Jorge Almeida e a história da Eletrodisco

Jorge Almeida no balcão da Eletrodisco, na Av. Moreira Lima em Maceió

Essa excelente e histórica reportagem foi resultado da primeira entrevista realizada pelo Clube do Vinil de Alagoas, criado por Dimas Marques, e publicada em 1º de junho de 2015. Além do Dimas, que fez a transcrição, participaram dessa gravação Walter Pires e Wagner Torres.

Esse trabalho, além da postagem no Clube do Vinil também rendeu um vídeo, cujo link estará disponível no final dessa publicação.

Vamos então conhecer a história da Eletrodisco e de um dos seus proprietários, o Jorge Almeida.

Olá, pessoal. Iniciamos a seção “Entrevistas” com uma lenda viva do mercado de música de Alagoas, Jorge Almeida, um dos sócios da Eletrodisco, a maior loja de discos do Estado. Nessa entrevista, ele contará um pouco sobre a história da loja, as vendas, as dificuldades que os levaram a fechar o estabelecimento, entre outros pontos. Estamos compartilhando com vocês um pouco da história do mercado fonográfico em Alagoas. Esperamos que gostem.

Jorge Almeida, da Eletrodisco

Dimas Marques – Quem fundou a Eletrodisco?

Jorge Almeida – Olha, a Eletrodisco foi Seu Pedro [Ribeiro], meu sogro, o outro [Walter], genro dele, e eu, Jorge. Os três sócios.

DM – E em que ano foi fundada?

JA – 1965. Primeiro de junho de 65. [Foi inaugurada com a apresentação do conjunto The Thunder Boys, embrião do Grupo Seis – História de Alagoas].

DM – E como surgiu a ideia de fundar uma loja de discos em Maceió?

JA – Veja bem, meu sogro estava fora. Ele veio de volta, do Rio pra cá e eu estava trabalhando em banco, Banco do Comércio e Indústria de Minas Gerais. Eu já via um conhecimento de gravações porque já tinha trabalhado com meu pai na antiga loja Philips, na Senador Mendonça. Eu gostava do ramo. Então, ele veio pra cá de volta, o outro genro dele tinha casado com a filha dele. Ele ficou sendo reformado do exército, a gente procurou um segmento pra formar essa firma, eu dei a ideia e deu certo. Na época se comprou o estoque da antiga Tartaruga, que era do Murilo, e, com o conhecimento que eu tinha, e, Seu Pedro era um homem de comércio bom, fundou-se a Eletrodisco. Que foi até um erro na hora de registrar, seria “Eletrodiscos”, aí ficou Eletrodisco. Na realidade, devia ter sido no plural. E foi assim.

Walter Pires – O senhor fundou a loja por questão comercial mesmo, ou questão de gosto musical, ou juntou as duas coisas?

JA – As duas coisas. Eu conhecia o ramo, gostava. É um ramo, assim, de música, de gravações que é meio encantado. Você se envolve muito com ele e tem que ter muito cuidado.

Eletrodisco em novembro de 1968

Wagner Torres – Essas lojas Philips, eram lojas de discos que havia aqui em Maceió?

JA – Na realidade era uma loja de eletrodoméstico com um departamento de disco. Nesse caso das lojas Philips, quem tinha essa seção quem tomava conta era a Georgina. Foi ali onde eu comecei junto com ela. Depois ela saiu, casou…

WT – Ela saiu porque casou?

JA – É, constituiu família…

WT – Então isso aí foi até 1960. A Carmelita filha mais velha dela é de 62…

JA – Certo. Na realidade, pra quem não sabe, a loja Philips, que se situava ali na Senador Mendonça… Só que meu pai já estava vindo da Moreira Lima. Não era a loja Philips, era a Faustino.

WP – Então isso deve ter sido o que, anos 50?!

JA – Eu comecei com meu pai com 14 anos de idade lá na Moreira Lima, no Centro. Depois se transferiu ali pra Senador Mendonça.

WP – Foi bem no começo mesmo. Vocês foram os pioneiros do formato Long Play. Da transição do 78 para os 33.

JA – Eu cheguei a pegar o 78.

