Estrada do Norte, a grande obra do governador Fernandes Lima
No período inicial do processo de colonização do Brasil, quando predominavam os transportes marítimos, naturalmente suas primeiras povoações foram instaladas no litoral ou em áreas próximas, algumas com acesso por rios.
Nessa mesma época também existia entre os aglomerados humanos mais próximos o transporte em animais de carga e o trânsito de pessoas em montarias. Assim, as picadas foram sendo abertas e as trilhas entre esses povoados foram desenhando o futuro mapa rodoviário do país.
Por séculos, estes caminhos improvisados permitiram que mercadorias e pessoas circulassem e assim fossem formados novos assentamentos.
No Nordeste brasileiro, área de interesse das potências comerciais e militares do período colonial, suas veredas também foram utilizadas para os deslocamentos de tropas combatentes a exemplo do que ocorreu durante a invasão holandesa à capitania de Pernambuco.
O litoral entre Recife e o Rio São Francisco, uma das regiões mais ricas da capitania, sempre foi disputado pela cobiça dos mercadores europeus e por isso foi palco durante décadas de combates e ações militares.
Um deles destacou-se por envolver o maior deslocamento de pessoas daquele período histórico. Teve início no dia 3 de julho de 1635, quando a resistência aos holandeses liderada por Matias de Albuquerque no Arraial do Bom Jesus, nos arredores do Recife, se sentiu enfraquecida e resolveu recuar na direção do rio São Francisco.
Eram mais de 8.000 pessoas entre soldados, índios e civis, que, na passagem por Porto Calvo, destruíram a fortaleza ocupada pelos holandeses e seus aliados. Em seguida, “o aterrorizado comboio continuou a sua tormentosa jornada até Alagoa do Sul (atual Marechal Deodoro), ‘onde os emigrados se dispersaram, ficando alguns pelos contornos, vindo outros para o Rio de Janeiro, e a maior parte estabelecendo-se na Bahia’”, registrou Craveiro Costa em seu livro História das Alagoas.
Esse heroico êxodo constituiu-se na mais expressiva mobilização de pessoas pelos caminhos que dariam lugar a Estrada do Norte em Alagoas.
Vias de penetração
Foi somente a partir do governo de Clodoaldo da Fonseca (1912-15) que surgiram as primeiras iniciativas para tornar o Estado apto a receber os automóveis, que já cobravam seus espaços como meio de transporte.
Clodoaldo e seu sucessor, governador João Batista Accioly, chegaram a realizar algumas obras, principalmente na capital, mas foi a eclosão da 1ª Guerra Mundial (1914-18) que terminou por impulsionar a construção de estradas, como explicou o vice-governador José Paulino de Albuquerque em mensagem de 15 de abril de 1919.
“A guerra europeia, dificultando a importação necessário ao desenvolvimento das nossas vias férreas, trouxe, por esse motivo, uma notável atividade na construção de estradas de rodagem. O aumento da produção, intensificada pela procura, exigindo, portanto, fácil acesso aos mercados consumidores e exportadores, acelerou a ação dos poderes públicos que patrioticamente, bem compreenderam o valor econômico dessas estradas, demandando os centros da cultura e resolvendo um dos nossos problemas capitais: vias de penetração”, justificou o mandatário.
Essa política de expansão econômica foi adota de fato a partir de 1918, quando Alagoas passou a ser governado por José Fernandes de Barros Lima (conheça sua história AQUI), expressiva liderança política da Região Norte do Estado.
Estrada do Norte
Em relatório de 1924, o governador Fernandes Lima lembrou a situação das estradas da Região Norte quando assumiu a administração pública: “Velhos caminhos que o tempo, o abandono e a nossa incúria pelas estradas tornaram quase intransitáveis, em alguns pontos só praticáveis pela praia, sujeitos os viajantes às marés, à passagem arriscada, na baixa-mar, de inúmeros rios e riachos, quase todos sem pontes, existindo apenas quatro em completa ruína, — dificuldades estas que cresciam na estação invernosa, tornando quase impossível qualquer viagem, tal era a situação de comunicações para aquela zona”.
Fernandes Lima confessou que sua primeira tentativa foi a de construir a estrada de ferro para o norte, mas dificuldades provocadas pela guerra e litígios forenses impediram a continuação do projeto.
Após assumir o governo em 12 de junho de 1918, o “Caboclo Indômito”, como ficou conhecido Fernandes Lima, iniciou imediatamente as ações para a construção da Estrada do Norte.
O primeiro entrave a ser superado foi o do traçado. Houve discussões e divergências que rapidamente foram resolvidas pelo governador, que optou em utilizar os caminhos litorâneos já existentes.
Explicou que decidiu ouvindo a sabedoria do povo que “há um século ou mais, se comunica com a Capital, transitando nessa mesma zona percorrida pela estrada e pelos maus e perigosos caminhos que existiam”.
Como os principais obstáculos para as obras eram os rios que cortam a região, o governo foi obrigado a realizar muitas obras de arte, com a construção de pontes, pontilhões e bueiros.
