Guido Ferrário e Lionello Iona: os italianos da Fábrica da Pedra de Delmiro Gouveia

Agro Fabril Mercantil na Pedra. Foto do acervo do Arquivo Público Mineiro

A presença dos italianos Guido Ferrário e Lionello Iona em Alagoas está diretamente ligada aos investimentos do cearense Delmiro Gouveia no sertão alagoano.

Essa epopeia teve início na última década do século XIX, em Recife, quando Delmiro eliminou do mercado exportador de peles e couros seu principal concorrente, o francês Ernesto Kant, e contratou seus experientes funcionários.

O Rei das Peles”, como era conhecido Delmiro, trouxe para a Delmiro & Cia Luís Bahia, Lionello Iona e Guido Ferrário, incorporando-os como sócios.

Delmiro Gouveia

No dia 1º de maio de 1898, Delmiro dissolveu sua empresa e investiu seus recursos em várias outras menores, onde era somente sócio comanditário, entrando com capital, mas não participando diretamente da administração da empresa.

Nesse mesmo ano, Delmiro reorganizou sua antiga empresa, a Silva, Cordeiro & Cia, com a finalidade de comercializar couros e peles. Foi composta pelos seguintes sócios solidários: Antonio Carlos Ferreira da Silva, Manoel Cordeiro de Carvalho e Luiz Bahia. Os sócios interessados eram, possivelmente, os italianos, Guido Ferrário e Lionello Iona.

Feito isso, foi morar em Nápoles, na Itália para usufruir do clima mais ameno e dos amores de uma condessa. Permaneceu por lá por quase um ano, sem saber que a firma onde era comanditário passava por dificuldades.

Delmiro voltou ao Brasil, mas a Silva, Cordeiro & Cia faliu.

Seus sócios surgiram pouco tempo depois como parceiros da firma Iona & Krause, que também, “coincidentemente” passou a atuar no comércio de couros e peles.

Lá estavam Lionello Iona e John Krause, um corretor de câmbio. Guido Ferrário e Luiz Bahia permaneceram como sócios interessados. Utilizando de um recurso do Código Comercial, Delmiro era o único árbitro do contrato e suas decisões eram impositivas. Na forma da lei, continuava como sócio comanditário, mas na prática, era quem mandava na empresa.

O italiano Guido Ferrário

Ao mudar-se para Alagoas no final de outubro de 1902, Delmiro levou para Jaraguá, em Maceió, a “sua” Iona & Krause, que logo foi dissolvida e substituída pela firma Iona & Cia, constituída em 16 de março de 1907 por Lionello Iona e Guido Ferrário — estes sócios interessados — e Delmiro Gouveia.

Foi neste período que Guido Ferrário, até então sediado em Recife, mudou-se para Maceió para administrar a distribuição das mercadorias da empresa para o comércio local e exportação.

A Iona & Cia era responsável pela aquisição de peles e couros de todo o Nordeste, que eram levadas para a Vila da Pedra, atual Delmiro Gouveia, de onde, depois de tratadas, enfardadas, eram despachadas para Maceió, via o Rio São Francisco. Do porto de Jaraguá eram levadas para a Europa ou Sudeste do Brasil.

Nos jornais, a firma anunciava que comprava “peles, couros, algodão, mamona e todos os gêneros de produção sertaneja”.

Guido Ferrário

Nasceu no dia 31 de dezembro de um ano nos meados do século XIX na Itália. Não foi possível precisar quando chegou ao Brasil, mas o Jornal de Recife de 27 de agosto de 1892 informava que Guido Ferrário estava na relação dos passageiros “chegados da Europa no vapor italiano Rosário”.

Em 1895 trabalhava na cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte, num empreendimento comercial e industrial de Ugo Stella. Seu nome surge nos jornais como membro da maçonaria local.

Nos primeiros anos do século XX já está em Recife trabalhando no comércio e participando ativamente da comunidade italiana naquela cidade.

Quando se constituiu a firma Iona & Cia em Maceió, no dia 16 de março de 1907, Ferrário se estabeleceu na capital alagoana e teve rápida ascensão econômica. Em 1910 já era o vice-presidente da Associação Comercial.

Em maio de 1912, quando se constituiu a Companhia Agro Fabril Mercantil, Guido Ferrário e Lionello Iona eram sócios de Delmiro Gouveia neste empreendimento, que contava ainda com investimentos de vários capitalistas pernambucanos.