WT – Naquela época, quais eram as casas que vendiam aqui em Maceió? Era a Philips…

JA – Que vendia disco tinha a Tartaruga, (…) que era na Rua do Comércio, quase em frente a… era vizinho quase a Capitol Motors. Capitol Motors era de esquina ali… onde tem a livraria Machado.

WT – A Tartaruga, nunca tinha ouvido falar. Essa Machado eu não alcancei. A única livraria na Rua do Comércio que eu alcancei foi a…

JA – Tem a José de Alencar, livraria Moderna

WT – …Legal. Eu ainda me lembro no começo da década de 90 o mobiliário dela era do começo do século passado. Aquelas estantes imensas de madeira com porta corrediça. Era uma coisa fantástica.

JA – E tinha o Carrossel Musical, no começo do Centro.

WT – Carrossel Musical eu lembro. Mas o Carrossel Musical também vendia móveis?!

JA – Era, mas não havia uma loja especializada só em gravação, não. Cada uma tinha uma seção. Tartaruga também era uma seção que tinha.

WP – A Eletrodisco também era assim?

JA – Eletrodisco também! Tinha instrumentos musicais, eletrodomésticos, gravações.

WT – Mas eu acho que o forte dela era disco.

JA – É o nome que se criou.

WT – Era disco e era a referência aqui porque tinha outras grandes casas como o Cantinho da Música, a Tok Discos. Eu lembro que a gente ia em qualquer loja que não tinha o disco que a gente queria, aí dizia: “só na Eletrodisco”.

JA – É uma coisa que me chamou muito a atenção era a publicidade. Eu investia muito nisso, de amizade com pessoal de rádio. Tinha amizade muito grande com Fernando Collor, Pedro Collor. A gente tinha uma facilidade muito grande. Cheguei até, um tempo depois, a ser sócio de um amigo meu, já com a loja, numa firma de publicidade, porque eu adorava também, publicidade. Engraçado, era uma coisa que eu, quando fazia a publicidade da loja, detestava aquele “Avenida Moreira Lima, 241”, não! 241 da Moreira Lima, pra não ficar igual. A gente tinha uma força, a Eletrodisco.

DM – Então, Seu Jorge, pegando o ensejo dessa questão da referência, há quem diga que a Eletrodisco era, justamente, a referência no mercado de discos em Alagoas e um dos motivos era o fato de trabalhar com discos importados. Como se dava o processo de importação desses discos?

JA – Isso aí, inclusive, as gravadoras, algumas mantinham um segmento disso, a parte. Mas vinha muita coisa.

DM – E demorava muito para chegar?

JA – Não. Quem importava eram eles, entendeu? Não é que a gente importasse diretamente, não. Vinha através deles. Eles tinham um segmento pra isso.

DM – Não sei se o senhor sabe, mas haviam outras lojas com o mesmo nome pelo Brasil. O Walter mesmo disse que em Recife…

JA – Não, em Recife era a Aky Discos. Eletrodisco não, Aky Discos, que era uma rede imensa. Inclusive nós comprávamos no atacado deles. E hoje não tem. Eram quase 100 lojas no Brasil.

WT – Onde era o atacado deles?

JA – Era na Rua da Imperatriz, no Centro. Era muito forte.

DM – Você chegou a ouvir falar da Eletrodisco de Delmiro Gouveia?

JA – Olha, eu ouvi falar de mais de uma…

DM – Porque há uma Eletrodisco que era da minha família. Era do tio do meu pai. Quando eu era criança frequentava lá pra ver brinquedo. E hoje em dia a loja virou mais uma dessas de comércio de produtos pirata, brinquedos da China, justamente pelo mercado.

WP – Mas não tinha a ver com vocês?!

JA – Não, nunca tivemos filial.

DM – A única e original é a Eletrodisco de Maceió.

JA – Sim.

WP – Então deve ter sido isso porque eu tenho certeza que tenho um disco em casa que tem um adesivo da Eletrodisco…

JA – Era os três bonequinhos? Era os três sócios.

WP – Isso, mas não é o endereço daqui…

JA – Interessante, né? Até isso eles isso eles copiaram e eu não sabia (risos).

WP – Eu fiquei pensando em casa: “A Eletrodisco é daqui de Maceió mesmo?”.

JA – Gente tomando carona, mas…

DM – E essa questão da logomarca, como surgiu à ideia?

