Luiz Gonzaga, o Baião e a Música Popular Brasileira

Reportagem publicada no Anuário do Rádio da Revista Publicidade & Negócios, Ano X, de março de 1950

Show de Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga lançou com grande sucesso o baião nordestino

A primeira vez que ouvimos falar em baião [março de 1950], ainda não conhecíamos Luiz Gonzaga. Talvez o leitor também estivesse no mesmo caso. Foi num filme nacional em que Grande Otelo e Oscarito dançavam exagerando as mimicas para efeitos de riso, um ritmo novo que dizia assim:

Eu vou mostrar pr’a você
Como se dança um baião.

Ao terminarem os risos, o ritmo tinha ficado. A música gostosa de Luiz Gonzaga, ilustrada com a demonstração de tão exímios professores, foi, em pouco tempo, aprendida por todos.

Data mais ou menos dessa época um sucesso de que todos devem ainda estar lembrados no Rio de Janeiro. Ao compositor Luiz Gonzaga e ao sanfoneiro de tantos ritmos bem brasileiros vinha-se juntar uma voz nova no rádio nacional. A voz de Luiz Gonzaga nos chegava, com suas características inconfundíveis cantando o “Alfaiate do Primeiro Ano” [Cortando o pano].

Tornou-se uma coqueluche a letra pitoresca desse baião, que vinha abrir para seu autor e intérprete as portas da grande popularidade e fazê-lo um astro consagrado no Brasil inteiro. A Rádio Nacional contratara Luiz Gonzaga.

E com a força de sua música, sua simpatia irradiante, sua personalidade marcada aconteceu o que todos hoje sabem. O baião tomou foros de cidadania e incorporou-se definitivamente aos nossos mais queridos ritmos populares.

Mas isso tudo é história muito recente. O sucesso atual de Luiz Gonzaga, sua grande popularidade no Brasil inteiro se ultimamente tem caminhado com grande rapidez, teve também seu início difícil.

Luiz Gonzaga era uma coisa nova dentro do rádio. E à primeira vista não parecia. Houve, lá para 1940 um diretor famoso da emissora que o tomou por simplesmente mais um sanfoneiro.

O homem da “Mula Preta“, com seu bom humor permanente, lembra hoje esse episódio com um sorriso largo. Mas confessa que não pode sorrir assim quando o fato aconteceu.

Conseguira, a muito custo, que o tal diretor de estação — naquela época a mais ouvida do Distrito Federal — conseguisse algum tempo para ouvi-lo.

Luiz Gonzaga fotografado em uma de suas participações em filmes no final dos anos 40

Gonzaga pegou sua sanfona e tocou as melodias mais dolentes. Interpretava diante do homem como se estivesse em um dos seus festivais de hoje, onde um grande público se acumula sempre para aplaudi-lo. Pôs sua alma na interpretação. E a música, melodiosa e ritmada, saía corrente ao apertar das teclas, — “E então?” — perguntou ansioso, depois de tocar um longo repertório. — “Isso bem tocado ainda passaria. Mas o público não gosta dessas coisas“, foi a resposta que obteve.

Que pensará, hoje, esse diretor de emissora vendo que as grandes novidades musicais do momento, nas emissoras populares ou nas “boiteselegantes do Rio e de São Paulo, não dispensam a música de Luiz Gonzaga, ao lado da supercivilizada música francesa ou do sonolento arrastar dos “blues”?

O primeiro contacto que o criador do baião teve com o rádio foi na Vera Cruz, do Rio de Janeiro, em 1940. Tocava sanfona (não cantava ainda) no programa Manoel Monteiro, que então era transmitido por aquela emissora.

Seu “cachê” eram Cr$ 5,00. Mas isso não importava. “O que um artista precisa, sobretudo, — diz-nos ele hoje — é que a sua arte seja difundida“. Luiz Gonzaga sentia o valor palpitar dentro de si. Alguma coisa dizia-lhe que haveria de vencer.

Dois artistas, talvez mais do que ninguém tiveram uma influência decisiva na carreira artística de Luiz Gonzaga. Um deles é o compositor Humberto Teixeira, que sentiu, desde logo, as grandes possibilidades do baião e veio a se tornar o parceiro de Luiz Gonzaga nas suas composições de maior sucesso.

O outro é o popular Pedro Raimundo. Luiz Gonzaga fala desses nomes com grande entusiasmo e admiração. É interessante assinalar que nunca vimos num artista cortejado pela fama e pela popularidade a sinceridade e o entusiasmo com que Luiz Gonzaga fala sobre os méritos dos outros.

Por várias vezes conversamos com Luiz Gonzaga. Foram mesmo essas conversas que nos levaram a escrever a presente reportagem. E o ponto da personalidade do criador de “Vem Morena” que mais nos impressionou foi essa sua grande capacidade de elogiar, do falar mais do outros que de si mesmo, de mostrar o valor de outros artistas do rádio, mesmo daqueles que se dedicam a gêneros próximos do seu.

Luiz Gonzaga em 1947

Nota-se, através disso, que Luiz Gonzaga goza hoje de uma posição tão sólida de preferência do público, que não lhe passa sequer pela ideia que a popularidade de um outro possa vir a empanar seu brilho. Não é outra a verdade. Pois Luiz Gonzaga é um artista personalíssimo, e o público saberá sempre distingui-lo entre os demais. Mas digam-me os que conhecem o meio radiofônico, se essa qualidade de reconhecer publicamente os méritos alheios não é rara, mesmo entre artistas consagrados?

