Jorge Vilar e o Sindicato dos Radialistas em 1964
Jorge Vilar
Em 1964 o Brasil já não era o mesmo. Conturbação no Rio, São Paulo, Recife, Rio Grande do Sul e em outros estados menores. Alagoas não ficaria para trás. Também tinha o direito de participar.
Dia 31 de março de 1964. Havia um movimento calado. Os alagoanos comentavam as recentes notícias. As mulheres de políticos, autoridades e outros seguimentos da sociedade preparavam uma passeata, que seria realizada pelo centro da cidade.
Certos sindicalistas, dizendo-se democratas, através do companheiro Nilson Miranda, presidente do Sindicato dos Radialistas, convocavam para uma sessão extraordinária no Palácio do Trabalhador para o fim da tarde daquele dia!
Vozes exaltadas desafiavam o policiamento que àquela altura já se aproximava do Palácio do Trabalhador. Era um momento tenso, onde de um lado estavam os trabalhadores a desafiar as mulheres que desfilavam pelas ruas do centro da cidade. Do outro lado os sindicalistas, com discursos violentos e com palavras agressivas contra a honra e a dignidade daquelas senhoras pertencentes à sociedade alagoana.
Nas proximidades do Palácio do Trabalhador estavam os militares para manter a ordem. Neste clima de guerra, tivemos que nos ausentar para cumprir o nosso horário na Rádio Gazeta, que começava às 20,30 horas. Mesmo preocupado com a situação, fui cumprir a obrigação.
A revolução estourou naquela mesma noite. Os sindicalistas, logicamente, bateram em retirada e nessa debandada geral, o nosso companheiro e líder, Nilson Miranda desapareceu, sem deixar o endereço e nem o seu destino. Logicamente, ele como presidente de um órgão sindical e contra os que iam mudar os destinos do pais, não ficaria esperando pelo pior.
A partir do dia primeiro de abril, começou a caça aos comunistas, com a prisão de vários companheiros de rádio e jornal. Lembro-me ainda, que sentia medo! Como frequentador do cafezinho da Rua do Comércio, fui provocado por alguns amigos que estavam do lado dos militares.
O velho amigo, Coronel Argolo, uma tarde ao passar no carro oficial chapa branca defronte ao Café Central gritou paro mim em voz alta para todo mundo ouvir:
— Hei. Jorge! Ainda está solto? Cuidado! Sua vez chegará!…
Naquela hora deu vontade de responder com um palavrão. Tinha me criado junto com o Gerson Argolo e conhecia lodos os seus familiares, no bairro de Bebedouro!
Refleti rapidamente e ri… Ri com um sorriso amarelo! Com sinceridade: deu vontade de mandar o amigo para a p.q.p!, mesmo conhecendo a sua mãe, uma honrada senhora, genitora exemplar e que ainda estava criando muitos filhos! Mas, me contive!
O tempo ia passando. Amigos nossos iam desaparecendo da noite para o dia e o medo não nos abandonava.
E o Nilson Miranda onde andava? Será que estava morto? Ou preso, como o Teófilo Lins, Jaime Miranda, irmão do Nilson, Roland Benamor, que era radialista e presidente da CGT e muitos outros desaparecidos? Estes já estavam na Penitenciária entre a ralé! O que pensar daquela situação, quanto mais se apertava o cerco, mais gente fugia ou era presa?
Colhendo informações de companheiros ficamos sabendo que o Nilson Miranda havia fugido, ajudado por amigos políticos e gente do próprio governo! Aí é outra estória e que saberemos de tudo mais adiante!
O substituto de Nilson
Com o desaparecimento do presidente Nilson Miranda, o Sindicato dos Radialistas ficou acéfalo. Todos perguntavam: quem iria presidir a entidade naquela hora em que ser sindicalista em assinar a ficha de entrada na prisão?
Ninguém aparecia para reivindicar o comando do sindicato, nem mesmo o vice-presidente, que naquele momento também desapareceu e ninguém se atrevia a assumir o posto.
Três ou quatro meses depois daqueles acontecimentos, eu e alguns colegas fomos chamados pelo Dr. José Sarmento, Delegado do Trabalho, para uma reunião em seu Gabinete no Edifício Ari Pitombo.
O delegado começou a reunião informando que estávamos ali para que fosse escolhido, entre nós, um interventor para dirigir o sindicato, até quando futuramente realizássemos uma eleição para uma nova diretoria.
Dando continuidade à reunião, o Dr. José Sarmento consultou de um a um, os dez que compareceram, se aceitariam a presidência do sindicato. A resposta era sempre um não, que vinha acompanhada de uma justificativa para não desagradar às autoridades civis e militares, que àquela altura já acompanhavam tudo, através dos olheiros ou dedos duros.
Depois de muitas consultas foi a minha vez, que ficara por último. Eu seria o fiel da balança, quisesse ou não quisesse!