JA – Veja bem, eu, meu sogro Pedro e o Walter, o outro (genro), depois faleceu. Havia uma gravadora chamada Equipe que mantém aqueles bonequinhos discretamente. Aquilo me chamou a atenção. Vou usar isso aqui como sendo os três sócios. Completando com o slogan “Sempre em dia com o sucesso”, e ficou a marca.

DM – E quanto às novidades e lançamentos. Quando aquele artista de sucesso lançava um disco, chegava rápido aqui?

JA – Chegava rápido, porque os vendedores, as gravadoras tinham… ligavam, “Olha, tá saindo disco tal”, “manda”, entendeu?

DM – E as vendas. Quais os estilos que mais vendiam?

JA – O que vendeu mais foi o popular, agora tem uma turma boa do Jazz e do Erudito. Dia de sábado ali na Eletrodisco, era um encontro dos médicos, intelectuais…

WP – Compravam mais Jazz?!

JA – É, Jazz. Andava era cheio de médicos, professores. Esse pessoal que tinha tempo no sábado.

WT – O senhor deve ter conhecido o doutor Marconi Costa?! Grande discófilo.

JA – Meu amigo o Marconi, claro. Fã de Ângela Maria e Cauby Peixoto.

WT – Exato. Nelson Gonçalves. Essa turma. Ele tem tudo de Nelson Gonçalves, tudo de Cauby, tudo de Ângela…

JA – Eu sei. O irmão dele tinha uma livraria, ou tem. O Marcos. Essa turma antiga eu conheço todo. Interessante que isso tudo é você chegasse no sábado ali na Eletrodisco você encontrava quem quisesse de médico e professor. Quando chegou o Iguatemi, (pausa) afastou. Acabou. Foi um êxodo, sumiu.

WT – Abril de 89 foi quando o Iguatemi foi inaugurado.

JA – Aí veio à pirataria, também.

DM – A loja funcionou de 65 até que ano?

JA – Até 97.

WT – Eu me lembro nos anos 80, comprava muito lá, fitas, discos. Aliás, eu não comprava K7, quem comprava era minha irmã, que ela tinha carro.

WP – A pirataria começou no K7.

JA – Começou no K7. Pra você ter uma ideia, nos pagávamos… Apesar da gravadora já pagar os direitos autorais do disco, mas você, pra tocar, tinha que pagar todo mês uma taxa.

WT – Eu me lembro que a partir de 91 já tinha no comércio as fitas piratas. E era uma coisa muito tosca porque era uma fita Basf ou Sony que eles gravavam da fita original e batia na maquina de datilografia as músicas, o título. Aliás, a capa era uma xérox horrorosa e atrás batia na máquina a seleção.

JA – Pra você ver como é que é. Já começou no K7 a pirataria.

DM – A partir de que ano começou essa pirataria com K7?

JA – Eu lembro, assim, de época…

WT – Eu lembro que em 90 eu não via.

WP – Foi em meados dos anos 90, 95, 97.

JA – Foi antes. K7 foi antes.

WP – Mas assim, de vender em pirata…

JA – Foi antes.

WT – Eu lembro que em 91 eu comprei a trilha internacional da novela Lua Cheia de Amor. Foi minha primeira aquisição de fita K7 pirata. Em 90 eu não via aqui em Maceió fita K7 pirata.

JA – O interessante disso tudo foi a mudança rápida pro Cd. Foi muito rápido. Aí ficou fácil deles fazerem.

WT – Eu lembro que era uma trilha muito em voga na época, tinha músicas que estavam muito em moda.

JA – É porque as novelas da Globo faziam seleções que vendiam bem. Aquilo ali era um acerto com as gravadoras…

WP – E com a chegada dos Cd’s?

