Escravo que foi contemporâneo de D. Pedro I vivia em Maceió no ano de 1931

A descoberta chegou ao público de Maceió no dia 13 de julho de 1931 pelas páginas do matutino A Notícia, dirigido por Craveiro Costa. Dois dias depois, o Diário da Manhã, de Recife, reproduziu a informação.
Antônio Vila da Costa, uma figura popular nas ruas por vender carvão e levar recados, chegou à porta de A Notícia e pediu ao redator um “nickel” para se alimentar. Fez questão de deixar claro que não era um mendigo, mas que no final da tarde, quando não tinha conseguido nenhum serviço, apelava para a esmola.
— “Nhô” moço, uma esmola para o preto velho…
Como estava sem assunto para o jornal, o redator resolveu conversar com o velho, muito conhecido por todos, sobre suas histórias. Buscava inspiração para uma reportagem.
Foi assim que soube da origem de Antônio no Congo e que fora transportado por um navio negreiro até o Brasil.
Narrou o ex-escravo que os negros eram atraídos para festas nesses navios “com missangas tentadoras para os olhos dos pobres pretos”. Ele não foi capturado numa dessas festas, mas sim numa caçada feroz pela praia. Com apenas dez anos de idade, ele e cerca de duzentos negros foram levados à força para uma caravela.
Lembrou que depois de vários dias de viagem, longa e torturante, a nau lusitana aportou em Jaraguá.
— Há quanto tempo foi isso? —, perguntou o jornalista.
— Faz muito tempo. Só sei Yoyô que D. Pedro I era quem governava o Brasil…
— E como era Jaraguá nessa época?
— Não era nada, Yoyô. A praia e um grande brejo tomaram tudo. Não tinha casa, não tinha gente.
— E você ficou aqui?
— Não, Yoyô. O navio ficou aqui mais três dias e seguiu para Barra Grande, onde a negraria desembarcou e caminhou para Barreiros, para ser vendida. O dono do Engenho Una foi meu primeiro senhor. Comprou-me por vinte mil réis…
Na entrevista, Antônio recordou do célebre “Mata, Mata, Marinheiro!”, revolta provocada pela abdicação de D. Pedro I, e da Guerra do Paraguai (1864 a 1870), onde perdeu um filho com 25 anos de idade.
Foi ao confessar que a morte do filho ocorreu quando ele tinha pelo menos 45 anos de idade, que o redator percebeu a sua idade aproximada, estimando-a em 110 anos, bem próximo dos 120 anos afirmados pelo ancião.
Continuando a conversa, Antônio recordou como era Maceió quando pela primeira vez a visitou acompanhando o proprietário do Engenho Una.
— Era mato ainda, Yoyô. Tinha a igrejinha de Nossa Senhora, que é hoje a catedral, algumas casinhas por ali mesmo, poucas ruas. No lugar onde está o mercado havia uma engenhoca de fazer rapadura e um brejo de atolar gente, que fazia medo. Havia pau que era preciso quatro machados para derrubar.
Lembrou que passou ainda pelas mãos de outros quatro senhores e que guardava recordações muito dolorosas da vida como escravo e que não as revelava, mas que nunca sofrera torturas físicas.
— Para quê? Para que falar de coisas tristes quando tudo já passou?
Foi alforriado em 1888, quando já se aproximava dos 80 anos de idade. Teve que continuar trabalhando da forma que podia, vendendo carvão, levando recados e ganhando pouco dinheiro.
— Depois dessa idade, vive-se esperando a morte. Às vezes ela atraiçoa, às vezes engana e não vem… Mas virá, hoje ou amanhã…
Antes de se despedir, fez questão de lembrar que se às vezes estende a mão para recolher esmolas por não ter encontrado nada para fazer, mas não que era mendigo.
Isso é história pura, não encontrada nos livros! Fantástico!
Que história triste e emocionante! 😔
Muito instrutivo. Confirma Barra Grande como porto de desembarque de escravizados em Maragogi.
História bonita interessante. Gosto muito de histórias do meu Brasil, da minha Alagoas da minha Maceió
.
Que história incrível, essas histórias são muito ricas em detalhes da própria história, grato por esse conto.
Interessante… porém, em 1885 com a Lei dos sexagenários ele deveria ter sido alforriado, se não foi, continuou escravizado ilegalmente. O fato de viver mais de 100 anos é singular, mas não era algo impossível desde o século XVIII existem levantamentos populacionais com pessoas acima dos 100, poucos, mas existiam. Se puderes disponibilizar as fontes, fico agradecido.
Uma história que merece ser contata. 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
Gian, a fonte está no texto: “A descoberta chegou ao público de Maceió no dia 13 de julho de 1931 pelas páginas do matutino A Notícia, dirigido por Craveiro Costa. Dois dias depois, o Diário da Manhã, de Recife, reproduziu a informação”.
Este precioso relato diz muito da pseudo abolição e total indigência à qual foi condenada a população afro e seus descendentes. Afora isso, a determinação em não ser confundido com mendigo, mesmo em situação de extrema miséria, suscita reflexão no campo das mentalidades, sobre o “trabalho livre”, mesmo que mísero, enquanto marcador de fronteira identitária que conferia alguma dignidade a quem, no passado, fora igualado a mendigo (excluído absoluto) na condição escrava. Belo texto, parabéns Ticianeli.
Maravilha de história