Joaquim Gomes e o engenho São Salvador do Urucu

O povoamento que deu origem a atual cidade de Joaquim Gomes surgiu a partir das moradias do Engenho São Salvador, que em alguns jornais foi citado como Engenho São Salvador do Urucu ou Engenho Urucu, numa referência ao fruto do urucuzeiro, de cuja polpa se fabrica o colorau. Essas terras foram habitadas pelos índios Urupês.

Não se sabe quando esse engenho ali se estabeleceu. Não é citado na relação dos engenhos de açúcar da Província das Alagoas de 1849 e de 1859, publicadas no livro “Contribuição à História do Açúcar em Alagoas”, de Moacir Medeiros de Santa’ana.

Os primeiros registros sobre a sua existência foram encontrados por esta pesquisa no jornal Cruzeiro do Norte (Maceió) de 30 de agosto 1891: “Visita — Esteve entre nós o distinto cidadão José Correia de Araujo Barros proprietário do Engenho Urucú e deu-nos a honra de sua visita. Nós o cumprimentamos”. O Almanak da Província das Alagoas de 1891 relaciona os engenhos de Passo de Camaragibe e o “S. Salvador” a Araújo Barros.

É possível que José Correia de Araujo Barros já estivesse de posse deste engenho em 1880. No Almanak da Província das Alagoas daquele ano, estão os participantes da histórica Sociedade Comício Agrícola do Quitunde e Getituba e o seu nome é citado como pertencente à Comissão Executiva “na Soledade”, distrito onde estava localizado o Engenho São Salvador.

Povoação já existia em 1894

Em 17 de outubro de 1894, o “Engenho S. Salvador do Urucú” estava ofertado para venda no jornal Gutenberg. Segundo o anúncio, situava-se no distrito de Soledade, município Passo de Camaragibe, era movido a água e produzia de quatro a cinco mil pães de açúcar, com espaço para mais dois engenhos. Suas terras eram “fertilíssimas cobertas de matas, abundantes de excelentes madeiras de construção”.

Tinha “uma casa de vivenda e um excelente quintal contendo três mil pés de café com terraço próprio à seca do mesmo, além de cerca de 40 casas de taipa e telha, sitas no povoado do engenho, onde se acham alugadas mensalmente, entre elas conta-se um barracão onde funciona a feira do mesmo povoado”.

“O engenho, além do cercado, possui um reservo, coberto de férteis pastos próprio para a criação de muito gado”, exaltava o proprietário, José Correia de Araujo Barros, que deixava claro que vendia o engenho, menos um pequeno sítio contiguo ao mesmo.

Por este anúncio, sabe-se que o povoado já existia naquele ano e que contava com 40 casas alugadas.

Araujo Barros não conseguiu vender o engenho. Isso ficou evidente no dia 19 de dezembro de 1896, quando divulgou no Gutenberg um “Aviso útil” informando que nas terras do Urucú não era permitida “a pessoa alguma contrair compra de casas com os foreiros deste povoado, visto acharem-se ditas casas sujeitas ao débito que me hão de pagar, seus respectivos possuidores, em virtude de haverem esses senhores abusados do contrato da escritura de aforamento, utilizando-se de terrenos a que não têm direito, visto a dita escritura só conceder terrenos (fundos) equivalentes a noventa palmos. Outrossim faço ver a esses senhores que o mais breve possível venham efetuar esse pagamento a que se acham impostos, legalizando assim seus direitos de propriedade, e que o terreno excedente aos noventa palmos acima citados, será medido e segundo o resultado de palmos que cada um contiver, será cobrado à razão de mil réis (1$000 réis) por palmo de conformidade com a extensão da frente das respectivas casas, tendo-se em consideração a data da passagem da escritura. 16 de dezembro de 1896”.

Grupo Escolar Manoel Gomes de Barros

Ainda no dia 16 de dezembro, assinou outro aviso “aos habitantes do povoado Urucú”: “Convido os senhores possuidores de gado vacum, cavalar e ovelhum a virem o mais breve possível pagar a estada de tais animais, visto o edital que fiz afixar. Faço ver aos mesmos senhores que não é permitido a criação de cochinos [porcos] e cabras, que tanto prejudicam as lavouras. Em caso de grande necessidade, concedo, aos pais de família cujos recursos não sejam suficientes para aquisição e vacas para alimentação das crianças, ordem para criação de cabras mediante a quantia de 4$000 réis (quatro mil réis) anualmente, tendo os seus donos todo cuidado em conservá-las presas afim de que não causem prejuízos às plantações”.

Se em 1894 a povoação parecia pequena, com 40 casas, a mesma avaliação não mais existia 11 anos depois, em 1905, quando da elaboração do projeto para a implantação da Ferrovia Norte Alagoana, que não se concretizou.

