Jayme Amorim de Miranda, a maior liderança comunista de Alagoas
Jayme Miranda foi sequestrado, torturado e assassinado pela Ditadura Militar no dia 4 de fevereiro de 1975, após sair de casa no bairro do Catumbi, no Rio de Janeiro.

O jornalista e advogado Jayme Miranda nasceu em 18 de julho de 1926 em Maceió/AL. Era o segundo dos dez filhos do casal Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de Miranda. São seus irmãos e irmãs: Haroldo, Valter, Edward, Zenaide, Wilton, Nilson, Neiza, Hélio e Manoel.
Jayme Miranda, após cursar o primário em grupo escolar público, iniciou o ginasial em 1937 no Colégio Diocesano e, em 1941, já estava no Liceu Alagoano, onde concluiu o colegial em 1944. No final deste ano tentou o vestibular para a Faculdade de Química em Recife, mas não foi aprovado. Em 13 de setembro de 1945, o Diário de Pernambuco publica uma nota convidando alguns alunos a comparecerem a sua secretaria. Jayme de Amorim Miranda é um deles, indicando que pode ter concluído o colegial naquela capital ou que se preparava para um novo vestibular, que aconteceu em Maceió, no final daquele ano. Conseguiu aprovação para a Faculdade de Direito de Alagoas.
Iniciou-se no jornalismo muito cedo, quando começou os estudos no colegial do Liceu Alagoano em 1941, também dava os primeiros passos como revisor do Jornal de Alagoas e d’A Notícia. Foi nessas redações que teve contato com as ideias socialistas, amplamente discutidas naquele período de conflito mundial. Também foi influenciado por alguns familiares que tinham participado das organizações comunistas na década de 1930.
Com o fim da II Guerra em 1945 e o início dos estudos na Faculdade de Direito, Jayme Miranda deixou a revisão destes dois importantes jornais. Interrompeu o curso no ano seguinte, quando foi aprovado em concurso para a Escola de Sargento das Armas, em Realengo, no Rio de Janeiro.
No final de 1947, já promovido a 3º Sargento da Arma da Engenharia do Exército, foi transferido para servir e continuar os estudos em Pindamonhangaba, São Paulo. O curso tinha uma duração de cinco anos. Jayme, que nunca se adaptou à disciplina militar, contestava algumas ordens e logo estava em conflito com seus superiores.
Em 1948, logo após um desses episódios, soube que seria punido com transferência para o Mato Grosso. Imediatamente rescindiu o contrato com o Exército e voltou a Maceió, onde, em setembro desse mesmo ano já estava empregado como escriturário da Cooperativa dos Usineiros de Alagoas, graças à influência do então deputado Rui Palmeira, que na juventude chegou a participar do Partido Socialista.
Não durou muito tempo por lá. Um ano depois pediu demissão. Nessa época já participava de algumas atividades ligadas ao Partido Comunista. Em sua ficha do DOPSE consta que era um dos distribuidores de “boletins subversivos” em 16 de outubro daquele ano. Ainda em 1949, viajou ao México para participar do Congresso da Paz, representando os estudantes alagoanos.
Em 1950, Jayme estava envolvido na reabertura do jornal A Voz do Povo, cujo objetivo, segundo Dirceu Lindoso, era promover uma crítica ideológica e radical marxista na vivência alagoana do século XX. Por seu trabalho em defesa da classe trabalhadora e das ideias marxistas, o jornal A Voz do Povo foi considerado como uma publicação subversiva.
Jayme Miranda foi preso pela primeira vez em 31 de janeiro de 1950, data da posse de Arnon de Melo no governo de Alagoas. Tentou realizar um comício contra Arnon na Praça Dona Rosa da Fonseca, onde foi o Bar do Chopp. Detido, foi levado ao Quartel do Exército, onde pernoitou. A ofensiva para calar os comunistas continuou no dia seguinte com a Polícia invadindo e destruindo as oficinas da Voz do Povo.
Voltou a ser preso em 12 de março de 1951, quando participava de um comício operário em Fernão Velho, na porta da Fábrica Carmem, do Grupo Othon Bezerra de Mello. Os comunistas colhiam assinaturas em um manifesto da Campanha pela Paz, que tinha como objetivo impedir o uso de armas atômicas nos conflitos entre países, principalmente pelos EUA que atacava a Coreia e impedir a participação do Brasil naquela guerra. Houve repressão policial e Jayme Miranda foi atingido pela baioneta de um dos militares. Sangrando muito, foi detido e levado ao Pronto Socorro.
