Maceió aos domingos em 1938
Há muitos anos Maceió é uma cidade que, aos domingos, tem um programa de vida traçado. Um programa do qual não se afasta por nada neste mundo, quer chova ou faça sol, mesmo que caia um pedaço do céu por descuido…
Logo de manhãzinha, as igrejas, pela voz dos seus sinos, chamam os fiéis para a missa das sete.
Velhinhas humildes passam devagar, cochichando, com medo de ofender o silêncio das ruas. Matronas ilustres passam também, apressadas, carregando pelo braço mocinhas descoradas, amarelas, cuja vontade única era continuar na cama o dia todo, a sonhar com anjos e pierrots.
Rapazes atletas, de ombreiras largas salientes, camisa esporte, tomam bondes para os subúrbios — Pajuçara ou Mutange —, procurando, longe do olhar das namoradas, construir uma raça forte.
Homens antigos e respeitáveis, cheios de pudicícia, já voltam do banho-de-mar, escondendo sob os roupões as pernas fininhas e as barrigas bem-alimentadas.
Oito horas. Moças e rapazes assaltam os bondes, em passeio matinal. Riem com franqueza, como pessoas bem acomodadas na vida. Os granfinos levam raquetes de tênis, roupas de linho finíssimo.Nas praias aparecem os primeiros banhistas. Os tarzans-mirim examinam as pernas das senhoritas, os corpos de violão. Olham as carinhas meladas de “rouge”, a boquinha artificial (milagre do baton!) — coisas que nem a água salgada consegue tirar.
Improvisam-se jogos de empurra-bola. Mademoiselle G. P. imita muito bem as últimas poses de Jean Artur. Os namoricos surgem.
O diabo é que as Shirleys Temples borram o mapa na frente do papá…
O “chic”, porém, é a missa das dez. Chalés de filó cobrem cabelos oxigenados. Mocinhas com pintura escassa (seu vigário pode ver!) lançam, com os olhos, desafios perigosos aos rapazes encostados nos pilares. Travam-se duelos medonhos. As senhoras de idade, de bentinhos ao pescoço, rezando, fiscalizam tudo, sabem de tudo, falam de tudo.
Na porta do Livramento ou da Catedral, na saída das filhas-de-Maria, a algazarra é enorme. Comadres e conhecidas abraçam-se amistosamente, espalhafatosamente. Murmuram-se bons-dias, os namorados marcam encontros, mangando da surdez da velha.
As fiéis ovelhas caminham devagar, com livrinhos de missa e terço na mão, olhando para trás, envergando o pescoço, soltando “foguetões”…
Longe, Maurice Chevalier espia.
À tarde, as filhas-de-Maria transformam-se em fãs apaixonadas de Robert Taylor. Assistem, junto a seus futuros maridos, os beijos de Marlene e de Crawford. O Capitólio fica repleto de gente boa.
Chapéus enormes parecem reposteiro na frente do sujeito que quer ver o filme. Um perfume misturado invade o recinto. Cochichos (Você está bonita hoje. Aonde andou pela manhã? Mamãe falou pra chuchu. Meu benzinho…).
Na tela a voz de Kiepura berra música em alemão. Ninguém entende.
A sineta tocou. Mãos que se apertam. É preciso afrontar a luz do sol. Uma fila de desocupados, de cigarro à boca e mãos nos bolsos, alinha-se defronte ao cinema. As meninas vão saindo sob dezenas de olhares. Sorrisos, cumprimentos. Pelo Comércio o passeio é encantador. Pernas pra lá, pra cá. Pares cujo desejo, no momento, era transportar para o vivo as cenas do cinema. Colóquios amorosos passeiam de bonde até Ponta da Terra ou Bebedouro. Respira-se sofregamente o ar dos subúrbios. Depois de tanto pecado, há como que uma ânsia de purificação…
À noite, retreta na praça dos Martírios. Dali ao tabuleiro da Baiana o “footing” é quase uma obrigação.
No microfone da PRPC, Dinalva e Pedro Lima cantam coisas do outro mundo. Em frente há gente andando e gente parada. Melles B. N., A. L., L. L. e outras passeiam nas calçadas, a espera de encontros felizes com rapazes da elite.
Vinte e uma horas. Nos bilhares a frequência diminui. As moças que passearam o dia todo vão desaparecendo das ruas. Surgem caras novas. Chega, enfim, a hora dos jovens atletas e dos senhores respeitáveis…
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