O Gutenberg, de 19 de outubro de 1905, divulgou os estudos e neles há a descrição de Passo de Camaragibe, com a citação da existência dos seus principais povoados: Matriz de Camaragibe, ou povoação de Camaragibe, que havia sido promovida a vila, e Urucú, tratado como “um regular povoado em território do engenho de igual nome. Esse povoado é o centro do alto Camaragibe e em seu território além da cana de açúcar cultiva-se o café e o fumo”.

Levantamento de 1911 já encontra Urucu como distrito de Passo de Camaragibe.

Joaquim Gomes

Joaquim Gomes

O proprietário e fundador do povoado do Engenho S. Salvador do Urucu, José Correia de Araujo Barros, nasceu no dia 4 de maio de 1849 em Anadia e faleceu em 1900. Foi casado com Anna Rosa de Souza Pinto (1850-1882). Os registros dos seus filhos se aproximam das três dezenas. Um deles, Teófilo de Araújo Barros, veio a ser o pai do padre Teófanes Augusto de Araújo Barros. Seguindo a tradição paterna, Teófilo foi pai de 15 filhos.

Uma filha de Araujo Barros, Maria Amélia de Araújo Rego, que nasceu em 1879, casou-se em 1890 com Joaquim Gomes da Silva Rego (nasceu em 14 de março de 1870 e faleceu em 1945). Era filho do major Luiz Ferreira da Silva Rego e de Clarinda Barbosa Gomes de Barros, proprietários dos engenhos Riachão, Pimentas, Flor do Paraíso, Riacho do Paraíso e Caypora.

Desse casamento foi possível anotar os seguintes filhos (é possível que algumas datas estejam incorretas):

Luiz Gomes da Silva Rego – nasceu em 1893 e casou-se com Nadyr Gomes da Silva Rego;
José Gomes da Silva Rego – nasceu em 1894 e faleceu em 1983. Casou-se com Julieta Gomes de Araújo Rego;
Júlio Gomes da Silva Rego – nasceu em 3 de dezembro de 1894;
Fábio Gomes da Silva Rego – nasceu em 1895;
Pedro Augusto Gomes da Silva Rego – nasceu em 1896;
Demétrio Gomes da Silva Rego – nasceu em 21 de novembro de 1897 e faleceu em 1982;
Amália Gomes da Silva Rego – nasceu em 1899 e faleceu em 1917. Casou-se com José Gomes Peixoto;
Maria Adélia da Silva Rego – nasceu em 1905 e faleceu em 2001. Casou-se com José Lins de Assis em 29 de julho de 1922;
Alzira Gomes da Silva Rego – nasceu em 26 de julho de 1905;
Joaquim Gomes Filho – nasceu em 1906. Casou-se com Eleusa Celestino Cavalcante Gomes. Foram Pais de Fábio e Flávio Joaquim Gomes;
Áurea Gomes da Silva Rego – nasceu em 1906;
Octávio Gomes da Silva Rego – nasceu em 10 de outubro de 1907;
Osmário Gomes da Silva Rego – nasceu em 1908 e faleceu em 2001. Casou-se com Terezinha Gazzaneo Gomes da Silva Rego;
Arlindo Gomes da Silva Rego 15 de novembro de 1910 – casou-se com Carmem Oliveira Buarque;
Percilia Gomes da Silva Rego – nasceu em 30 de agosto de 1912;
Marina Gomes da Silva Rego – nasceu em 1913. Casou-se com Moacir Barros;
Anna Anita Gomes da Silva – Casou-se com Antônio Fragozo de Mello;
Maria Aurélia de Barros Rego – nasceu em 1920.

Agência dos Correios e Telégrafos de Joaquim Gomes

Maria Amélia, após colocar no mundo 18 filhos, faleceu em 1920 (ou 1921). O viúvo Joaquim Gomes voltou a casar. Tinha 52 anos de idade quando se uniu a Maria Pureza Lopes Ferreira (nasceu em Murici no ano de 1887 e tinha então 36 anos de idade). Era filha do coronel Gervásio Lopes Ferreira de Omena e de Anna Lopes de Omena Santos. O casamento aconteceu em 10 de fevereiro de 1923, no Engenho Santa Luzia.

Desse casamento foi possível somente identificar os seguintes filhos: Josefa Maria Ferreira; Maria Deusdedit Gomes Lopes (nasceu em 9 de janeiro de 1924 e faleceu em 24 de julho de 2019) e Graunides Gomes Lopes.

Quando morreu, em 1890, José Correia de Araujo Barros estava com seus negócios prestes a falir, com o engenho já hipotecado num banco. Joaquim Gomes comprou as partes dos herdeiros e tirou o engenho das mãos do banco, iniciando uma nova fase naquele empreendimento. Foi quando construiu a capela dedicada a N. S. da Conceição, então padroeira de Urucu. É a atual Igreja de N. S. da Conceição. Posteriormente, São José Operário passou a ser o padroeiro e a Igreja Matriz foi erguida para ele, mas São Sebastião é quem é mais festejado.

