Floriano menino
Texto de Aurino Macyel publicado no jornal pernambucano O Tacape de março de 1928
Auryno Maciel
Floriano, como quem tinha longa caminhada que fazer, nasceu logo de 7 meses.
Nasceu a 30 de abril de 1830 no Engenho “Riacho Grande” [ou Riachão], termo da então vila Pioca [Ipioca], em Alagoas.
Tetraneto legitimo, em linha direta, da índia Brígida Cabral e do português Antônio Barreiros, foi o quarto filho do coronel da guarda nacional Manoel Vieira de Araújo Peixoto e de sua esposa d. Anna Cavalcante de Albuquerque Peixoto [Joaquina de Albuquerque Peixoto].
Indo visitar a cunhada que estava mais morta do que viva, José Vieira de Araújo Peixoto e sua mulher — que não tinham filhos — levaram Floriano aos 12 dias de nascido para o seu engenho “Ponte Grande” no mesmo termo.
Algum tempo depois batizaram-no à pressa, porque o guri teve espasmo.
Inúteis todas as mezinhas caseiras, foi Floriano considerado caso perdido.
Falou então José Vieira de Araújo Peixoto:
— Bem, bem! Agora deixem o resto por minha conta.
E ele mesmo, calado e de sobrecenho duro, apanhou na bagaceira flor-de-boi, meteu num tacho d’água até ferver. Coou a água, mexeu para lá e para cá e mergulhou no tacho aquele tiquinho de gente a arquejar.
— Virgem Maria! exclamou D. Tereza, aflita, com as mãos na cabeça: o menino com febre e tomar banho!
— Estopora, nhônhô, adiantou-se uma velha escrava de confiança.
— Não já está perdido? perguntou o venerável “condottiere” por cima do ombro, como quem não admite réplicas. E eu já disse que deixassem isto por minha conta!
Tereza começou a rezar e fez uma promessa a Nossa Senhora do Ó.
Foi um santo remédio aquele banho.
A terapêutica foi sem dúvida para escandalizar.
E José Vieira de Araújo Peixoto sabia o que fazia.
Mas a sabedoria popular, por causa de milagres desses, diz que, a Deus querer, até água fria cura.
Naquele caso foi água quente e um cobertor de lã.
No dia seguinte o predestinado estava rindo e espernegando.
Cresceu e aprendeu as primeiras letras em família.
Não obstante já existir na província o Lyceu funcionando regularmente com seis cadeiras complexas: gramática nacional e análise dos clássicos da língua — de que era lente o pai da filologia alagoana, José Alexandre Passos, — latim, francês, inglês, aritmética e álgebra e geometria, e geografia e história e corografia, — o pai adotivo mandou-o, aos 12 anos, para o Rio de Janeiro, interno do Colégio de “S. Pedro de Alcantara”, do qual era reitor, Padre José Mendes de Paiva, vigário da capela imperial.
Volvendo a casa um ano, pelas férias, não tornou aos estudos, solicitado é vencido pelo sentimentalismo doméstico
Tinha, por aí, os seus 15 anos.
A madrinha receava o convívio heterogêneo do internato, naquela idade trefega e voante, ansiosa de diversórios mundivagos: desconfiava que algum colega, de ingênua perversidade, pudesse atrair o efebo a conquistas sentimentais menos nobres, fora dos hábitos consuetos.
Aquela mulher imitava Camões, a maravilha: costumava dizer que as más companhias, onde encontram resistência, mais se apuram.
Queria-o, por isso, em casa, perto dos seus conselhos.
José Vieira de Araújo Peixoto dizia para a esposa que esses temores só serviam para acovardar o menino…
— Demais, explicava-se, o homem nunca erra: lá uma vez ou outra pode enganar-se: mas é a lei do mundo: quem não apanha não aprende.
Ferida no seu ciúme, D. Tereza respondeu-lhe:
— Essa é a sua teoria; guarde-a para seu uso. Deus me livre que ele seja como você.
E tinha razão. Seu marido era um vadio da marca, capaz, ele só, de povoar todos os seus latifúndios: e aquela “filosofia” — estava quase a dizer aquele descaramento — ofendia os seus recatos de Penélope.
José Vieira de Araújo Peixoto foi consentâneo:
— Bem, bem! Faça a senhora o que entender.
Concertou-se, então, que Floriano entraria para o comércio. De fato, foi servir a primeira firma Almeida Guimarães & C, desta praça, estabelecida com armazém de fazendas, na qual já trabalhava seu irmão Alexandre.
Apesar do gênio manso e esquivo, através do qual se adivinhava o mais solerte e bem acabado “mondrongo”, não aturou por muito tempo a extração das mesmas faturas, as mesmas somas infindáveis e a mesma correspondência — invariável e de todos os dias — com os “prezados amigos e senhores”.
Recordava-se dos condiscípulos, da faina sempre nova das aulas e do reverendo e querido mestre, cujas lições, untuosas de bondade e sabedoria, lhe flutuavam aos ouvidos numa doce e isócrona saudade.
Aquele serviço não tinha elevação. Decididamente ia ficar selvagem outra vez. Um dia, não foi ao escritório. Falou ao padrinho com franqueza.
Não dava para aquilo. Queria tornar aos estudos. Queria ser cadete: deixasse estar que ele havia de ser homem!
Desaprovara-o a tia: soldado tinha vida muito atribulada, sem sossego, cheia de peripécias, de inquietações: quando menos se esperava, lá vinha uma guerra.
José Vieira de Araújo Peixoto nada dizia. Lembrara-se dos dias inóspitos de 44 e sabia quanto era feroz o dever militar; porém gostara daquele arranque, daquela vontade de ser!
E virando-se para a esposa:
— D. Tereza, deixe Yoyô por minha conta: o homem só morre no dia, não é que nem porco que morre de véspera. E, demais, toda morte é uma; ou assim ou assado, sempre se morre: ninguém fica para semente.
Apontando para o afilhado:
— E vosmecê se prepare; vou escrever para a Corte e seguirá no dia seguinte da resposta.
Floriano ainda entrou para o colégio de Padre Paiva, em ordem de ultimar os preparatórios.
Em 1857, com 18 anos e 5 dias, verificava praça no 1° Batalhão de Infantaria de pé, matriculando-se em seguida na Escola Militar.
Entrava definitivamente para a vida heroica.
(Do livro inédito Vida heróica de Floriano). [Não se sabe se o livro chegou a ser lançado].
Que textobom,informativo,instrutivo…O linguajar,os costumes,a formação,do século IXX e começo do século XX, eram bem outros…Fiquei curiosa para conhecer mais ,sobre o nosso Marechal ! (Adélia Magalhães)
Minha avó tem parentesco com o Marechal Floriano Peixoto , nasceu em Murici , nossa família é Vieira Peixoto Vasconcelos Calheiros Mello Braga Omena
Barbosa Félix
Meu bisavô materno é sobrinho direto de Floriano Peixoto, somos bisnetos de João Vieira Peixoto.
Que legal ler essa história, sou bisneta de José Vieira de Araújo Peixoto e minha bisavó foi a sua segunda esposa, Luiza Josefina da Rosa 💜