Em abril daquele mesmo ano estava de volta ao DOPSE, intimado a dar explicações por estar distribuindo A Voz do Povo. Ainda em 1951, foi anotado em sua ficha que tinha participado, em junho, da distribuição do boletim do “Movimento Alagoano dos Partidários da Paz“.
Dois meses depois discursou na reunião e instalação da Frente Juvenil em Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, “deixando transparecer a orientação comunista sobre o assunto”, como registrou o DOPSE. No dia 19 de dezembro de 1951, A Voz do Povo publicou um manifesto “Em Defesa da Paz, da Vida e da Liberdade“. Jayme Miranda era um dos seus signatários.

Jayme Miranda e sua turma de Direito na formatura em dezembro de 1951 (o segundo acima, da esquerda para a direita)
Colou grau em Direito no fim de 1951, graças aos seus amigos que o protegeram de mais uma prisão. Somente em 29 de setembro de 1954 foi que prestou compromisso para inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, obtendo o registro nº 354.
Em janeiro de 1952 seu nome estava entre os que assinaram mais um manifesto do “Movimento Alagoano dos Partidários da Paz“. Dois meses depois foi preso, com outros companheiros, por ser dirigente e divulgar uma “organização subversiva”, o PCB.
Diante da perseguição promovida pela Polícia do governador Arnon de Melo, Jayme e seu irmão Nilson foram morar em Recife, Pernambuco, onde, em julho de 1953, Jayme foi preso e torturado. Caminhava pela Rua José de Alencar quando policias em um Jeep lhe levaram à força. Foi transferido para Maceió e cumpriu uma pena de 12 meses na Penitenciária Pública do Estado.
Durante sua prisão, foi acusado de liderar um “movimento de caráter subversivo na Penitenciária do Estado”. O inquérito foi aberto no dia 17 de novembro de 1953. Nesse processo também foram incursos José Domingos da Silva e José Luiz dos Santos.
Na verdade, Jayme Miranda, como humanista que era, aproveitou o tempo em que estava detido para orientar outros prisioneiros, que cumpriam pena sem denúncia formal. Indicava que impetrassem habeas corpus para se livrarem das prisões ilegais.
Quando deixou a prisão, em 1954, carregava as sequelas das torturas e do isolamento a que tinha sido submetido. Voltou a morar em Recife para recuperar a saúde. De lá, foi designado pelo PCB para atuar no Pará, onde permaneceu até 1957. Há registro de pelo menos uma prisão naquele estado.
Voltou a Maceió somente quando Arnon de Melo foi derrotado por Muniz Falcão e reassumiu seus cargos de direção do partido e do jornal A Voz do Povo.
Ainda segundo o DOPSE, em 1959 Jayme Miranda viajou pela Europa, Ásia e África (passaporte nº 279933).
Em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros e diante da tentativa de golpe para impedir a posse do vice-presidente João Goulart, ocorreram várias mobilizações políticas para garantir que Jango assumisse. Em Alagoas foi realizado um ato público no dia 7 de setembro, no Parque Rodolfo Lins, atual Praça do Pirulito. Nesse “Comício da Legalidade“, Jayme declarou que “quisera ter a honra de ser comunista“.
Esse pronunciamento já fazia parte da campanha pela legalização do Partido Comunista, que no mês seguinte, no dia 4 e no mesmo local, voltou a realizar comício, com a presença de Jayme Miranda, reivindicando o reconhecimento do partido.
Em janeiro de 1962, também estava presente no ato convocado pelos estudantes secundaristas de Alagoas. O evento não ocorreu por intervenção da Polícia, que argumentou não ter autorizado a concentração e agrediu os manifestantes. Por protestarem contra a violência empregada, Nilson Miranda (irmão de Jayme) e Laudo Braga foram presos.
Foi um dos oradores da reunião organizada pelos “Amigos de Cuba” no dia 26 de julho de 1962, na sede do Montepio dos Artistas. Comemorava-se a data da primeira ação revolucionária liderada por Fidel Castro em 1953: o ataque sem vitória ao Quartel de Moncada.
Pela ficha do DOPSE sabe-se que Jayme concitou os presentes a pegarem em armas contra qualquer participação do país em agressões à Cuba, algo que estava sendo planejado pelos EUA.
No início de 1963, viajou para a “América, Europa, Ásia e África” (passaporte nº 372580).
Sua presença em uma reunião realizada na casa do advogado José Moura Rocha, em 2 de novembro de 1963, levou a Segurança Pública de então a identificá-la como “de caráter comunista“.