Para Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira é um elemento formidável. “Basta que eu descubra um tema, solfeje uma frase musical para que Humberto complete tudo e dali faça um baião de sucesso”. Faz diminuta a parte que lhe toca para exaltar o que fazem os seus parceiros.

Zédantas, o autor de “Vem Morena“, recebe uma onda de elogios, espontâneos e sinceros. J. Portela, que também tem assinado composições com Luiz Gonzaga, merece-lhe um conceito dos mais elevados. Miguel Lima, outro de seus parceiros, não esconde também seu entusiasmo. Percebe-se, no entanto, que a grande admiração de Luiz Gonzaga é mais por Humberto Teixeira. E não há dúvida que esse é o nome que está ligado ao seu nos maiores sucessos de suas gravações.

Referimo-nos, ainda há pouco, a Pedro Raimundo. Foi ele que deu verdadeiro entusiasmo a Luiz Gonzaga para abraçar a carreira do rádio. “Eu não cantava, tocava apenas. Pedro Raimundo foi que me convenceu de que eu deveria cantar”. E faz então uma série de elogios do criador de “Mariana“.

“É um artista completo e um dos maiores tocadores de sanfona que já conheci. Sabe agradar o público e está sempre pronto para atender os seus pedidos”. Luiz Gonzaga chama a isso “preparar a volta“. Na sua opinião, um artista não deve se mostrar superior ao público que o ouve. Deve identificar-se com ele. Aproveitar a sua arte para criar elos de simpatia e oferecer-lhe momentos agradáveis.

O público deve ficar se lembrando do artista não só com sua admiração, mas também com a sua amizade. “O artista deve preparar a volta“, — diz-nos referindo-se as suas numerosas excursões por quase todas as grandes emissoras do país, teatros, cinemas, clubes e outros centros de diversões, pois Luiz Gonzaga é hoje um dos artistas mais disputados em toda a parte onde se deseja uma atração segura de ouvintes e bilheteria.

Luiz Gonzaga e seu chapéu de cangaceiro

Certa vez, Mário Neiva, diretor administrativo da Rádio Nacional, fez-nos o seguinte elogio de Luiz Gonzaga: “É o artista que nos dá menos trabalho na renovação de seus contratos. Como é muito disputado para “tournées” em todo país, vê na Rádio Nacional um veículo divulgador de suas criações e composições e, às vezes, parece se interessar mais pelos resultados indiretos que por exigências contratuais com a emissora”.

Dissemos isso a Luiz Gonzaga e ele afirmou-nos que chegou mesmo a rejeitar um aumento de ordenado na Rádio Nacional, a fim de poder ter mais liberdade nas suas “tournées“. Por outro lado, possui ele um título indisputável: é o Rei do Disco. São as suas gravações comerciais as que se vendem mais em todo o Brasil.

E o mais curioso é que não se vende apenas o seu último sucesso. A “Mula Preta” sai tão bem como “Mangaratiba” ou como “Lorota Boa“. “Vem Morena” compete ao lado de “Juazeiro” ou de “Dezessete e Setecentos”, seu primeiro grande sucesso como autor, juntamente com “Chamego Bom“, da mesma forma que o “Alfaiate do Primeiro Ano” foi sua primeira consagração como intérprete. E o mesmo acontece com os discos em que estão gravadas essas típicas e saborosas melodias de “Asa Branca” e “Forró do Mané Vitor“.

Dificilmente Luiz Gonzaga poderá dizer qual o maior entre esses sucessos. As fábricas de discos, no Brasil, inclusive a RCA Victor, para que grava, estão todas em regime de subprodução, por falta de equipamento. Pelos pedidos acumulados e não satisfeitos ainda por impossibilidade de produção que os satisfaça, calcula-se que poderia vender 70.000 discos de cada uma de suas gravações.

Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu na cidade de Exu, no dia 13 de dezembro de 1912, no Estado de Pernambuco. Seu primeiro contacto com o rádio deu-se em 1940, no Rio de Janeiro. Antes disso, já era um sanfoneiro popular no interior de seu Estado, pois descende de uma família de artistas, entre os quais vale a pena destacar o seu pai, Januário, figura muito popular no interior daquele Estado, hoje residindo no Rio, para onde Luiz Gonzaga o trouxe.

Atualmente Luiz Gonzaga atua na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e na Rádio Cultura, de São Paulo, além dos “shows” em que toma parte. Ainda recentemente cumpria um contrato com a “boite” Oasis, na capital paulista.

Tem atuado em vários filmes nacionais, envergando os trajes típicos do Nordestino. Recentemente tomou conta de São Paulo. E para sua surpresa viu os italianos do Braz se entusiasmarem com o baião e o aplaudirem calorosamente no Teatro Colombo.

Foi também no interior paulista, em Ribeirão Preto, numa festa em benefício do estudante pobre, que sentiu um dos maiores prazeres de sua carreira vitoriosa. 3.000 pessoas entraram na primeira sessão do teatro para aplaudir os seus baiões.

E por essas demonstrações de carinho, Luiz Gonzaga tornou-se hoje um ardente e sincero amigo de todos os paulistas.

2 Comments on Luiz Gonzaga, o Baião e a Música Popular Brasileira

  1. Claudio Ribeiro // 4 de agosto de 2019 em 12:49 //

    Caro Ticianeli, muito grato pelas edições de História de Alagoas. E esta, sobre o nosso grande e inesquecível Luiz Gonzaga, maravilhosa. É possível que as novas gerações o desconheçam, assim como as suas composições.
    Abraços fraternais,
    Claudio Ribeiro – Casimiro de Abreu, RJ.
    Alagoano de Fernão Velho

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*