Japão alagoano em 1988
São 70 famílias que pouco lembram hábitos milenares. O sucesso foi com trabalho


O histórico navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil
Publicado na revista Última Palavra de 17 de junho de 1988
A sabedoria herdada de uma cultura milenar e uma vocação obstinada pelo trabalho também estão presentes nos nisseis e sanseis (segunda e terceira geração de japoneses no Brasil) que integram cerca de setenta famílias nipônicas radicadas no território alagoano. Esta semana, quando comemoram os oitenta anos da chegada dos primeiros imigrantes ao país, a bordo do navio “Kasato Maru“, que aportou em Santos a 18 de junho de 1908, os japoneses podem, igualmente, ostentar um leque de contribuições à agricultura, ao comércio e, mais recentemente, à indústria alagoana.
Enfrentando toda a sorte de adversidades, a partir da barreira de língua, hábitos culinários e diversidades culturais, os japoneses e seus descendentes comprovaram, na prática, em Alagoas, que o exercício de virtudes como a paciência, a sabedoria, a disciplina, aliadas a um trabalho incansável, foram instrumentos fundamentais para vencer na nova pátria. Mais do que isso, contribuíram para o desenvolvimento nacional em variados setores, a partir de uma revolução agrária sem precedentes na história do país. Tudo isso em menos de oitenta anos.
Hoje, a colónia japonesa em Alagoas é um exemplo típico de comunidade econômica bem-sucedida. Desde o comerciante Hiromi Tani, 48 anos, único japonês que veio diretamente de Niasaki para Maceió, dono de lojas e motéis, passando por Atsushi Teshima, de 59 anos, com seus três restaurantes “New Hakata”, até Sumio Asakura, 52 anos, principal comerciante de frutas no mercado da Produção. Sem esquecer Nair Matsubara, sócia-gerente do primeiro hotel cinco estrelas de Alagoas, Francisco Takeshi Nonaka, diretor-presidente da CINAL, uma das empresas do complexo cloroquímico de Alagoas, Antonio Carlos Cassarotti, gerente geral do Banco América do Sul, e os médicos Wilson Kadukate, Jorge Kishi e Sérgio Noboro Uemoto.
Antes restritos à agricultura e ao comércio, os japoneses e seus descendentes encontraram, mais recentemente, novas oportunidades profissionais em Alagoas, resultantes da implantação do polo cloroquímico, absorvendo engenheiros, químicos e executivos, e do funcionamento da agência do Banco América do Sul (o primeiro maior empreendimento financeiro dos imigrantes no país), e que reúne em Maceió quatro funcionários nisseis.
Incorporando cada vez mais os costumes brasileiros, a colónia japonesa em Alagoas passa atualmente por uma crise cultural, com suas tradições e hábitos milenares, esquecidos ou relegados a plano secundário. De traço comum a identificá-los, apenas a religião budista, em alguns casos mesclada com o catolicismo. Poucos estão divididos entre o “sashimi” e a feijoada, o português precede a língua oriental, não se pratica esportes como o judô, o beisebol ou mesmo o gateboll, versão oriental do críquete. Alguns ainda praticam a cerimônia do chá, ninguém exerce o Tai-Kwon-do (arte marcial japonesa) e apenas meia-dúzia reverencia o Dia do Imperador.
À parte essas contradições, a colônia fundou recentemente a Associação Cultural Nipo-Brasileira de Alagoas, em fase de registro cartorial, a ser inaugurada em setembro, já com sede própria, à Rua Leopoldo Araújo Amorim, 52, bairro da Mangabeiras. Presidida por Hiromi Tani, a entidade pretende, entre outros objetivos, resgatar alguns dos valores herdados da cultura oriental, e que se encontram hibernando. Serão promovidos cursos de língua japonesa, utilizando avançado material didático, flores ornamentais e cerâmica. É a busca pelo renascimento de aspectos culturais que permaneceram a distância.
