
Pediram ao governo médico e ambulância.
Será preciso que se diga toda a verdade para se poder avaliar a gravidade dos fatos”.
A tropa comandada pelo coronel Pedro de Souza Melo somente conseguiu encontrá-lo por causa da traição de um dos capangas de Manoel Isidoro, que levado para Maceió revelou a única forma de chegar até ele. Foi assim que no início da manhã de 28 de dezembro de 1896 a polícia o surpreendeu em seu esconderijo, uma palhoça no meio da mata em sua propriedade.
Uma das versões relata que ele já estava muito doente e não reagiu, mas foi assim mesmo fuzilado. Em outra, houve cerrado tiroteio por várias horas e ao final seus capangas fugiram e ele tombou morto.
Independente da versão, cortaram sua cabeça e a colocaram numa barrica com sal para levá-la até Maceió, provando-se que ele não mais vivia e nem poderia ameaçar ninguém.
Ainda no dia 28 de dezembro de 1896, conduzindo o troféu macabro a tropa, com 40 praças, se deslocou até Palmares, em Pernambuco, onde tomaria o trem para Maceió.
Sabedores de que a cabeça de Manoel Isidoro estava numa barrica com sal, parte da população da cidade se revoltou com o fato e uma multidão armada, liderada pelo farmacêutico Inácio Mateus de Almeida, cercou a polícia e, com apoio das forças do Exército, tomaram a cabeça e a enterraram numa sepultura do Cemitério da cidade.
Dias depois, os filhos de Manoel Isidoro e alguns cangaceiros foram até Jacuípe e mataram o senhor de engenho padre José Prudente Telles da Costa, que havia se estabelecido em Jacuípe em outubro de 1859 (tinha sido transferido de Barra Grande).
Foi assassinado às 6h da manhã de 3 de janeiro de 1898. Os assassinos esfaquearam-no, cortaram suas mãos e a cabeça, e a atiraram no rio Jacuípe. Não era um “santo homem”. Fortemente vinculado à família Mendonça, era conhecido como “o Demônio do Meio-dia” por andar com a bíblia em uma das mãos e na outra um bacamarte, além de contar sempre com o apoio de alguns jagunços para cuidar dos adversários.
Em sua mensagem à Assembleia Legislativa em 15 de abril de 1897, o governador do Estado, Barão de Traipu, assim se referiu aos episódios envolvendo Manoel Isidoro:
“A ordem e segurança pública, principalmente no norte do Estado, foi assunto que muito preocupou o Governo, mas desvaneço-me de poder ao afirmar-vos que todos os municípios gozam presentemente de paz e tranquilidade.
Foi afinal destroçado, em consequência das enérgicas providências por mim tomadas, o grupo de malfeitores capitaneados pelo célebre facínora Manoel Isidoro, que por mais de dois anos cometeu os maiores atentados no município de Porto Calvo, trazendo a população em sobressalto, prejudicando as rendas públicas e arruinando a fortuna particular.
O facínora sucumbiu na luta que travou com a força encarregada de pacificar o município”.
Indiretamente, respondia as especulações apresentadas pelo jornal oposicionista O Orbe, de 13 de janeiro de 1897, que levantou suspeitas sobre se Manoel Isidoro estaria mesmo morto.
O jornal acusou o governo de mistificação e afirmou que a cabeça conduzida pela Polícia até Palmares “era de um pobre velho que estava pescando num riacho perto do Malvano”.
Revelou ainda que Manoel Isidoro teria perdido nos combates um genro (no Conceição), uma filha, três netos (um deles no Conceição, onde foi queimado), um filho adotivo e um filho legítimo, e que estava muito enfermo, com uma lesão no coração.
À frente do grupo do Malvano encontrava-se então um filho de nome Antonio Isidoro, que apareceu para vingar a morte do pai.
Parabéns, excelente relato! A violência neste Estado vem de longas datas!
É muito bom esse tipo de leitura pra desmistificar a ideia romântica e falsa do “Ah! No tempos antigos tudo era bom e calmo e pacífico…”
Muito entristecedor!
O AVô do meu pai chamava-se Minervino Nominando de Gusmão , só que ele nasceu em 1889 , segundo o site SEARCH da igreja MORMON , era dono do engºGUARIBAS , já publiquei foto deste engenho , tirada possivelmente em 1925, devia ser filho do outro MINERVINO, é bom conhecer as histórias desta terra
o avô do meu pai chamava-se Minervino Nominando de Gusmão , era dono do engenho Guaribas , como nasceu em 1889 , devia ser filho do outro Minervino ,já postei uma foto deste engenho tirada após 1924
Esta história ouvia quando criança, e que bom que vocês a publicaram. Meu bisavô esteve envolvido nesta contenda. Soube que ele fugiu e mudou de nome para manter os seus filhos e esposa a salvo (nunca soube seu sobrenome verdadeiro), vindo morar na zona da mata alagoana. Até onde sei, ele era um dos jagunços de Manoel Isidoro (não sei se um jagunço mais próximo ou algum morador das terras que acabou ajudando Manoel Isidoro). Foi muito gratificante para mim encontrar num livro em 2024 (O Banguê nas Alagoas) mais detalhes de uma história que ouvi muito quando criança. Pelo perfil do meu avô e de meu pai (sempre foram muito éticos, justos e calmos), não acredito que meu bisavô tenha sido má pessoa: mas acredito sim que na época houve uma sucessão de ações truculentas de todos os lados. Gostaria de saber se vocês conhecem mais algum livro que relate esta história, complementando-a.