A ata da primeira Assembleia Geral da Companhia Agro Fabril Mercantil, realizada em 18 de maio de 1912 no escritório de John Krausé, em Recife, estiveram presentes:

Lionello Iona (ele e a Iona & Cia), Guido Ferrario (também representando Balthasar de Albuquerque Martins Pereira), Luiz Bahia, Joaquim Gomes Coimbra, Delmiro Augusto Cruz Gouveia, Adolpho Tacio da Costa Cirne, Raul Britto (também representando Oswaldo Gouveia de Carvalho e Adolpho Santos) e John Krausé. Esses investidores representavam mais de 2/3 do capital social.

A pauta dessa primeira assembleia foi resumida à indicação de uma comissão para avaliar as condições de entrada da Iona & Cia na Companhia.

Na segunda assembleia, em 8 de junho de 1912, o relatório da comissão avaliou que a Iona & Cia representava um capital avaliado em 150:000$000 (cento e cinquenta contos de réis), por ter benefícios conseguidos com os Decretos nº 499 de 29 de setembro de 1910 (terras secas e devolutas existentes no município de Água Branca, Alagoas), Decreto nº 503 de 30 de novembro de 1910 (isenção de impostos estaduais e municipais de uma fábrica de linha) e Decreto nº 520 de 12 de agosto de 1911 (utilização de força hidroelétrica e transmissão de energia elétrica para todo o Estado de Alagoas).

Esse parecer, assinado por Julius von Sohsten, Rodolpho Silveira e Carlos Alberto Burle, foi aprovado por unanimidade.

Com esse aporte, a Iona & Cia, que havia se comprometido a entrar com 400:000$000, teria que completar sua participação com mais 250:000$000 em dinheiro.

A primeira diretoria foi eleita com a seguinte composição: presidente, Balthasar de Albuquerque Martins Pereira; secretário, Guido Ferrário; tesoureiro, John Krausé; fiscais, Luiz Bahia e Joaquim Gomes Coimbra; suplentes dos fiscais, Oswaldo Gouveia de Carvalho, Juvêncio Lessa e João Cândido Duarte.

Essa diretoria propôs a compra das instalações hidroelétricas que a Iona & Cia estava construindo em Água Branca. Foi aprovado por unanimidade.

Por último, Iona Lionello propôs que a companhia emitisse obrigações preferenciais até 500:000$000 remunerando com juros anuais de 8%. Também aprovada unanimemente.

Ferrário era o tesoureiro da firma em 1915, quando presidência foi exercida por Balthasar de Albuquerque Martins Ferreira, deputado federal por Pernambuco.

Falava seis idiomas e tinha larga experiência bancária e comercial, adquirida como funcionário do River Plate Bank, tendo servido a esta instituição até na Grécia.

Após a morte de Delmiro em 1917, Guido Ferrário ocupou cargos importantes na empresa e em 1920 foi eleito presidente da Associação Comercial de Maceió.

Carlito Lobo, Luiz Medeiros, Carlos Alípio, Gasparina (filha), Gasparina (mãe), D. Margarida, D. Anita, Raimundo Almeida e Raimundo Neto em 1968

Faleceu em 9 de maio de 1923, vítima de “insidiosa moléstia”, sob a suspeita de ter sido envenenado. Foi enterrado no Cemitério de Santo Amaro em Recife.

Sua casa em Maceió, na Av. da Paz, era conhecida como Villa Ferrário. Esse imóvel foi, depois, residência do dr. Joaquim Neves Pinto.

Foi casado com Emília Ferrário (faleceu em 29 de abril de 1922 com um pouco mais de 50 anos) e tiveram sete filhos: Dinorá, Anita, Olga, Gasparina, Emílio, Cezarina e Gaspar.

Em 28 de maio de 1923, Dinorá casou-se com Eynar Hecht Johansen, sócio gerente da Iona & Cia na Paraíba. Anita casou-se com Raimundo Almeida e Gasparina casou-se com Carlos Hamilton Ferreira de Souza Lobo e passou a ser a senhora Gasparina Emília Ferreira Lobo, que veio a ser mãe de Carlos Guido Ferrário Lobo.

Dr. Carlos Lobo (Carlito Lobo) ou o “homem do terno branco”, como foi tratado pelo jornalista e por seu colega advogado Ivan Barros, chegou a presidir o Ministério Público de Alagoas.

Nasceu em Maceió, na Cambona, no dia 14 de agosto de 1926. As primeiras letras aprendeu com a mãe e aos 12 anos foi matriculado no Colégio Diocesano de Maceió, concluindo o curso médio em 1945. Serviu ao Exército no CPOR entre 1945 e 1946.

Após 17 anos de namoro, casou-se, em 7 de outubro de 1959, com Aída Carvalho, filha de Alípio Carvalho e D. Olga Carvalho, sua tia. Tiveram dois filhos: Gasparina e Carlos Alípio. Aída faleceu em 15 de dezembro de 1986.