JA – Começou até tranquilo. Mas foi muito rápido a pirataria de uma maneira absurda, sem controle. Detalhe, eu não poderia vender pirata na loja senão ia preso. Cheguei a um ponto de, em frente à loja os “frente” se instalar com, tinha uma arvorezinha bem ali, botar uma banquinha ali, vender o pirata ali na minha frente botando um som alto. Teve uma vez cheguei: “Rapaz, baixe o som pra eu poder tocar o meu”, e o cara “ahh” (indiferença). E por conta disso, como a gente já pagava direitos autorais, todo mês vinha um cobrador que morava aqui, fazia o recibo e você pagava os direitos autorais. Eu cheguei pra ele: “Olha, resolva o problema desse cidadão aqui na minha porta que tá me atrapalhando”. Aí ele disse: “Isso aí é problema da Polícia Federal”. Aí eu disse: “Então a partir de hoje eu também sou, sou problema da Polícia federal e não vou lhe pagar”. E não paguei mais. Falamos com um deputado amigo nosso, Oseas Cardoso, ele disse: “Não, tá errado, isso aí devia ser recolhido em banco”. E, há um tempo atrás a Gazeta fez uma reportagem a respeito de direitos autorais aqui em Maceió mostrando que naquela época era assim que estava errado, e o compositor estava sendo lesado. E com o advento da pirataria, coitado do compositor. Hoje é mais o show, e olhe lá.

WP – Hoje em dia ganha com show.

WT – Por falar em Gazeta, você falou que tinha parceria com o Collor…

JA – Sim, o Pedro vivia lá direto, quando a Gazeta ainda era na Rua do Comércio.

WT – Eu já fiz muitas pesquisas em jornais, e no indicador profissional da Gazeta na década de 70 a única loja que eles citam é a Eletrodisco. Tinha uma página na Gazeta que era o indicador profissional, aí mostrava pediatra, dentista, loja de roupas e só falava da Eletrodisco.

JA – A gente criou realmente um nome. Aí o que aconteceu, pirataria. Aí veio pra Maceió a rede Aky Discos, me cercou. Em frente a mim, Boa Vista… me cercou, porque é imensa.

WP – Era mais de uma loja?!

JA – Só aqui tinha uns seis eu acho. Eu já comprava atacado dela.

WP – Tudo perto, tipo Farmácia do Trabalhador (risos).

WT – Interessante que naquela rua tinha Tok Disco, Cantinho da Música…

JA – Alagoas Discos.

WT – Não me recordo da Alagoas Discos.

JA – Panificação francesa, Rua Alegria. Paulinas, era ali a Alagoas Discos, por ali. Tanto que quando ele acabou, ele fez uma publicidade, até o “queima” dele foi vender em quilo, você lembra disso? Vendeu o estoque dele em quilo pra acabar. Aí virou um Motel. Antônio Frazão.

WP – Voltando a questão do Cd. Quando o Cd chegou à pirataria chegou junto com força aí nisso o faturamento caiu muito?

JA – Foi muito rápido. O faturamento caiu muito. Foi uma soma. E outras coisas que pouca gente sabe também, houve Plano Funaro, plano isso, plano aquilo. Pra você ter ideia, eu vendia Gradiente, Sony, essas marcas todas a gente vendia. Quando começaram esses planos o vendedor passava lá e dizia: “Agora a gente só pode vender pros grandes Magazines”. Podou a gente. Gravadora, quando veio a rede Aky Discos pra cá… Digamos, Roberto Carlos era um, digo, fim de ano se esperava Roberto Carlos. Pra você ter ideia, a gente ia buscar o disco do Roberto Carlos meia noite na transportadora. O disco sai no dia seguinte pra o Brasil todo. A transportadora recebia, mas não entregava a ninguém, só a partir de zero hora daquele dia. E a gente ia lá buscar, pra de manhã tá lá tocando. O que aconteceu com esses planos, a gente pedia 2000 Roberto Carlos, quando ia lá, viam 200. Aí você chegava nas lojas Americanas, Hiper, estavam vendendo ele ao custo que a gente comprava, ao custo!

WP – Mas também pela quantidade que eles compravam…

JA – Exatamente. Pra você ver, foi um caso sério.

DM – Falando do lado bom, quais foram os períodos de maior venda na loja?

JA – Os primeiros anos foram maravilhosos. Dominou, a Eletrodisco tinha um nome muito forte.

DM – A saída por mês era alta, muita gente consumindo?!

JA – Era muito. E a gente trabalhava também com instrumentos musicais, então a gente vendia muito pras escolas, colégios, etc… Exército, muita coisa. Aí depois começou a vir gente de Pernambuco por trás, tomando da gente isso também, instrumentos musicais de fanfarra.

