Jaraguá e a praça em que os leões venceram um general

Praça Dois Leões nos meados do século XX, quando oficialmente ainda era Praça General Lavenère Wanderley

Quando o tenente coronel português Sebastião Francisco de Mello e Povoas desembarcou em Jaraguá no ano de 1818, a região portuária era ainda um arruado apartado de Maceió.

Consulado Provincial antes de 1918, ainda com um só pavimento

Nos anos seguintes, vários investimentos foram realizados na Vila de Maceió, principalmente os voltados para as atividades do porto em Jaraguá, onde se instalaram repartições fiscais e a defesa da área de atracação, além de se iniciar a construção de barcos.

Em 1820, ao mesmo tempo em que eram instaladas as baterias reais de São João e São Pedro, Jaraguá também recebia investimentos da Igreja Católica com o início da construção de uma capela em homenagem a Nossa Senhora Mãe do Povo.

O local escolhido foi o final do arruado, próximo aos casebres de palhas dos pescadores do começo da Pajuçara.

Consulado Provincial no início do século XX

Consulado Provincial no início do século XX

A exemplo de outras obras iniciadas nesse período, que evoluíam lentamente por falta de recursos, a simples Capela só foi concluída em 1º de agosto de 1827, no mesmo ano em que foi criada a freguesia.

Localizada onde hoje é a Praça Bom Jesus dos Navegantes, a Capela, seguindo a tradição da época, teve a área à sua frente naturalmente reservada para as festas religiosas.

O crescimento das atividades portuárias de Jaraguá e o consequente desenvolvimento da Vila de Maceió levaram segmentos econômicos de Alagoas a discutirem a mudança da capital de Alagoas (atual Marechal Deodoro) para Maceió, fato que só aconteceria em 1839 após muita disputa política.

Maiores investimentos em Jaraguá só voltariam a acontecer a partir de 1865, quando o engenheiro Carlos de Mornay projetou a Ponte de Embarque para ser construída em uma área próxima ao futuro Aterro de Jaraguá, atualmente Av da Paz.

Entretanto, em 1868, quando a obra mal tinha começado, o então presidente da Província, Antônio Moreira de Barros, convenceu a empresa construtora a alterar a sua localização.

Praça Dois Leões no início do século XX, após 1905

Praça Dois Leões no início do século XX, após 1918, quando a Recebedoria ganhou o segundo pavimento

“O local destinado para esta obra não me pareceu o mais apropriado. Em conferência com o superintendente Hugh Wilson fiz ver isto e exigi que declarasse se podia ser em frente do largo da Matriz, que por mais espaçoso e mais próximo ao recife, onde o mar é menos encapelado, mais comodidade oferece aos passageiros”, esclareceu o governante.

A mudança foi aceita pela empresa construtora e a Ponte foi inaugurada no novo local em 1870.

Com a Capela e a Ponte de Embarque a área passou a ser mais valorizado e ganhou, em 1868, também o projeto de construção do prédio próprio do Consulado Provincial por determinação do presidente da província, José Bento Figueiredo Júnior, que considerava um desperdício do dinheiro público pagar aluguel de 60$000 rs: “Melhor fora construir um edifício próprio nas proporções indispensáveis”.

O contrato para a execução da obra somente foi assinado em 28 de maio de 1969. A benção do local e a colocação da pedra fundamental ocorreram na tarde do dia 12 de agosto do mesmo ano.

Praça Dois Leões após reforma de 1905 e antes de 1918

Praça Dois Leões após reforma de 1905 e antes de 1918

Na noite de 7 de setembro de 1870, o presidente inaugurou o Consulado projetado pelo engenheiro Carlos Mornay.

A autorização para a construção de um jardim no Largo da Capela foi emitida em 20 de dezembro de 1869, sob a justificativa que “além do pequeno jardim do Palacete, não havia outro ponto que servisse de refrigério e recreio à população”. O responsável pela obra foi o engenheiro Frederico Mery.

No relatório à Assembleia, José Bento Figueiredo Júnior informou que o jardim construído em frente ao edifício do Consulado seria fechado com muro, gradeamento e portão de ferro.

“O viajante, ao saltar, ficará agradavelmente impressionado, deparando com uma praça de estilo moderno, tendo em frente um elegante chafariz, no centro bancos, canteiros e arborização, e sobre pilares do muro lampiões que mais tarde podem ser iluminados a gás carbônico”, detalhou.

Assim surgiu o Jardim do Jaraguá, ocupando a área onde hoje se situa a Praça Dois Leões.

Preocupado em guardar simetria entre as obras da Ponte de Embarque, Consulado e a Praça, José Bento Júnior observou que uma construção na entrada da Ponte de Embarque, ao do Consulado, exigia uma obra semelhante do outro lado. Ele preocupou-se em dar utilidade para a obra: serviria para acomodar o corpo da guarda do Consulado.