Após uma viagem à Europa, o viúvo Carlos Lobo conheceu Maria Helena, com quem conviveu até seus últimos dias.

Em 1946 ingressou na Faculdade de Direito de Maceió, concluindo o curso em 1951. Foi colega de Marçal Cavalcanti, Benedito Barreto Acioli, Gaspar de Mendonça, Joubert Scala e outros que conquistaram projeção na justiça alagoana.

Dr. Carlos Ferrário Lobo

Foi também um destacado atleta de voleibol do Tênis Club e do Vôlei Clube de Caxias, no Rio Grande do Sul. Teve também reconhecida a sua atuação nas quadras de basquetebol.

Em 11 de junho de 1952 foi nomeado Adjunto-de-Promotor da Comarca de Nilopólis, em Sergipe, iniciando sua carreira no Ministério Público.

Foi transferido, em 27 de maio de 1953, para a Promotoria de Marechal Deodoro, já em Alagoas. No ano seguinte, em 19 de abril, foi promovido para a Comarca de União de Palmares.

Em 1957, permaneceu um tempo à disposição da Secretaria de Segurança Pública para em seguida ser designado para a comarca de Murici.

Teve atuação em vários processos fora de sua comarca. O mais conhecido foi na queixa-crime apresentada por Arnon de Melo contra Muniz Falcão em 1961. Neste mesmo ano, no dia 1º de dezembro, passou a ocupar a Curadoria da Capital.

Em 1964, após a “Quartelada de Abril”, participou de uma comissão presidida por Milton Ferreira Pita com a pretensão de apurar “possíveis existência de atos subversivos ou contrários à probidade, por parte dos servidores do Ministério Público”, relata Ivan Barros no livro “O Homem de Terno Branco”.

Passou a responder pelo expediente da Procuradoria-Geral do Estado por designação da portaria nº 336, de 17 de setembro de 1969, no governo de Lamenha Filho.

Permaneceu como Procurador-Geral de Justiça durante 14 anos. Foi também Procurador da República, membro do Conselho Penitenciário, Procurador Regional Eleitoral e membro nato do Conselho do Ministério Público. Assumiu ainda a superintendência-geral do SESI-AL.

Aposentou-se por ato governamental em 13 de março de 1987. Faleceu às 21 horas do dia 13 de julho de 1989, no Hospital Beneficência Portuguesa em São Paulo, vítima de “insuficiência respiratória. Infarto e infecções hepática”, segundo o atestado de óbito. Foi enterrado no dia seguinte em Maceió, no Parque das Flores.

Leonello Iona

Villa Ferrário na Av. da Paz em Jaraguá

No início do século XX, fazia parte, com seu amigo Guido Ferrário, da Sociedade Italiana de Beneficência e Repatriação em Recife.

Com negócios em Maceió e na Vila da Pedra, devido à atuação da firma Iona & Krause no Nordeste, este judeu italiano era noticiado frequentemente como passageiro dos navios que partiam de Recife para a capital alagoana.

Era filho de Elda Iona e casado com Maria Augusta de Britto Iona. Seu irmão, Rugero Iona, também o acompanhava nos negócios.

Leonello Iona foi um dos principais acionistas da firma Iona & Cia e o maior investidor da Companhia Agro Fabril Mercantil. Suspeita-se que era ele quem administrava os interesses de Delmiro Gouveia.

Morou na Vila da Pedra até 9 de março de 1924, quando foi afastado da direção da empresa e se mudou com a esposa para um palacete que mandara construir na antiga Estrada de Parnameirim (depois Av. 17 de Agosto), em Recife.

Sua esposa, Maria Augusta de Britto Iona, Marietta, faleceu em Trieste, na Itália, em 7 de agosto de 1925, aos 48 anos de idade. Não deixou filhos.

Leonello Iona voltou a casar, desta feita com Antonieta Rossi, com quem teve o filho Leonello Iona Filho.

Quando faleceu em janeiro de 1931 em Trieste, na Itália, tinha 65 anos (nasceu em 29 de março de 1865).

Eram seus cunhados: Adelmar Britto, Zorayda Correia Brito (faleceu em Recife em 17 de julho de 1925, solteira, com 40 anos de idade), Olga Lino, Izaura Correia de Brito, Daniel Lins e Raul Britto, este último foi gerente do Banco do Norte do Brasil em Maceió, onde Iona foi um grande acionista.

A Vila Ferrário ainda existe na Av. da Paz

1 Comentário on Guido Ferrário e Lionello Iona: os italianos da Fábrica da Pedra de Delmiro Gouveia

  1. Muito interessante .

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