Antiga capela de N. S. da Conceição

Os bons resultados obtidos pelos empreendimentos de  Joaquim Gomes lhes trouxeram reconhecimento político. Entre suas propriedades contavam os engenhos Urucu, São Salvador, Alagoas e o Sitio Cajá. Foi nomeado Major da Guarda Nacional e, em 1914, já tratado pelos jornais como coronel, chegou a pleitear uma vaga na Assembleia Legislativa pelo Partido Republicano Conservador. Não foi eleito. O mesmo aconteceu em 1916. Há registro de que em 1927 era o vice-prefeito de Passo de Camaragibe.

Foi Joaquim Gomes quem forneceu ao povoado e ao distrito de Urucu os investimentos que trouxeram desenvolvimento ao alto Camaragibe. Sinal da crescente importância foi a sua inclusão no roteiro do estafeta dos Correios, como divulgado em 1916.

O distrito também é citado como beneficiado pelo governo em 3 de fevereiro de 1927, no Relatório do governador Costa Rego, que destaca os investimentos estruturantes como a “reconstrução, construção e beneficiamento de estradas no distrito de Urucú”, sem esquecer dos menores, registrando a “compra do candieiro para a Biblioteca Propagadora da Instrução, do Urucú”.

Antigo Posto de Saúde, atual CAPS José Ângelo da Silva

Emancipação

A partir de meados dos anos da década de 1940, uma onda emancipacionista de municípios varreu o Brasil. Com a criação do Fundo de Participação dos Municípios pela Constituição de 1946, os tributos partilhados favoreciam principalmente os municípios mais pobres. Segundo Diogo Lordello de Mello em O município na organização nacional: bases para uma reforma no regime municipal brasileiro, “os Governos Estaduais estimulavam a criação de novos Municípios para atrair mais recursos do Governo Federal para o Estado”.

Foi assim que em Alagoas, entre 1947 e 1963, foram criados 61 novos municípios, 14 deles em 1962: Junqueiro (1947), Major Izidoro (1949), Batalha (1949) — Belo Monte deixa de ser a sede e Batalha assume esse papel, passando a dar nome ao município, Delmiro Gouveia (1952) Olho d’Água das Flores (1953), Paulo Jacinto (1953), Feira Grande (1954), Boca da Mata (1957), Ibateguara (1957), Igaci (1957), Jacaré dos Homens (1957), Pindoba (1957), São José da Tapera (1957), Belo Monte (1958) — emancipado de Batalha, voltou a ser município, Cacimbinhas (1958), Cajueiro (1958), Girau do Ponciano (1958), Jacuípe (1958), Maravilha (1958), Matriz de Camaragibe (1958), Olivença (1958), Poço das Trincheiras (1958), Barra de Santo Antônio (1960), Campo Alegre (1960), Campo Grande (1960), Dois Riachos (1960), Feliz Deserto (1960), Flexeiras (1960), Japaratinga (1960), Jundiá (1960), Monteirópolis (1960), Santana do Mundaú (1960), São Miguel dos Milagres (1960), São Sebastião (1960), Satuba (1960), Branquinha (1962), Canapi (1962), Carneiros (1962), Chã Preta (1962), Coqueiro Seco (1962), Craíbas (1962), Messias (1962), Inhapi (1962), Jaramataia (1962), Joaquim Gomes (1962), Lagoa da Canoa (1962), Taquarana (1962), Mar Vermelho (1962), Maribondo (1962), Messias (1962), Minador do Negrão (1962), Novo Lino (1962), Olho d’Água do Casado (1962), Olho d’Água Grande (1962), Ouro Branco (1962), Palestina (1962), Tanque d’Arca (1962), Belém (1962), Roteiro (1963), Barra de São Miguel (1963), Coité do Nóia (1963).

Em Urucu, essa tendência encontrou o distrito em pleno desenvolvimento e com um grupo de moradores mobilizados para conquistar sua independência política. Lideravam essa pretensão Osmário Gomes da Silva Rêgo, um dos filhos de Joaquim Gomes, e Luiz de Aguiar Pessoa.

A autonomia administrativa foi conseguida com a aprovação da Lei nº 2.468, de 25 de agosto de 1962, assinada pelo então governador Luiz Cavalcante. A instalação se deu em 25 de setembro do mesmo ano. Urucu deixava Passo de Camaragibe e se constituía no município de Joaquim Gomes, em homenagem a quem esteve por mais de 45 anos contribuindo para o progresso econômico do lugar.

O primeiro prefeito do município foi Osmário Gomes da Silva Rego. A Câmara Municipal somente foi instalada em 30 de outubro de 1963.

2 Comments on Joaquim Gomes e o engenho São Salvador do Urucu

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 22 de abril de 2025 em 07:22 //

    Parabéns, prezado Ticianeli.

  2. Terra querida.
    Lar do meu pai.
    Sou parente dos Batista

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