Elysio de Carvalho, do anarquismo para a polícia
Elysio de Carvalho nasceu na Rua da Penha em Penedo, Alagoas, no dia 29 de janeiro de 1880. Era filho do português Frederico Antônio de Carvalho (3/10/1837) e de Maria Felismina Machado de Carvalho (casaram-se na cidade de Penedo em 10/07/1875).
Frederico, filho do casal português Francisco Antônio Augusto de Carvalho e Anna Nascimento de Carvalho, e Maria Felismina tiveram três filhos: Frederico, Elysio e Antônio.
Elysio começou os estudos no Colégio S. João. Deixou Penedo em 1893 para ingressar no Seminário de Olinda, onde permaneceu até 1895, quando resolveu abandonar a carreira eclesiástica.
Em Maceió, teve que enfrentar os exames gerais preparatórios para o Liceu Alagoano. Naquela época os cursos de seminários religiosos não eram equiparados aos cursos do ensino oficial. Estes exames foram prestados em duas etapas: de 6 de novembro a 5 de dezembro de 1895 e de 18 de novembro a 5 de dezembro de 1896.
Morando em Penedo no ano de 1897, com o pseudônimo de El-Caro, fundou o periódico Don Juan. Ainda nesse ano matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, segundo noticia a imprensa do Rio de Janeiro, mas não há registro do seu nome na relação dos acadêmicos matriculados.
Nesse período, além de escrever para o Don Juan, colaborava ainda com os periódicos A Palavra (1893) e O Trabalho (1893) de Penedo; O Sertanejo (1895), de Pão de Açúcar; Quinze de Novembro (1897) e A Tribuna (1897), de Maceió.
É nesta mesma A Tribuna que é divulgada a informação, em 22 de março de 1898, que Elysio de Carvalho estaria viajando para a capital federal onde pretendia continuar os seus estudos médicos, fato que nunca ocorreu.
No Rio de Janeiro casou-se por duas vezes. O primeiro casamento foi em 1899. Na capital federal dirigiu vários periódicos, entre eles as revistas mensais A Meridional e Brasil Moderno, além da Revista Naturista Franco-Brasileira, A Greve, Kultur, Revista Nacional e América Brasileira, esta última entre 1922 e 1924.
Destacando-se no mundo da literatura e tratado como um intelectual, Elysio de Carvalho e sua obra contribuíram também na construção do movimento modernista, que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922, mas que já se manifestava no Rio de Janeiro.
Também produziu para o Boletim Policial, O Imperador, Gazeta de Notícias e América Brasileira. Contribuiu ainda para a Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano. Em São Paulo, sua colaboração foi para: Novidades, Archivo Illustrado, Revista Literária, Capital Paulista e O Amigo do Povo, periódico anarquista editado por Neno Vasco. No Rio Grande Sul, em Bagé, o A Evolução, também anarquista, recebeu contribuição de Elysio de Carvalho.
Seus trabalhos também foram publicados em periódicos do exterior, como em Libre Examen, Almanaque de la Questión Social, La Protesta e El Pueblo da Argentina. No Chile, em Revista Nueva; na Espanha em Natura e El Rebelde; na França em Régénération Humaine; no Uruguai em Nuevo Rumo, La Rebelion e Futuro.
Segundo depoimento prestado por ele à Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 1905, sua formação política foi inicialmente influenciada por Emile Zola. Em seguida vieram os pensadores socialistas que exaltavam “a individualidade, proclamando a soberania do indivíduo na natureza e na ordem social”. Destacou Proudhon, Reclus, Bakunin, Kropótkine, Mackay, Tucker e Palante.
Esclareceu ainda que foi a obra The French Revolution, de Thomas Carlyle, que trouxe “o sentimento de aversão que (nutria) pelo democratismo dos ‘direitos do homem e do cidadão’, da ‘igualdade, liberdade e fraternidade’, da ‘soberania popular’, quimeras perigosas sobre as quais se quer fundar o reino da… mediocracia”.
Ao ateísmo chegou pelas obras de Haeckel, Spencer, Diderot, Lange, d’Holbach, Buckner e outros.
Nas respostas ao inquérito do jornal, Elysio de Carvalho revelou que os melhores e verdadeiros educadores, responsáveis pela sua emancipação intelectual, foram os alemães Max Stirner, autor de Der Einzige und sein Eigenthum (Leipszig, 1844), “o código do individualismo e o gerador do anarquismo moderno”, e Frederich Nietzsche, “como o seu niilismo dionisiano e com o seu ideal trágico da vida, com a sua admiração por todas as formas de poder e da grandeza”.