Praça Dois Leões na cheia de 1924

Praça Dois Leões na cheia de 1924

Prova da importância que adquiriu o entorno da praça foi a iniciativa do presidente da província em conseguir com a Companhia Bahiana que os trilhos de ferro, que ligavam Jaraguá ao Trapiche, fossem prolongados até à nova Ponte de Embarque.

Mas, como nem tudo são flores, mesmo nas praças, em 1872 o então presidente da província, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, apresentou relatório sobre o ano anterior informando que encontrou o Jardim de Jaraguá abandonado e que mandou fazer reparos.

“Será um recreio muito agradável, que terá no futuro a população de Jaraguá. Já que tão avultada despesa se fez com esta obra, que muito concorrerá para o aformoseamento do porto, cumpre que o governo não abandone-a, e ao contrário lhe dê todo possível aperfeiçoamento”.

Prédio da Recebedoria, antigo Consulado Provincial, nos anos 1940

Prédio da Recebedoria, antigo Consulado Provincial, nos anos 1940

Em 1876 foi a vez do prédio do Consulado também receber críticas. O presidente João Thomé da Silva informou à Assembleia que a cobertura do edifício precisava de reparos por causa das goteiras. “Conviria antes reconstruí-la, em vista da má construção que recebeu”.

Outro investimento importante realizado em Jaraguá, que também afetou a praça, foi calçamento da Rua da Alfandega, atual Rua Sá e Albuquerque, concluído em 1877 no governo do presidente Pedro Antonio da Costa Moreira.

Nesta época, o Jardim de Jaraguá era aberto ao público com horário de visitação determinado pela intendência: de segunda à sábado, das 15:00 às 18:00 horas e aos domingos, das 06:00 da manhã às 18:00 horas da noite. Esse horário também era adotado pelo jardim da Praça D. Pedro II, no Centro de Maceió.

Praça Dois Leões nos meados do século XX, quando oficialmente ainda era Praça General Lavenère Wanderley

Praça Dois Leões nos meados do século XX, quando oficialmente ainda era Praça General Lavenère Wanderley

No dia 15 de janeiro de 1888 teve início a construção da atual igreja matriz de Jaraguá, que passou a ocupar a área dos fundos da Capela. Com o recuo a igreja deixou de ter a fachada alinhada com a atual Rua Barão de Jaraguá, mas ganhou a Praça Bom Jesus dos Navegantes.

A nova Matriz somente foi entregue aos fiéis em 29 de abril de 1923. Nove anos depois, em 28 de abril de 1932, às 14 horas, sua torre central desmoronou, provocando grandes prejuízos ao templo.

Por uma nota publicada no jornal Cidade do Rio, de 3 de abril de 1889, sabe-se que dias antes havia sido inaugurado, “em Maceió, um belo jardim público na Praça de Jaraguá“. Informa o jornal ainda que houve festa na sua inauguração e que o melhoramento era atribuído “ao Exmo. Sr. Dr. Milton, atual presidente daquela província”. Aristídes Augusto Milton foi governante de Alagoas entre 6 de janeiro de 1889 e 29 de junho do mesmo ano.

O Orbe de 18 de janeiro de 1889 corrige a informação, detalhando que o dr. Milton havia contratado serviços de reparos para o Jardim de Jaraguá e para o do paço da Assembleia Provincial, atual Praça D. Pedro II.

Em 1905, o Jardim de Jaraguá estava destruído, como relatou o intendente, dr. Manoel Sampaio Marques, ao autorizar a sua demolição para a construção da Praça Wanderley de Mendonça em homenagem ao engenheiro civil José de Barros Wanderley de Mendonça, que foi intendente de Maceió (1901 a 1903), secretário de Estado e deputado federal.

“Realmente o que ali ostentava o nome de jardim não passava de um local destinado ao agasalho dos animais vagabundos daquele bairro. Foi, pois, meu primeiro cuidado reformá-lo, como desejava, emprestando-lhe um aspecto que bem dissesse com o nosso adiantamento moral e progresso material”, explicou o dr. Sampaio Marques.

O projeto da praça ficou a encargo de Rosalvo Ribeiro, recém-chegado de Paris. Foi esta reforma que trouxe da Europa as estátuas decorativas, entre elas o leão e o tigre, que seria depois “promovido” a leão.

Com a imponente presença da realeza animal, não demorou e a vontade popular se fez valer: a praça passou a ser conhecida como dos Dois Leões.

Praça Dois Leões em 1982, ainda com um bar que foi construído nos anos 50

Praça Dois Leões em 1982, ainda com um bar que foi construído nos anos 50

Um dos equipamentos mais importantes da praça, a Recebedoria, antigo Consulado Provincial, foi ampliada em 1918 e recebeu um segundo pavimento. A reforma do prédio foi acompanhada pelo arquiteto José Diniz da Silva.