Sem mais nada que justificasse uma negativa de minha parte, fui aclamado interventor do Sindicato dos Radialistas, aceitando a missão por livre e espontânea pressão, para contornar uma situação que, em caso negativo de nossa parte, deixaria a classe malvista pelos novos mandantes. Seria, no caso, o primeiro confronto entre os modestos radialistas e o comando revolucionário, que mandava e desmandava em Alagoas e no Brasil.
Eu seria um presidente tampão! Teria que dizer porque estava ali naquela presidência, quando ninguém tivera a coragem de assumir tal posto. Fui tomando gosto e levando o barco para futuramente convocar eleições e passar o comando a alguns companheiros mais experientes e mais corajosos.
Depois daquela reunião e investido do cargo de presidente mantive contato com a Federação dos Radialistas, comunicando que assumira o posto e me colocando à disposição dos companheiros de todo o Brasil.
Convite irrecusável
Em 1965, já como presidente do Sindicato, fui convidado pela Federação Nacional dos Radialistas para uma reunião em São Paulo, a fim de elaborarmos a regulamentação da profissão de radialista, que congregava também os homens e mulheres pertencentes à TV.
Como viajar, se o nosso sindicato não tinha dinheiro?
Convidamos os companheiros Cláudio Alencar e Teófilo Lins para nos acompanhar na nossa primeira missão fora de Alagoas.
Eles aceitaram e caímos em campo para conseguir as passagens, uma vez que as diárias estavam garantidas pela federação.
Faltavam apenas dois dias para a viagem, com passagens arranjadas e malas arrumadas, quando o companheiro Cláudio Alencar se desculpou e desistiu da viagem, que foi feita por mim e o nosso amigo Teófilo Lins, dublê de jornalista e radialista.
Estávamos na capital paulista participando ativamente dos debates, que se alongavam até as dez horas da noite.
No último dia, quando houve o encerramento do conclave, chamei o Téo de lado e falei pra ele que aquela noite seria da gente. Por isso nos distanciamos dos demais companheiros que tinham vindo de toda parte do Brasil e salmos andando pela Avenida São João.
Já era quase meia-noite quando passávamos defronte a um cinema, na hora do término da última sessão. Notamos que era exibido o filme Dr. Jivago. Não sei porque ficamos observando as pessoas. Em dado momento parei e não acreditava quem eu estava vendo dentre aqueles espectadores que saiam do cinema. Chamei a atenção do Téo:
— Téo, você está vendo quem eu estou vendo, ali naquele canto?…
— Meu Deus, disse o Téo, abrindo os olhos:
— É o amarelo…
Amarelo era o apelido do Nilson Miranda! Era uma coincidência muito grande. Nilson Miranda desaparecido de Alagoas em março de 64, perseguido e falado por todo mundo, estava ali, se divertindo no cinema e assistindo um filme com assunto russo. Logo assunto russo que ele tanto gostava. Falei para o Téo que tínhamos que pregar-lhe uma peça. Estávamos preparando tudo e ele de nada desconfiava. Era uma presa fácil.
Depois de acertarmos tudo, silenciosamente, partimos para a ação. Fomos chegando bem devagarzinho e quando estávamos um de cada lado gritamos ao mesmo tempo, segurando em cada braço do velho guerreiro Nilson Miranda:
— Teje preso!…
O nosso comunista, como era conhecido em Alagoas, ficou paralisado, estático e mais amarelo do que era. Não era mais amarelo era branco. Virou uma vela de cera ali mesmo em nossa frente.
Quinze segundos depois, como que despertando de um pesadelo, Nilson Miranda soltou aquele tradicional palavrão:
— F.D.P. vocês querem me matar? Porra, isso é coisa que se faça?…
Daí para diante foram só abraços e perguntas dos dois lados. O papo se alongou até que resolvemos aproveitar a noite paulista.
Diz um velho ditado: Começo de briga é empurrão. Aí empurramos o Nilson para um bar que estava em funcionamento pertinho do cinema e começamos a confraternização entre paus-de-arara.
Terminamos pela manhã, a tempo de preparamos as malas, quando iríamos para o Rio no encerramento do Congresso, onde assinaríamos a proposta da nova regulamentação da profissão de radialistas.
No Rio, depois de mais uma reunião e do encerramento do encontro, nos deparamos novamente com o Nilson que nos convidou para uma despedida a base de whisky. Mas como, se nós não tínhamos mais grana para cerveja, avalie para tomar whisky.
Esperamos a noite, quando reencontramos com o nosso anfitrião e partimos para um apartamento no Hotel OK! Ao chegar ao destino sem saber de nada, quando da abertura da porta pelo Amarelo, nos deparamos na parede com uma foto do Menestrel das Alagoas. Teotônio Vilela, o pai! Aí matamos a charada: Nilson Miranda era hóspede do Teotónio Vilela e, portanto, o whisky seria urna homenagem do grande político aos seus amigos e conterrâneos, que no momento não se encontrava por lá….
*Publicado no livro Vi, Vivi, e estou contando, Maceió, 2004. Título da editoria do História de Alagoas.
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