No último comício daquele ano, no Parque Rodolfo Lins, Jayme Miranda voltou a reafirmar a sua condição de comunista e defensor do regime cubano, que indicava como uma referência e que deveria ser adotado no Brasil. Assim anotou o DOPSE.
Em suas viagens internacionais, sempre designado para missões pelo Partido Comunista, esteve em Cuba onde participou de reuniões com Fidel Castro e Che Guevara. Fez parte da primeira delegação do Partido Comunista Brasileiro – PCB à China para reuniões com Mao Tsé Tung.
Um homem de ideais
Jayme casou-se com Elza Miranda e teve quatro filhos: dois nascidos em Alagoas (Yuri e Olga) e dois nascidos do Rio de Janeiro (Jayme e André), para onde se mudou em 1965 para tratar da saúde e dar continuidade aos seus projetos políticos.
Jayme ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) ainda jovem e suas habilidades logo o alçaram a ocupar os cargos mais importantes daquela organização. Chegou a ser o terceiro homem na estrutura do PCB.
Foi ainda suplente de deputado estadual em Alagoas, sendo o mais votado na capital, porém, teve cassado seu mandato após o Golpe Militar de 1964.
Em 7 de abril de 1964, o DOPSE em Alagoas instaurou inquérito contra Luiz Carlos Prestes, Jayme Miranda e outras 72 pessoas. Tinha início a Ditadura Militar.
Novo mandato de prisão contra ele foi lavrado em 3 de novembro de 1965, por solicitação do ministro da Guerra e Exército. Para fugir da perseguição, escondeu-se no Rio de Janeiro.
Poliglota, nesse período trabalhava clandestinamente traduzindo textos para os grandes jornais do Rio de Janeiro e São Paulo.
Em fevereiro de 1967, teve seus direitos políticos cassados e passou a ser tratado pela Ditadura como terrorista. Para escapar do cerco da repressão, mudava periodicamente de residência com sua família.
As sequelas das torturas sofridas nas suas diversas prisões obrigaram Jayme a ausentar-se do País, em meados de 1973, para tratar sua saúde na União Soviética, somente retornando no ano seguinte.
No dia 4 de fevereiro de 1975, Jayme Amorim de Miranda saiu de casa, no bairro do Catumbi no Rio de Janeiro, para encontrar um colega de partido, encarregado de entregar-lhe alguns documentos. Nunca mais foi visto.
Soube-se depois que havia sido sequestrado, torturado e morto pela repressão. Segundo o livro Desaparecidos Políticos, de Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, Jayme foi executado em São Paulo e seu corpo jogado de um avião militar no Oceano Atlântico, a 200 milhas da costa.
Na versão do ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves, em entrevista publicada pela revista Veja de 18 de novembro de 1992, Jayme teria sido morto sob tortura e seu corpo jogado no Rio de Avaré, interior de São Paulo. Na página 25 da citada revista, o repórter questiona o entrevistado: “Voltando ao Rio Avaré. O senhor falou em oito nomes, mas contou só seis”. Em resposta, Marival Chaves revela o nome dos outros dois corpos jogados no Rio Avaré: “Um é Jayme Amorim de Miranda, também preso na Operação Radar, numa das incursões do DOI de São Paulo ao Rio. Foi transferido para Itapevi (…)”.
Levantamento feito pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, publicado no livro Direito à Memória e à Verdade, também reforça a tese da morte de Jayme por tortura pelo DOI paulista.
Elio Gaspari, em A Ditadura Encurralada, afirma que Jayme, sequestrado no Rio, fora visto do DOPS/SP e assassinado no Centro de Informações do Exército – CIE, de Itapevi/SP, pelas mesmas pessoas posteriormente responsáveis pelas mortes de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho. Segundo Elio, “(…) nesse dia desapareceu, no Rio de Janeiro, Jayme Amorim de Miranda, ex-secretário de organização do PCB. Acabava de voltar de Moscou. Teria sido visto no DOPS de São Paulo. Foi assassinado no aparelho do CIE em Itapevi”.
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Veja o excelente documentário Memórias de Sangue produzido pelo IZP, com produção executiva, textos e comentários de João Marcos Carvalho e imagens principais de André Feijó.
O documentário “Memórias de Sangue – Jayme Miranda, um lutador social,” do jornalista e historiador João Marcos Carvalho, pode ser visto no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=39AdpxZ2k6I
Histórias de nossa terra ,é com orgulho que relembro tempos bons não voltará já mais .