Diretamente do Japão

Tani ao lado da mulher e dos filhos
Foi uma longa viagem que durou 52 dias, de Yokohama a Santos que trouxe Hiromi Tani, na época com 24 anos, do Japão para Maceió, em 1964. Aqui ele veio aprender português, estudando no Colégio Marista e integrando à sociedade brasileira. “Preferi escolher um local onde não encontraria nenhum japonês, para aprender o idioma português de qualquer maneira”, relembra Tani, que teve a indicação de Maceió através de um amigo bolsista, por conta de “um clima ameno, praia bonita e vestibular muito fácil“. Após estudar no Marista e no Élio Lemos, fez o curso de revalidação do diploma secundário que havia trazido de Niasaki, e realizou vestibular para o curso de Direito, onde se formou no ano de 1978, integrando uma turma onde pontificavam Oduvaldo Persiano, Mário Jorge Uchoa e Paulo Lobo.
Na atividade econômica, Tani começou vendendo verdura na feira de Jaraguá e com uma barraca no mercado daquele bairro. A arma do trabalho persistente lhe tornou possível palmilhar rapidamente o caminho dos bem-sucedidos: montou a Lanchonete Sayonara, em frente ao Bar do Chopp, depois a Churrascaria Tokyo’s a que agregou, em 1973, uma loja, com a mesma denominação, na Avenida Moreira Lima, em sociedade com a irmã Keiko, hoje proprietária de um salão de beleza na Avenida Amélia Rosa. A loja passou a ser denominada Bijouteria Tokyo’s, com filiais em Aracajú, João Pessoa, Recife e Natal.
Atualmente ela se chama Loja Tokyo’s, e sua administração é exercida em conjunto com o cunhado Yoshiaki Kuroda, fanático torcedor do CRB, integrado à maçonaria e que chegou a Maceió em 1968. À empresa comercial foram incorporados, mais recentemente, os motéis Menphis e Eldorado. Em sua mansão no bairro da Mangabeiras, onde reside com sua esposa Yoko e quatro filhos, Tani relembra as dificuldades do início, mas deixa escapar um sorriso de satisfação pela condição de vitorioso. A aventura de vir do Japão para uma terra desconhecida, “valeu a pena”. Agora com a missão de ativar a Associação Nipo-japonesa, ele espera fortalecer ainda mais os laços que unem a colônia como também contribuir para a preservação da cultura do seu país, junto aos irmãos que aqui nasceram.
Frutas em profusão

Asakura, 28 anos de Alagoas, vendendo frutas no Mercado da Produção
Há vinte anos em Alagoas, Sumiu Asakura, 52 anos, nasceu em Kitakyushyu, cidade localizada a 1.200 quilômetros de Tóquio. Estimulado pelo tio de sua cunhada, que já estava no Brasil, Asakura chegou ao Brasil em 1955, estabelecendo-se inicialmente em Panamirim, no Rio Grande do Norte, e depois integrando-se à colônia agrícola de quinze famílias que trabalhava a terra no vale do Pium. Seguiu para Pernambuco, onde se dedicou à plantação de tomates, melões e pepinos no município de Glória de Goitá, comercializando a produção na cidade do Recife. Na época casou-se com Masako, também japonesa, e com quem tem quatro filhos, três nascidos em Alagoas, onde chegou em 1966. Asakura não perdeu tempo e logo se instalou no Mercado da Produção, onde adquiriu inicialmente quatro boxes, dedicando-se integralmente à venda de frutas. O negócio se ampliou e hoje utiliza nove boxes e emprega sete pessoas, além do apoio constante da esposa.
Realizado ele está por si e por suas filhas: uma é formada em Nutrição, duas cursam Medicina e a menor ainda frequenta o jardim infantil. O mais antigo japonês em plena atividade no Estado, Asakura relembra que quando chegou a Maceió encontrou a família Sekiguchi, cujo patriarca trabalhava na Granja Conceição, sob o controle da Secretaria da Agricultura, no bairro de Bebedouro.