WT – Eles vinham com representantes pra cá?

JA – É, a própria fabrica quando sentiu isso mandou, mandava vendedores dela direto para os colégios. Mais uma coisa que foi podando a gente. Sério! Mas foi um tempo de 65 a 70, 75, por aí.

DM – Fazendo um comparativo desses 32 anos de comércio com hoje. Como você enxerga o cenário de consumo de música?

JA – Olha, a qualidade musical, acho, da música popular brasileira, pra mim tá zero. O que se toca em rádio hoje, qualidade, faz pena. A qualidade foi lá pra baixo. Até porque os grandes cantores e compositores não tem acesso mais na mídia. Esse é o problema. Tocam, cantam, a gravadoras aí mantidas por cantores que fazem um disco de qualidade, mas de pouca divulgação. O Chico Buarque parou, né. Achou mais interessante escrever livro.

WT – Eu acho que ainda se produz muita coisa boa no Brasil. Nós temos qualidade musical. A questão que o senhor falou é essa da mídia, que enfia goela abaixo…

WP – Mas isso é até automático, porque, por exemplo, eu tenho uma banda que é uma porcaria, aí eu pago pra tocar no rádio. Vai estourar aquilo, que o rádio vai tocar, vai tocar, aí as pessoas que não tem acesso a música em si, que vai, por questão intuitiva, por questão de todo dia estar tocando no rádio, aquilo vai entrando na cabeça e vai consumindo a massa.

JA – É, até o meio de comunicação, televisão, por exemplo. Vejo uma Globo fazendo coisas aí, “ave Maria”… E pra família? Qualidade zero.

WT – É verdade. A questão não é tanto só ter coisa ruim, com certeza tem muito mais coisa boa do que ruim. A questão é que, além da mídia não produzir, as pessoas não buscam isso. Elas não procuram, elas estão bitoladas ali no rádio, na televisão, e esquece que tem a internet aí, que é um meio de comunicação fantástico.

JA – Coisa boa tem, falta quem deixe tocar.

WP – Mas isso é questão cultural mesmo, infelizmente. As pessoas buscam os meios mais fáceis. Está ali na televisão, domingo, vai assistir o Faustão, aí passa uma mulher rebolando… É isso que dá dinheiro pra eles.

JA – É o faturamento, por conta disso… Mas a qualidade… Ainda bem que tem a internet.

WT – Música boa é feito ouro, a internet está aí pra isso. Ela não vai cair do céu, você vai ter que garimpar e vai encontrar mais coisa boa do que ruim. E a gente taxa tanto que hoje é só porcaria, só coisa ruim.

DM – Falando de internet, imaginando um cenário. Você acha que se a loja sobrevivesse à pirataria do Cd, como você acha ela iria se comportar hoje com a questão da internet, MP3, compartilhamento de música?

JA – Você tem que conviver com isso. É uma perda muito grande financeiramente, mas tem que ver que essa é a realidade. Como ele diz, você vai garimpar ali, tem onde buscar alguma coisa boa. Hoje você chega numa lojas Americanas, Hiper, procurar um disco de Jazz é difícil achar. Ainda bem que tem a internet pra buscar, ter o acesso. Recentemente faleceu um mago da guitarra, B.B King. Acho que a juventude nem sabe bem o que é isso. Sabe de uma coisa interessante, a rádio nossa aqui, a Educativa FM, praticamente só tinha ela. Nós da Eletrodisco tínhamos um contrato com eles de Cd de gravações, porque não tinham meio de comprar o disco, em troca de uma vinheta muito tola: “Apoio cultural Eletrodisco”. Só era isso que saia porque eles não podiam colocar publicidade, e a gente fornecia as gravações. E eram gravações, MPB boa, só coisa boa. Até acho que o acervo que eles têm ainda aí hoje foi muito (…) nosso.

DM – E como o senhor enxerga a questão da “volta do Vinil”? Já faz alguns anos que a mídia anuncia essa “volta”. O vinil está todo ano voltando. A Polysom reabriu, bandas novas estão lançando discos, inclusive bandas alagoanas como a Mopho e a Necro.