O principal imóvel do local foi erguido em 1902 na esquina da Praça com a Rua Sá e Albuquerque. Ficou mais conhecido como o Palacete da Viúva Torres. No seu fundo, com frente para a Rua Barão de Jaraguá, se instalou em 19 de fevereiro de 1951 a sede do Banco do Povo.

Em 1922, como parte das comemorações do centenário da independência do Brasil, a Praça Dois Leões ganhou um obelisco.

Por força do decreto nº 33 de 29 de setembro de 1936, a praça passou a se denominar General Lavenère Wanderley em homenagem ao militar alagoano morto na Paraíba durante a Revolução de 1930.

De nada adiantou o decreto. Teimosamente os dois leões foram se impondo regiamente como donos do local e jogaram no esquecimento o intendente e o general.

Para oficializar o que a vontade popular já tinha definido, o vereador Enio Lins, em 1990, fez aprovar lei regularizando vários nomes de ruas e praças da capital. Assim, a Lei nº 3998 de 7 de agosto de 1990 definiu de uma vez por todas que a praça é dos Dois Leões, mesmo que um deles seja um tigre.

Segundo o historiador Craveiro Costa, em nota de rodapé em seu livro Maceió, a atual Praça Dois Leões deve ser o lugar da capital que mais recebeu denominações. Ele lista as seguintes: Conselheiro Saraiva, Santa Maria, Nossa Senhora Mãe do Povo, 11 de Junho, do Consulado, da Recebedoria, de Jaraguá, Dr. Wanderley de Mendonça, da Liberdade, Dr. Miguel Omena e General Lavenére.

Fontes: Memórias de Minha Rua, Félix Lima Júnior, 1981; Irmandades, Félix Lima Júnior, 1970; Maceió, Craveiro Costa, 1981; “Jardim público do Jaraguá”, porta de entrada de Maceió no século XIX e XX. Josemary Omena Passos Ferrare e Tharcila Maria Soares Leão, 2014; Site da Câmara Municipal de Maceió; e Reportagem de Rivângela Gomes, “Maceió em preto e branco: a história da cidade revelada em fotografias”, de 23 de março de 2013. G1, Alagoas.

5 Comments on Jaraguá e a praça em que os leões venceram um general

  1. Joségilmarcavalcantedefreitas // 13 de outubro de 2015 em 18:03 //

    Muito interessante conhecer Maceió antiga…

  2. Emocionante saber das antigas histórias e costumes e ainda de antecedentes de pessoas amigas e parentes

  3. JOSE AILTON FREIRE DE MELO // 9 de julho de 2018 em 11:23 //

    CARÍSSIMO “Edberto Ticianeli” VOCÊ SE NÃO FOR ALAGOANO, VAMOS, PERMITA-ME, VAMOS SOLICITAR UM TÍTULO DE CIDADÃO E UMA CONDECORAÇÃO PELA MANEIRA CARINHOSA QUE VOCÊ NOS OFERECE UM MOTIVO PARA SER AGRADECIDO À SUA PESSOA, COMO ALAGOANO QUE SOU. A PROPÓSITO, E ME PERMITA: JÁ ESTEVE EM “PORTO CALVO”? FOI ONDE EU NASCI. DUAS COISA ME SATISFAZ MUITO LHE DIZER ISSO. A CASA ONDE NASCI FICAVA BEM PERTO A IGREJA. A CASA EM FRENTE A ONDE NASCI, ERA DA FAMÍLIA DE “CALABAR”. AGORA O MAIS INTERESSANTE, FACE EM 1958 MEU PAI SER TRANSFERIDO PARA CAMPOS(RJ), SÓ VOLTEI A PORTO CALVO COM 50 ANOS DE IDADE. EU ESTAVA APOSENTADO POIS ERA FUNCIONÁRIO DO BANCO DO BRASIL. ANTES DE MEU PRIMO “JOSÉ CARLOS FREIRE” NOS LEVAR ATÉ PORTO CALVO, PERGUNTEI A MINHA MÃE ONDE ERA A CASA QUE EU HAVIA NASCIDO. ELA DISSE-ME: É A SEGUNDA CASA À DIREITA DA IGREJA. QUAL NÃO FOI MEU ESPANTO QUE HOJE É UMA AGÊNCIA DO BANCO DO BRASIL. MAS A CASA DE CALABAR AINDA ESTÁ. GRANDE ABRAÇO, ALAGOANO ARRETADO!

  4. Ticianeli // 9 de julho de 2018 em 20:18 //

    José Ailton, obrigado pelas palavras de reconhecimento. Sou alagoano de Pão de Açúcar. Meu pai também nasceu lá (família portuguesa Soares Pinto). Minha mãe é filha de italianos nascida em São Paulo.

  5. Achei a praça algo incrivelmente fantastica. Gostaria de saber quem fez as obras? De qual lugar da Europa elas vieram?
    Onde foi parar a estatua do Lobo e do Javali?

1 Trackbacks & Pingbacks

  1. Praça Dois Leões – Turismo Histórico

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*