Ele não se mostra arrependido de ter saído do seu país, abandonando o curso de Direito: “as oportunidades para um advogado sair formado e crescer na profissão, lá no Japão, são muito raras, de cada grupo de 15 a 20 mil estudantes, sai um advogado”. Muito o ajudou, no início da vida no Brasil, a tradição do comércio que herdou de seus pais e o fato de já saber ler português e falar inglês. E, inegavelmente, outro da colônia que venceu.
Do solo à mesa

Teshima, nascido em Kukuoka, que em Maceió comanda uma rede de restaurantes
Junto a 290 outros imigrantes, Atsushi Teshima de 59 anos, desembarcou em 1929 no porto de Santos, após viajar por mais de um mês a bordo de um navio de bandeira holandesa. Nascido em Kukuoka, próxima de Nagasaki e Horoshima, ele enfrentou o desencanto dos primeiros anos em São Paulo, trabalhando na limpeza dos cafezais, em Júlio de Mesquita, “num regime de quase escravidão”. Muitos anos depois Teshima viajou para Belém do Pará, onde permaneceu por dezesseis anos, plantando pimenta e juta, e nos últimos tempos administrando um restaurante.
Em 1976 aportou em Maceió, trazendo muitas sementes na bagagem e a esperança de melhorar sua condição econômica. Plantou mamão e melão no sítio que adquiriu em Paripueira, e até o ano passado ampliou sua fronteira agrícola para o município de Passo de Camaragibe. A experiência e capacidade de trabalho foram os instrumentos necessários para chegar a produzir 80 toneladas anuais de mamão, de uma variedade originária do Havaí (EUA), proporcionando abastecimento a centros de consumo localizados em Alagoas e Pernambuco.
Casado com uma nissei, em São Paulo, tem seis filhos, um dos quais (Roberto) vai agora para os Estados Unidos, enquanto os demais estudam e o ajudam na atividade de alimentação, através da qual abriu três restaurantes em Maceió, todos sob a denominação de “New Hakata” (Hakata é a capital de Kukuoka, onde nasceu), mesmo nome do restaurante que o irmão comanda em Manaus). Os restaurantes localizam-se no Sobral (primeiro deles, aberto em 1981), Pajuçara (1984) e Ponta Verde, inaugurado semana passada, no mesmo ponto onde funcionou o “Candelária”.
Carregando no sotaque, e com dificuldade até hoje para se expressar em português, Teshima recebeu, nesse aspecto, grande ajuda de sua esposa, sempre à frente do processo de comunicação da família com os negócios.
Conhecendo praticamente todo o Brasil, Teshima não pretende voltar ao Japão, nem mesmo a passeio, prática a que sua família se entrega a cada ano. Ao contrário do que pensa Tani, quando atribui à ausência de minifúndios, incorporação de áreas cada vez maiores para o plantio de cana, e à má qualidade das terras cultivadas pelos imigrantes, fatores que desestimularam a atividade agrícola dos japoneses e descendentes no interior do Estado, Teshima afirma que “a terra é boa, dá mamão, melancia e melão de boa qualidade, mas o que estraga é o feirante, querendo pagar pouco pelos produtos”.
Quem lhe indicou Maceió para vir residir, assegurou-lhe ser uma cidade com praia bonita e clima bom. Ao que Teshima acrescenta, relembrando a época em que chegou, “não tinha japonês”, pois também pretendia se desligar, ao máximo, de seus liames com o país distante: “Hoje sou mesmo é brasileiro, embora cultuando alguns valores da minha terra natal”.
Sonho realizado

Nair, o primeiro cinco estrelas, o Matsubara
Dedicada em grande parte e por muitos anos à educação, em São Paulo, a família Matsubara sempre acalentou o sonho de desenvolver um grande projeto empresarial fora do eldorado japonês. A concretização desse desejo veio a ocorrer em Maceió, com a inauguração, em 1987, do Matsubara Praia Hotel, primeiro cinco estrelas de Alagoas, com 196 leitos e amplas áreas destinadas aos negócios, ao lazer, e à recreação. O empreendimento foi concretizado pelos irmãos Saburo e Luiz, que já contam no ramo com o Matsubara de Campos do Jordão (quatro estrelas).