JA – Eu vejo isso ainda como artesanal, que, na realidade você lutar contra essa mudança toda que tem da facilidade de você pegar um Cd, um pendrive… E o custo de um vinil não é pouco hoje em dia, cada dia está mais caro. Então, eu vejo que é um clube seleto disso, saudosistas. Mas não vejo que isso vai voltar, em termos de indústria não. Agora, pra mim a qualidade é melhor, sem dúvida.

WP – Em termo de vendas, o aumento do mercado, tem uns parâmetros que a venda do vinil, inclusive aqui no Brasil, vem aumentado relativamente.

JA – É como eu disse, é uma coisa muito particular. Vai depender muito da aceitação desse público.

WP – Mas eles estão querendo atingir a grande massa, e eu vou dizer pro senhor por que: Foi lançado agora pouco um vinil, Lp do Luan Santana. Já estão querendo investir na massa.

JA – Pois é, estão querendo mexer exatamente onde tem o popular, digamos assim. A gente sabe, agora, é como eu digo, não é fácil porque o custo dele é alto. Seria bom que voltasse, se voltar, em termo, porque não tem pirataria.

WP – Hoje em dia, por exemplo, você compra um vinil por 70, 80 reais, de uma banda e você pode comprar esse mesmo álbum em Cd por 20. Mas só que, quem gosta vai pagar os 70 (risos).

DM – Até porque o mercado do vinil está superando o de Cd. As vendas de Cd’s estão caindo muito.

WP – Vai ser a raridade do futuro o Cd.

JA – Essa história do Cd está caindo muito, a pirataria faz isso. É impossível você saber quanto que está se fabricando de pirataria.

WP – Hoje em dia todos os grandes artistas não têm nem mais gravadora. Pra gravar eles tem estúdio em casa, gravam, mandam prensar e vendem.

JA – Pois é, ficou prático.

DM – Vocês comercializavam discos de artistas alagoanos?

JA – Olha, o Djavan vivia na loja, é uma amizade que eu tenho. E outras, a Leureny, etc.

DM – Tinha o Grupo Terra, do Eliezer Setton, o Beira Banda da Lagoa, do Máclein. Vocês comercializavam esses discos?

JA – Não. Apareciam um ou outro. O Djavan, quando saiu daqui, aí sim. Mas dependia do disco aparecer pra gente ter acesso. Digamos hoje o artista faz aqui, prensa e vende. Mas eles não tinham acesso às gravadoras, um ou outro. Carlos Moura gravou Lp fora, aí você vai contando quantos. Mas a gente sempre deu apoio a essa turma. Setton é um amigão que eu tenho. O Setton tinha até uma coisa, quando ele fazia uma música nova ele levava pra eu ouvir: “Jorge, o que você acha?”, “Rapaz, qualidade, bom, vá em frente”. O cara é inteligente. O Djavan fazia parte do LSD, conjunto na época, e ele foi pro Rio de Janeiro através de uma amiga nossa que conseguiu pra ele uma passagem através do DNEE. Foi pra boates e tal. De lá deslanchou.

WP – Mas o LSD não chegou a gravar?! Era mais banda de baile.

JA – Não. É que tinha muito aqui. Que se imitavam muito os grandes conjuntos. Mas foi um ponto de partida.

WP – Agora tem um compacto, que eu tinha, mas infelizmente passei, que era do Roberto Beckér e Golden Lions, que era daqui e foi prensado na Rozenblit. Se não engano, quem lançou aqui foi a Difusora. A Difusora lançava discos de artistas.

JA – Beckér é uma figura. Inteligente.

WP – O Compacto era de 69, a capa é branca com eles sentado num carro, tipo Puma. O estilo era mais regional, mas tinha uma música que era meio puxado pra o rock. Eu particularmente não gostei, aí vendi.

JA – É interessante, havia na época, não sei se você lembra, um compacto em 45 rotações, em Maceió, o pessoal pedia muito a música do Luiz Gonzaga, “Saudade de Maceió”. É de um mineiro a música, Lourival. Ele é de Minas. Não tinha à venda, a gravadora não soltava ele nos Lp’s do Luiz Gonzaga. Interessante, então eu entrei em contato com a RCA pra fazer aquele compacto, que prensagem eu teria eu fazer pra vender aquilo. Aí veio uma carta dizendo que no mínimo 5.000 compactos. Eu disse: “eu topo, agora eu quero exclusividade, não vender pra ninguém”. Fechamos o acordo, recebi. Um mês depois eu vejo tocando na loja de um amigo meu, bem pertinho de mim. Fui lá saber já que o Alberico era meu amigo. Aí ele comprou: “A gravadora vendeu dez”. Olha, deu um pau isso aí.