Ao referenciar-se à Revista Naturista Franco-Brasileira fundada por ele em 1901 no Rio de Janeiro, explicou que tinha sido “um dos empreendimentos literários mais significativos de quantos até (então) tinha aparecido entre nós”. Para ele, “o Naturismo – movimento que a revista iniciou –, que ele proclamava como a expressão estética do socialismo, era antes uma explosão de sensibilidade contemporânea do que uma escola literária, e procurava reconstituir toda a vida estética dando à arte moderna mais sólidos fundamentos e ampliando a sua esfera de ação…”.
Teve uma fulgurante e bela carreira literária. Filósofo e poeta, com vários livros publicados, amigo de intelectuais como Mário de Andrade, Machado de Assis, Manuel Bandeira, entre outros.
Militante do Anarquismo
Entre os vários periódicos em que colaborou, dois tinham alinhamento ideológico com a corrente anarquista no Rio de Janeiro. A Greve, que era o órgão do Círculo Libertário Internacional, e a revista Kultur. O número inicial de Kultur traz a contribuição de vários militantes do movimento anarquista e a parte inicial do ensaio O movimento anarquista no Brasil, do próprio Elysio de Carvalho. Este estudo é o primeiro trabalho divulgado no Brasil sobre o referido movimento.
Em 1904, fundou e dirigiu a Universidade Popular d´Ensino Livre na Rua São José, Rio de Janeiro, que estabelecia como objetivo educar o proletariado brasileiro dentro dos preceitos socialistas. Elysio, entre outras coisas, proferia conferências, como a que fez sobre Kropotkin na sede da Universidade, num festival literário realizado em 11 de outubro daquele mesmo ano.
Para Elysio de Carvalho existiam duas diferentes correntes anarquistas no Brasil: os anarquistas comunistas e os individualistas anarquistas. Os primeiros são movidos pelo comunismo libertário, “um sistema social no qual a propriedade seja comum”. “… pregam a revolução social e combatem a atual sociedade para estabelecer o comunismo, a sociedade futura sem governo, sem autoridade, sem leis…”.
Já os anarquistas individualistas defendiam que a destruição do Estado, “com todo seu conjunto de leis e juízes, o indivíduo satisfará plenamente as suas necessidades por sua atividade privada, admitindo ainda como possível a vida em comum, mas praticada por associação dos egoísmos absolutos, como quer Stirner, visto que a livre expansão das energias e das paixões humanas basta para assegurar uma vida harmônica entre os homens”.
Elysio Carvalho era defensor da conquista do poder pela ação direta, através da força. Expressou isso ao manifestar que não tinha “simpatia por esse anarquismo tímido que não ousava conquistar a liberdade pela força, pois, (estava) convicto que unicamente a força criava o (seu) direito e realizava o (seu) ideal”.
Em 1906, a realização no Rio de Janeiro do 10° Congresso Operário Brasileiro contou com a colaboração de vários intelectuais, mais ou menos assumidamente anarquistas. Após o Congresso, lançaram a revista Floreal, que contava com Domingos Ribeiro, Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Lima Barreto (certamente o mais conhecido atualmente) e Elysio de Carvalho.
Entretanto, antes, em 1904, após escrever um ensaio, As ruínas de Icária, sobre a decadência do Anarquismo, Elysio de Carvalho provocou um intenso debate ente as correntes anarquistas de vários países, a tal ponto que em 1908 o Bulletin de Internationale Anarchiste não recomendava a estruturação de uma organização no Brasil por temer não controlar as pessoas que se diziam anarquistas no país.
O informe de Marcel Vereme detalhava e dava nome ao problema: “Um desses ‘camaradas’, um indivíduo individualista que fez muito barulho no movimento, é hoje subchefe da repartição de identificação brasileira. Esse senhor se chama Elysio de Carvalho. Nós o citamos porque, se bem que queimado no Brasil, ele tem o desplante de se corresponder com diversos periódicos anarquistas”.
A constatação da decadência do anarquismo por Elysio de Carvalho, logo deu lugar à renúncia a este ideário. A justificativa para tal atitude foi registrada na sua obra Five o’clock, de 1909. “O anarquismo é uma atitude absurda. Foi meu profundo sentimento do belo, o meu culto apaixonado pela arte, a minha intransigente admiração por todas as formas de grandeza e o meu conceito individualista da história, que me levaram a renunciar meu passado político”.