Em São Paulo, entregue às atividades administrativas e docentes do Colégio Fernão Dias Paes, situado em Osasco e que matriculou, neste semestre, mais de quatro mil alunos, Nair Matsubara, 42 anos, foi convocada para participar da sociedade e exercer a gerência do hotel em Maceió, onde chegou em julho de 1986, na etapa final do processo de construção.
Nascida em Guararapes, São Paulo, essa nissei, atuou, muito tempo, como secretária-bilingue de várias empresas paulistas e ensinou inglês, em período integral, por várias escolas. Seus pais são japoneses de Osaka, emigraram para o Brasil juntamente com uma leva de compatriotas e instalaram-se no Nordeste de São Paulo, empregando todas as suas energias na agricultura.
O Colégio Fernão Dias Paes pertence à família, como que prosseguindo uma tradição paterna, pois seu pai, no Japão, exerceu a função de assistente escolar. Em 1984, o irmão Saburo veio a Maceió, “apaixonou-se à primeira vista pela cidade” e decidiu que nela iria construir um grande hotel, aspiração realizada três anos depois. Nair preserva alguns valores herdados da pátria de seus pais, entre os quais a religião budista e alguns ritos tradicionais. E considera que a contribuição japonesa ao progresso do Brasil foi marcante em todos os setores da agricultura às artes, passando pelo comércio e a tecnologia de ponta incorporada à indústria nacional, além da força de trabalho, hoje representada por 1.168.000 japoneses e brasileiros de olhos rasgados que o país integrou. “E que trazem na origem, a disciplina oriental, o que se constitui em atributo bastante salutar para o progresso do nosso país”.
Relembra a epopeia de seus pais, que “enfrentaram no início dificuldades quase intransponíveis, e dos primeiros imigrantes, que mesmo ostentando títulos e formações técnicas, tiveram que sacrificá-los e atuarem na agricultura, com enxadas na mão e trabalho de sol-a-sol nas colônias”. Por isso Nair acredita e valoriza intensamente o trabalho, “que leva as pessoas fatalmente à vitória, embora esta possa tardar. Tendo recentemente viajado aos Estados Unidos e ao Canadá, ela está ansiosa em conhecer a terra dos seus pais, tão logo o filho Miki, de 11 anos, cresça um pouco mais. No momento, a grande preocupação é aumentar o índice de ocupação do Matsubara.
Para todos esses japoneses nisseis e sanseis que formam hoje a colônia em Alagoas, um ponto em comum a identificá-los: dar sequência aos bons ensinamentos herdados de seus antecessores, contribuindo ao máximo para o desenvolvimento de Alagoas. Integrados de corpo e alma à “terra prometida”, eles se esforçam para não se desligar dos vínculos que os ligam ao Japão, que povoa vagamente suas lembranças. Quando a saudade aperta, e como estão bem-sucedidos, pegam um avião e vão lá pessoalmente.
Gostaria de registrar nesta postagem os nomes de dona Akie Higashi Kawauchi cuja filha , Chizuko foi minha colega de trabalho na Varig. Quando criança no mercado público de São Miguel dos Campos, ficava intrigado com aquelas pessoas de olhos puxados que falavam português com aquele acento engraçado vendendo verduras. Mal sabia que anos depois ia ter o prazer de ser amigo da filha de dona Akie hoje falecida. Atualmente Chizuko e Kikuko vivem no Japão, mas em Maceió ficaram seus dois irmãos que deram à matriarca alguns sobrinhos pra lá de alagoanos.
D+++ a história !! Acredito que 10% dos Alagoas sabem dessas histórias!!! Parabéns 👏👏😍
Esta época lembro muito.
Maceió era Maceió e muito boa a cidade
Era outra cidade cheia de motivações.
Não digo que não sabem Somente a Estória dos Japoneses , mas da Própria Alagoas , Geração emburrecida !!!!!
Estou pensando em morar em Alagoas minha sogra é japonesa moramos atualmente no Japão. Existe algum club voltado para os japoneses em Alagoas?
Raquel, não temos conhecimento sobre a existência de clube em alagoas com essas características.