WP – Mas o senhor chegou assinar algum contrato?

JA – Eu tinha assinado um contrato, deu um pau.

WP – O senhor botou no pau?!

JA – Botei.

DM – E venceu?

JA – Até hoje não foi resolvido, acabou a gravadora, inclusive, a RCA. Aquilo ali me deixou chateado, preparei tudo, paguei caro. Distribuí muito esse disco, não vinha um turista que não quisesse. “Saudade de Maceió”, do outro lado era “Vida de vaqueiro”.

WT – O senhor ainda tem esse compacto?

JA – Olha, guardei uns, sumiram! Fiquei sem nenhum.

WP – O senhor não tem mais disco nenhum?

JA – Não.

DM – Inclusive muitos artistas já fizeram músicas homenageando Alagoas, Moraes Moreira, Alceu Valença…

WP – Martinho da Vila, que fez homenagem a Mossoró.

DM – Isso teve impulso nas vendas?

JA – Tem. Lógico que tem. Tem porque é uma cidade bonita. Vende turismo, quem vem aqui fica encantado.

WP – Mas, quando lançavam um disco com uma música falando de Maceió o senhor colocava na loja pra tocar como se fosse o carro chefe, pra vender o disco?

JA – Não era aquela o carro chefe, mas a gente tocava, é claro.

DM – E fazendo um parêntese, uma menção ao grupo “Maceió Antigo”, que com certeza vão adorar ler essa entrevista. Como você compara a Maceió de sua época na Eletrodisco com a cidade hoje?

JA – Era mais tranquilo. A cidade hoje a violência está muito grande. Era uma cidade mais pacata, você poder ficar sentado na sua porta. A mudança está sendo muito pesada, pra pior. Cidade bonita, recebe muito bem, mas está com um grande nível de violência. Precisa melhorar.

WP – Quando a loja estava fechando, qual foi o rumo que o senhor, na época, o senhor disse: “Não vai dar mais, não vou mais conseguir viver vendendo discos”?

JA – O que eu devia ter feito, seguido, mas eu não tinha assim… Olha, como eu disse a vocês, o ramo de discos ele lhe encanta, a música, sempre gostei, e eu não estava vendo uma saída, me instalar, e a pirataria tomar conta de tudo, e a qualidade musical lá embaixo. Então eu resolvi parar. O que eu devia ter seguido era a eletrônica que era um ramo muito forte, mas eu não investi muito, o que foi um erro. Estava encantado pelo outro lado.

WP – Receivers, toca-discos… Quando as vendas estavam caindo, o faturamento, aí o senhor foi tomando outro rumo?

JA – Você quando percebe que está vendendo o que tem daquilo que você adquiriu pra recompor alguma coisa, é melhor parar.

WP – Tipo, o faturamento mensal X e foi caindo cinco ou dez vezes menos.

JA – Isso. Caiu muito, a queda foi grande. Eu vejo o caso da rede Aky Discos. Pra você ter uma ideia, a filha dele quando completou 15 anos, foi na época que estava surgindo o Cd. A filha dele gostava de cantar, aí gravou quatro faixas em Cd como convite de 15 anos dela em Recife, quando ele nos mandou o convite com tudo pago no Hotel São Domingos, imagine, era o Hotel chique de Recife. Show Roberto Carlos, tudo pago por ele. E hoje não tem mais a loja.

WP – Aí depois o senhor tomou que rumo no comércio?

JA – Bom, depois mudei completamente. Eu e um amigo temos um escritório com planos de saúde, seguros, coisas assim. É um seguimento que eu achei: “Vou por aqui”. O comércio desencantou mesmo. Lógico que não deixei de gostar de música.

WP – Imagino o quanto o senhor ganhava das gravadoras, de Lp’s, de presente mesmo.

JA – Havia gravadoras que mandavam pra gente os lançamentos pra que distribuíssemos nas rádios.

