Fim do circuito

Praça Deodoro em 1950
Praça Deodoro década de 1920

Praça Deodoro na década de 1920

Ednor Bittencourt*

[…] Como já dissera em Picadas & Ferroadas, a praça [Deodoro] era o local escolhido pela minha galera do Liceu Alagoano, como sede para reuniões sérias, nas tomadas de posição para os memoráveis movimentos estudantis, e nos momentos de lazer, regados com um bom bate-papo, relembrando os acontecimentos importantes e os jocosos, ligados ao querido educandário, seus mestres, funcionários e colegas.

Um dos feitos mais quentes ocorrido anos antes do meu ingresso no liceu e que permaneceu por muito tempo em cartaz, se relacionava com a revolta dos alunos contra a permanência de um indesejável inspetor de ensino, chamado Maciel Pinheiro.

Praça Deodoro em 1950

Praça Deodoro em 1950

No ginásio funcionava um Tiro de Guerra — EIM (Escola de Instrução Militar), dirigido pelo Exército, com a finalidade de fornecer a Carteira de Reservista aos alunos que lá estudavam e atingiam a idade do serviço militar.

Diante da negativa do governo em atender ao pleito dos estudantes, mantendo na inspeção federal o aludido cidadão, a revolta atingiu o auge, com a tomada do edifício, mediante o emprego dos fuzis e baionetas pertencentes ao Tiro de Guerra. O prédio ficou interditado e dele ninguém entrava nem saía, transformando-se numa verdadeira praça de guerra. O assédio, estrategicamente bem arquitetado, teve como chefes o primo Franklim Bittencourt e os irmãos Bomfim, cuja residência ficava ao lado do liceu e foi por eles utilizada como ponto logístico da campanha. Esse bloco coeso vibrava com o feito dos 18 do Forte de Copacabana, ocorrido na década anterior (5-7-1922).

Procissão na Rua do Livramento em 1928, com o Liceu Alagoano ao fundo

Procissão na Rua do Livramento em 1928, com o Liceu Alagoano ao fundo

Nada faltou durante o período de domínio absoluto do valente grupo invasor, que durou alguns dias dedicados ás infrutíferas conversações. As propostas apresentadas pelo inimigo não foram aceitas pelos revoltosos e o comandante do 20 BC já estudava um plano visando a retomada do edifício. A situação estava nesse pé, quando entra em cena um dos mais atuantes e dedicados oficiais do brioso batalhão, o então tenente Mário de Carvalho Lima. Dotado de invejável espírito de concórdia e bem nascido para o desempenho das duas profissões, a militar e a diplomacia, o eficiente soldado conseguiu o afastamento definitivo do pivô do levante estudantil. Tudo voltou ao tão esperado ambiente de paz e harmonia, e por esse feito ficou conhecido no seio da classe como “O Pacificador“.

O capitão Mário Lima, como era chamado mesmo depois de ter atingido os outros postos elevados da hierarquia militar, tinha como companheira inseparável a dedicada esposa. d. Maria José (d. Zeca), descendente da tradicional família Peixoto, do Marechal de Ferro. Eram cunhado dos contemporâneos, irmãos José Maria, Paulo e Napoleão (Vaselina), figuras de destaque no meio ginasiano de então. Era pai de Socorrinho, minha vizinha na bela praia de Ipioca, onde recebe, com satisfação, ao lado do esposo Clailton, um monte de parentes e amigos, em animados fins de semana.

Tenente Mário Lima, "O Pacificador" para os estudantes sublevados do Liceu Alagonao

Tenente Mário Lima, “O Pacificador” para os estudantes sublevados do Liceu Alagoano

O saudoso Mário Lima morreu com a patente de general. Durante a sua longa carreira, além de dedicar-se às lides militares, comandando a 20ª CRM e o 20 BC, atuou na vida civil, onde era admirado por todos. Tomou parte ativa na comunidade maceioense, como Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Presidente do Rotary Clube, da Fênix Alagoana e do CRB. Escreveu um livro de memórias, “Sururu Apimentado“, com o qual ingressou no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

Diante da vitória e consequente deposição do indesejável inspetor, os estudantes promoveram um enterro simbólico, com caixão comprado na mortuária do seu Artur Marques, pai do contemporâneo Robson.

O féretro saiu do liceu com grande acompanhamento até sua residência, localizada na Praça do Montepio ou do Amor, hoje Bráulio Cavalcante, e onde morava o grande romancista Graciliano Ramos. O ataúde foi jogado em plena sala de visitas e sua alma recebeu a encomendação feita por Sinval Montezuma que, vestido de padre, leu em voz alta textos bíblicos e frases em latim.

Passada essa fase de agitação, as aulas voltaram à normalidade num período correspondente ao das provas parciais. Uma comissão estudantil procurou o inspetor interino, que atuava no Marista, advogado e tabelião, e, ao ser interpelado a respeito da realização dos referidos exames, respondera perturbado, talvez pelo impacto do movimento anteriormente deflagrado:

— Vocês FAZERÃO provas no dia oito!

O rebuliço formado pela inesperada resposta, resulta em outra campanha, não para afastá-lo do cargo, mas com o intuito de menosprezá-lo. A alcunha correu célere, de boca em boca, tomando conta da cidade e durante muito tempo ele era conhecido como dr. Fazerão.

*Trecho do livro de memórias “Corrupio”, Sergasa, Maceió, 1992.

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