As principais pontes eram sobre os rios Pratagy, Meirim, Sauaçui, Riacho Doce, Jacarecica e Sapucai, todas em “cimento armado”. Nesse mesmo período, também já estavam sendo construídas as pontes sobre o rio Tatuamunha (Ponte Moreira e Silva) em Porto de Pedras e sobre o rio Camaragibe, em Matriz de Camaragibe.
Em 15 abril de 1920, ao prestar conta das obras, Fernandes Lima explicou que a Estrada do Norte, “cortando as ubérrimas zonas do Norte, através dos importantes municípios de S. Luiz do Quitunde, Passo de Camaragibe, Porto de Pedras e Maragogi, foi iniciada em setembro do ano findo [1918], custando a sua construção até dezembro 45:012$731. O trecho compreendido entre esta Capital e a cidade do Passo de Camaragibe, está sendo atacado em todo o seu percurso, prosseguindo os trabalhos com atividade”.
O primeiro trecho inaugurado em fins de 1920 tinha 21 quilômetros e ligava Maceió a Ipioca.
Ainda em outubro de 1920, os jornais pernambucanos comemoravam o contrato entre a construtora de Izaac Gondim e Emílio Odebrecht para a construção, em cimento armado, das pontes da cidade do Pilar, Matriz de Camaragibe, Passo de Camaragibe e Bebedouro. O motivo da comemoração: “A proposta se eleva a algumas centenas de contos“.
No ano seguinte, Fernandes Lima anunciou em seu relatório que a estrada estava em fase de conclusão, “com uma extensão de 120 quilômetros, até Camaragibe, ramificando-se para São Luiz do Quitunde, numa extensão de 18 quilômetros, para Urucú, numa extensão de 60 quilômetros, a começar da cidade de Passo, passando pela Matriz, e para a Barra, numa extensão de 20 quilômetros…”.
“Em vias de construção” estavam as de Camaragibe a Porto Calvo e de Porto Calvo a Jacuípe.
Em 1922 o governador propagandeava os benefícios da obra, mencionando que o “trecho da estrada de Maceió à Barra de Santo Antônio, num percurso de 50 quilômetros, onde o automóvel pode correr dia ou noite, sem o menor embaraço, tropeço ou o mínimo incidente, mesmo nos dias mais invernosos, como se vem verificando atualmente, fazendo diversos autos, regularmente e nos horários, as três viagens semanais, que estabeleceram para aquele ponto, de onde já é fácil a comunicação para quase todos os municípios do norte do Estado”.
Ainda em 1922, ao anunciar que já tinha construído mais de 400 quilômetros de estradas em Alagoas, Fernandes Lima detalhou as da Região Norte: “De Maceió à cidade do Passo de Camaragibe; desta cidade até à vila da Matriz; desta vila à povoação de Urucú; de Jacuípe a Porto Calvo; de Porto de Pedras a Camaragibe; de São Luiz a Camaragibe…”.
A estrada até Passo de Camaragibe, com 90 quilômetros, foi inaugurada em novembro de 1922.
O jornal Correio da Pedra (Delmiro Gouveia) de 26 de novembro de 1922, assim noticiou o acontecimento: “De Maceió – No domingo passado [19 de novembro de 1922] foi inaugurada a estrada de rodagem do norte, ligando a capital à cidade de Passo de Camaragibe. O ato revestiu-se de festiva solenidade, tendo a comitiva saído de Maceió pela manhã em 21 automóveis conduzindo o governador do Estado, autoridades federais, estaduais e municipais, agentes consulares, presidentes e representantes de várias associações, diretorias de banco e famílias, chegando todos, com algumas demoras para admirar trechos e obras da estrada, à 9 e 40, sendo recebidos com ruidosas festas. A comitiva regressou às 19 horas do mesmo dia, sem o menor incidente, tendo sido encantadora a excursão”.
As obras continuaram e até 31 de dezembro de 1923 foram investidos Rs. 2.064:561$027 na estrada.
Em 1924 foi inaugurada o trecho da Barra de Santo Antônio até a cidade de São Luiz do Quitunde e o ramal entre um lugar chamado Casa das Almas até a Barra de Camaragibe, passando pelo povoado dos Morros para ligação com Porto de Pedras.
Muitas outras estradas foram abertas nos anos seguintes, incluindo a Maceió-Palmeira dos Índios, que recebeu a primeira pavimentação em asfalto e foi inaugurada em 1955, no final do governo de Arnon de Mello. Entretanto, os feitos do governador Fernandes de Lima para a sua região, principalmente a construção da Estrada do Norte, ainda hoje são reconhecidos pelos habitantes daquela região de Alagoas.
Atualmente a Estrado do Norte é parte da Rodovia AL-101, de jurisdição estadual, com 274 km de extensão, situada entre a divisa com o estado de Pernambuco em Maragogi e Piaçabuçu, à margem do rio São Francisco na fronteira com Sergipe.
A conexão da Estrada do Norte de Alagoas com a Rodovia Litoral Sul de Pernambuco se deu no dia 27 de abril de 1930, quando foi inaugurada a ponte sobre o Rio Persinunga, na fronteira entre estes Estados (Maragogi – Barreiros).
Reviver (rememorar) a nossa História é por demais esplêndido. Principalmente, quando os registros são da lavra de pessoas idôneas, bem assim, com o cetro das instituições que cuidam do Patrimônio Histórico e Artístico do nosso Estado.