DM – E como seus filhos aproveitavam a loja? Eles pegavam muitos discos?

JA – Naturalmente (risos). O Arthur, que você conhece muito bem, ele tem um gosto musical bom, erudito, coisa assim. A minha filha mais velha gosta muito de Chico Buarque, graças a Deus, não embarcaram nessa… Nenhum deles. Interessante é que meu filho Pedro é fã de Michael Jackson e Madonna.

DM – Mas eles pegavam muito disco da loja?

JA – Vivia em casa. Sempre teve.

DM – Eles pagavam, tiravam da mesada?

JA – Não, nunca houve isso não.

DM – Havia outros lugares que vocês forneciam gravações?

JA – Os cinemas daqui de Maceió, nós é que gravávamos pra lá, São Luís, Ideal… Porque eles tocavam nos intervalos música. Eu tinha uma amizade boa com o gerente aqui, depois a gerente da rede Severiano Ribeiro. Eu fazia gravações para o Ideal, estilo mais popular, São Luís que era outro estilo. E a gente sempre mantinha isso por amizade.

WP – Na época não tinha DJ não, que colocava os discos? A cultura do DJ nunca existiu aqui, digo, do Disk Jockey.

JA – Não, tinha não. Eu tenho saudade daquele tempo, não vou dizer que não. Tempo bom, de qualidade musical boa. Hoje a gente tem que garimpar. É o que a gente quer passar pra essa turma jovem, que hoje não sabe nem…

WP – O senhor tem fotos da loja, da época?

JA – Tenho mais não. Eu tinha até uma foto bem histórica dos Incríveis autografando no balcão da loja. Rapaz foi uma loucura e eu achei de fazer isso. A turma chegou: “Vou levar os Incríveis pra autografar na sua loja”, eu disse: “Rapaz, estou com medo que vão depredar a loja” (risos). Foi uma loucura.

WT – Os Incríveis andaram muito aqui em Maceió, inclusive eles queriam levar o Paulo Sá, que era um músico daqui, pra tocar com eles, e ele recusou, não sei por que. Eu estudei com a filha deles.

DM – Gostaríamos de agradecer ao senhor por essa maravilhosa entrevista. Temos aqui um ouro, um grande registro para o futuro.

WP – Foi ótimo, um resgate da memória da Eletrodisco, a pioneira dos discos em Alagoas. A história, lembrança do senhor que viveu aquilo, vamos mostrar um pouco pras pessoas. Quem nunca ouviu falar, agora vai saber que existiu uma grande loja de discos aqui em Maceió.

JA – Isso aí, um grande prazer, obrigado.

Ps. O Clube do Vinil de Alagoas gostaria de agradecer a colaboração de Wagner Torres e Hidelbrando Tamurer Ramalho.

6 Comments on Jorge Almeida e a história da Eletrodisco

  1. Marcos Paes // 13 de junho de 2023 em 15:50 //

    O Jorge era um Gentelman. sempre atendeu muito bem a todos os clientes da ELETRODISCO. Gente fina.

  2. José Euclides. // 13 de junho de 2023 em 22:22 //

    Aos oitenta e cinco anos de idade continuo ouvindo os discos que amigo Jorge separava para mim, pois sabia exatamente a minha preferência musical a exemplo dos clássicos. Boas recordações. Grande abraço amigo.

  3. Claudio de Mendonça Ribeiro // 14 de junho de 2023 em 07:40 //

    Muito grato, prezado Ticianeli. Maravilhosa entrevista.

  4. Toda semana ia na loja ver os lançamentos musicais e comprar fitas k7 para fazer seleções de músicas para usar na discoteca que meia-pataca tinha. Saudades daquela época.

  5. Relíquia! Consumir vários produtos dessas lojas. Obrigado por ter feito parte da minha história, músicas de verdade, abraços.

  6. GERARDO ROCHA FORTES. // 22 de fevereiro de 2024 em 17:00 //

    Estava até falando com o meu filho GERARDO FORTES, a Eletrodisco foi um exemplo muito forte no comércio de Maceió. No item atendimento o Jorge foi exemplar. Tempo gostoso, saudades da Eletrodisco. Abraços Jorge Almeida.

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