E sentenciou: “Na sua ânsia desesperada de melhorar o mundo, toma partido por tudo que é falso, mesquinho, vil e plebeu, enaltecendo o sentimento de abnegação de si próprio e o princípio nocivo da piedade, nutrindo um ódio desesperado aos criadores de valores e um rancor de danados contra as Leis supremas da Vida”.
Na polícia
Após sua trajetória pelo anarquismo, Elysio de Carvalho assumiu a diretoria do Gabinete de Identificação e Estatística da Polícia do Rio de Janeiro, de 1911 a 1915, onde já era funcionário. No Gabinete, em 1907, era o Encarregado da Secção de Informação. Durante um certo tempo, também trabalhou na Junta Comercial do Rio de Janeiro.
Por iniciativa sua, no dia 15 de janeiro de 1912 foi criada a Escola de Polícia do Rio de Janeiro, subordinada ao Gabinete. Como Diretor da Escola foi o responsável pela introdução de novas técnicas de combate ao crime. Promoveu cursos que foram ministrados por criminalistas de renome internacional. Entre eles estava R. A. Reis, Diretor do Instituto de Polícia Científica de Lausanne, que esteve no Brasil em 1913. O próprio Elysio lecionava Criminalística. Antes mesmo de ser nomeado diretor, já tinha escrito Síntese de Polícia Científica e o Manual do Agente de Polícia.
Em 1913, já funcionava a sua Agência de Informações e Pesquisas, devidamente autorizada pelo Governo Federal e fornecendo informações aos bancos sobre as condições financeiras de firmas comerciais. Essa Agência teve o nome modificado para Empresa de Informações Garantidas, responsável em 1915 pelo lançamento do órgão oficial Monitor Mercantil.
Antes, em 1912, já editava a publicação Graphicos Commerciaes e Financeiros, que contava com assinatura dos mais importantes bancos da Europa e da América. No ano seguinte lançou o Boletim Diário de Informações, “a súmula de todas as notícias que poderão interessar, no dia, o comerciante”.
Segundo Wilson Martins, em ensaio para o Jornal de Poesia, “Elysio de Carvalho viveu numa conjuntura intelectual complexa, geralmente despercebida pelos observadores superficiais e simplificadores dos nossos dias, conciliando o esteticismo wildiano com as ideias socialistas, o simbolismo literário com as crenças esotéricas, a superstição e a ciência (o Instituto de Manguinhos foi inaugurado em 1900), a aspiração pela reforma social com os sentimentos conservadores, o nietzscheísmo com a reação católica, a ignorância (revolta da vacina em 1904) com a pesquisa científica (Osvaldo Cruz), a República e o desencanto com ela”.
Elysio de Carvalho recebeu a fita da Legião de Honra e a comenda da Ordem da Torre e da Espada. Morreu no dia 2 de novembro de 1925, no Sanatório de Schatzalp, em Davos-Platz, na Suiça, para onde foi em busca do tratamento para a tuberculose. Tinha 45 anos de idade.
Fonte principal: Elysio de Carvalho, um militante do anarquismo, de Moacir Medeiros de Santa’ana, 1982.
FENOMENAL, incrível a história desse alagoano!!!
Que sua vida seja conhecida e estudada, para conhecimento da natureza humana,.
A profa Wanda Rocha escreveu uma tese (2013) sobre Elysio de Carvalho e dois artigos sobre Five O´Oclock para a revista universitária Ceuma Perspectivas (Universidade Ceuma). O tratamento dado ao polígrafo alagoano foi o de um memorialista (na tese e nos dois artigos). Dele se diz que captou tão bem o psiquismo humano no Horror e no Sexo. Infelizmente os estudos universitários estão voltados aos nomes sempre referidos, a exemplo de Machado de Assis, José Lins do Rego, Mário de Andrade e outros. A profa citada é maranhense, dra em Letras.
Sim, um grande alagoano, porém estive em Penedo, Alagoas, atrás de mais informações sobre Elysio, mas parece que a sociedade dá mais valor a um criminoso como Lampião. O próprio museu de Penedo, tem muito pouco sobre sua vida. Sou sobrinha neta de Elysio de Carvalho.
Boa tarde,
Me chamo Thayene, sou descendente do escritor Elysio de Carvalho. Estou tentando descobrir mais sobre as raízes lusófonas da minha família, logo gostaria de saber como tiveram acesso aos documentos de nascimento dele e do pai dele. Minha mãe esteve na curia de Penedo e em Mossoro a procura destes documentos, mas não localizaram o livro que constasse tais informações. Tenho parte dos documentos que comprovam que sou descendente dele.
Agradeceria muito se me ajudassem.
Thayene Lorens